Diogo Faro
Volta e meia, lá aparecem eles. Em grupos organizados ou por iniciativa própria, com t-shirts com o emblema do clube ou com o crucifixo por cima da camisa azul bebé, na missa ou na escadaria da Assembleia da República, com cartazes feitos nas aulas de EVT dos colégios ou com tweets reacionários, a espaços lá gostam de fazer aparições, e quase sempre tão bizarras como acreditar que a Nossa Senhora apareceu mesmo lá a flutuar por cima da azinheira.
Desta vez foi por causa da eutanásia, mas é costume ser a propósito do aborto. Lembro-me de que ainda há meses fizeram uma manifestação contra o aborto, logo no dia a seguir à noite em que mudou a hora, andando uma para trás. Devem ter achado que o que tinha andado para trás era um século.
Normalmente, é maltucha gira do CDS ou que, pelo menos, adora medidas políticas à direita que só agigantam o fosso entre ricos e pobres. Como se isto não fosse engraçado, só de si, vindo dos pró-vida, fica ainda mais divertido quando uma das suas maiores preocupações com a eutanásia se prende com os velhinhos pobres abandonados pela sociedade classista. Quem é que lhes explica a graça disto?
Eu entendo as manifestações destes pró-vida, mas não acho que estejam a ser muito honestos. É que isto da vida é muito relativo. São pela vida das pessoas que sofrem de doenças incuráveis, mesmo contra a vontade dos doentes. São pela dos fetos, pouco querendo saber da vida das mulheres e da autonomia sobre o seu próprio corpo. E ainda assim, toda a sua ampla e pujante filosofia pró-vida, extingue-se aqui mesmo.
Há milhares de vidas que se esvaem no Mediterrâneo a fugir da fome e da guerra, e não só não fazem manifestações por elas, como nem são propriamente adeptos de as acolher. Há dezenas de vítimas mortais por violência doméstica, mas não me lembro de os ver falar pela importância da igualdade de género e da luta contra a violência de género. Há milhões de pessoas que, mesmo não morrendo directamente (algumas, sim) têm vidas fustigadas pelo racismo, xenofobia ou homofobia, e nunca vi apelos pró-vida destas pessoas. Podemos ir até à vida dos animais, num país no qual a tortura de touros e cavalos ainda é por tantos considerada espectáculo. Também nunca se pronunciaram pró estas vidas, sendo até bem capazes de estar nas arenas a aplaudir.
Portanto, são pró-vida de quem, exactamente? De si mesmos? Isso são, e muito. Está tudo bem com isso. Mas sejam honestos. São pró-vida, mas não acham que a vida quando nasce tem o mesmo valor para todos. Ou melhor, para eles, todas as vidas são iguais, mas umas são mais iguais que outras.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- O Brinco do Batista: Um podcast feito por gente inteligente e interessante, sobre futebol e política.
24.sapo.pt
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