Esta podia ser uma história do 25 de Abril como tantas outras publicadas ao longo do dia de hoje, mas não é.
O enfoque vai para Alpoim Calvão, principal comandante do Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), como o arcebispo de Braga lhe salvou a ‘pele’ perante a extrema-esquerda deixando-o escondido num sótão do Seminário de São Tiago, na Cividade, e como encontrou lá outro nome da resistência de direita – Paradela de Abreu, safando-se os dois do antigo Regimento de Infantaria de Braga.
No livro “De Conakry ao MDLP”, o antigo comandante Calvão conta que passou onze horas a dormir no telhado do seminário enquanto militares do na altura Regimento de Infantaria 6 de Braga o procuravam pelas igrejas da cidade. Foi a 4 de outubro de 1975 e o comandante era suspeito de vários atentados à bomba durante o pós-25 de Abril e de ser responsável por uma rede bombista de extrema-direita.
Apesar de escapar com a ajuda da igreja, nessa noite o comandante viu os companheiros major Mira Godinho e major-tenente Benjamim de Abreu serem presos pelos militares sob suspeita de pertencerem à rede bombista da extrema-direita.
No alto do sótão, o comandante que tinha sido apontado para liderar a PIDE antes da revolução encontrou outro ‘refugiado’ pela igreja. Paradela de Abreu. Alegado fundador do movimento Maria da Fonte, uma espécie de sucursal do MLDP e entusiasta dos ‘ultra-radicais de direita’ Exército de Libertação Português (ELP).
E os telhados do seminário de Braga eram assim. O último baluarte para os militares resistentes anti-comunistas e com o ‘alto patrocínio’ do cónego Melo, que ‘negociava’ com o “pirata” Paradela de Abreu.
O criador do movimento Maria da Fonte, descobriu que só a Igreja Católica tinha arcaboiço para enfrentar a implantação do comunismo ou da extrema-esquerda em Portugal. E foi assim que falou com o arcebispo, que o redirecionou para o conhecido cónego Melo,
“Cada diocese tem muitas paróquias, logo muitas igrejas, logo muitos sinos. Milhares de sinos ao norte do rio Douro. Centenas de milhares de católicos. Ao pensar nesta ‘estrutura’ em termos de eventual guerra interna, constatei que o País já estava ‘quadriculado’ militarmente. Cada paróquia seria uma ‘base’. Cada igreja de granito ancestral, um ‘reduto’. Cada sino um ‘rádio transmissor’. Cada quinta perdida nas serras, um ‘apoio logístico'”, disse o fundador do movimento da região bracarense.
Ao jornal Público, em 1994, Alpoim Calvão disse o que achava do colega fundador do movimento Maria da Fonte. “Era um pirata. Mas um pirata útil”. Segundo o comandante, o MLDP e ao movimento de Paradela apenas unia o sentimento anti-comunista.
E Paradela não era nada meigo com os comunistas. Num panfleto, era indicado que estava aí um novo exército secreto de libertação que estava “preparado para uma guerra civil”. Os panfletos ensinavam a fazer bombas artesanais e pediam para que cada português fosse um combatente contra os “assassinos comunistas”.
“O Exército de Libertação Português (ELP) agradece a todos aqueles que, no CDS, PPD, PDC, igrejas, paróquias, bancos, etc., ou em iniciativas de carácter privado, têm apoiado a nossa justa luta, criando um clima propício para a nossa entrada em ação com o fim de limpar o país de todos os cães comunistas e traidores, que nos tentam impedir de sermos o que sempre fomos e de dispormos de nós como muito bem entendemos”, dizia um dos panfletos, que colocou o comandante da Região Militar Norte, Eurico Covacho, em alerta.
O responsável pelos militares do Norte deu uma conferência de imprensa na RTP que iria começar a prender os agentes que estavam por detrás desta “nefasta organização”.
O panfleto tinha ainda um “obrigado” a Soares, “por nos teres facilitado as coisas desta maneira”. E acrescentava “És um tipo porreiro! Fica prometido que terás bandeira a meia-haste quando morreres… com um tiro na nuca!”
Outra das indicações no panfleto: “quando ouvires os sinos da tua freguesia tocar a rebate, vem para a rua com as armas que tiveres: caçadeiras, pistolas, picaretas, enxadas ou gadanhas”. Noutro papel, explicavam que “é urgente prepararmo-nos para desencadearmos por todo o Portugal uma cruzada branca contra a opressão vermelha, contra o comunismo estrangeiro, usurpador, opressor e ateu”.
Alpoim Calvão, que aproveitou a liberdade no telhado do seminário bracarense na companhia do “pirata” e à guarda da igreja, assume as bombas do MDLP até ao 25 de novembro. “Antes disso, podem dizer que fui eu que as mandou pôr, a todas, que eu não desminto. Depois disso, nem uma”, garantiu na entrevista ao Público.
semanariov.pt
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