Duas semanas depois da demissão da directora de Informação da RTP, Maria Flor Pedroso, a polémica sobre a alegada intromissão desta no programa Sexta às 9 continua a provocar uma divisão profunda na redacção da televisão pública: o conselho de redacção (CR) divulgou na noite de domingo uma deliberação em que diz que não deve ser “imputada qualquer acção ilegítima” à directora demissionária no caso da investigação do programa Sexta às 9 ao Iscem, onde Maria Flor Pedroso dava aulas.
Além de ilibar a directora e a sua adjunta, Cândida Pinto, o CR afirma também que “não foi apurada nenhuma evidência sobre qualquer tipo de interferência política na decisão da direcção de Informação de não emissão do programa Sexta às 9 durante a campanha eleitoral” para as legislativas.
Ou seja, com quinze dias de diferença, os membros eleitos do CR vêm dizer o contrário do que uma parte da redacção aprovou num comunicado saído do plenário realizado no dia 16 deste mês. Na altura, o plenário aprovou um texto em que dizia que a intervenção de Flor Pedroso no processo de investigação do caso Iscem configurava uma “violação dos deveres deontológicos dos jornalistas e de lealdade para com a redacção” da televisão. Esse comunicado foi votado por 63 jornalistas, o que representa um quinto da redacção.
A deliberação do CR com data deste domingo vai ser enviada à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, que pediu explicações ao CR sobre o alegado incumprimento por parte da direcção de informação demissionária (composta por jornalistas) do Estatuto do Jornalista, nomeadamente dos seus deveres, em especial o de confidencialidade das fontes e de sigilo profissional. Poderá estar em causa a abertura de um procedimento disciplinar aos jornalistas, já que a Comissão da Carteira também pediu o comunicado do plenário.
Bom nome da redação
Sobre o adiamento da emissão do Sexta às 9 após as férias de Verão, além de concluir que não houve interferência política, o CR avisa que, a bem do “bom nome da redacção” da RTP, “torna-se imperativo que quaisquer alegações sobre esta matéria sejam comprovadas pelos seus autores, de forma irrefutável”.
Maria Flor Pedroso e a coordenadora do programa, a jornalista Sandra Felgueiras, deixaram no Parlamento versões contraditórias: a primeira alegou que a reportagem prevista sobre o negócio do lítio em Montalegre não estava pronta para ser emitida a 13 de Setembro (e também por isso o programa foi adiado para 11 de Outubro), a segunda contrapôs que estaria pronta para esse dia e que as peças do programa só ficam prontas no dia ou na véspera por não fazer sentido confrontar os visados com as questões um mês antes da emissão do programa.
O CR defende também que qualquer programa de jornalismo de investigação “não pode ficar dependente de constrangimentos de recursos humanos provocados pela sazonalidade”, e que deve ser feita uma “clarificação da linha hierárquica” deste tipo de programas (para preservar a “autonomia das equipas de repórteres") e se devem definir “linhas orientadoras”.
Acerca do caso Iscem, em que Maria Flor Pedroso terá aconselhado a directora do instituto (onde também dá aulas) a responder por escrito à equipa da RTP que estava a investigar um caso de alegada corrupção na instituição, o CR conclui que “não ficou demonstrada nenhuma intenção propositada por parte da directora de informação no sentido de prejudicar a investigação”.
Mas o CR deixa um “puxão de orelhas” a Flor Pedroso ao considerar que “deveria ter existido maior bom senso” da sua parte “quando questionou o Iscem com recurso a informação privilegiada, referente a uma investigação jornalística em curso”.
“Afigura-se manifestamente desejável a existência de extrema prudência na abordagem de matérias sob sigilo profissional dos jornalistas, em particular nas situações em que possa vir a ser alegado um eventual conflito de interesses”, vinca o conselho de redacção.
O CR diz acreditar que o intuito da directora era “auxiliar a reportagem”, mas afirma que esta deveria ter avisado “imediatamente” a equipa do Sexta às 9 da sua conversa com a responsável do instituto.
Olhando para toda a polémica que envolve o Sexta às 9 desde Setembro, os membros do CR lamentam o “clima de conflitualidade” criado, pedem que se retome a “normalidade e tranquilidade fundamentais” para um jornalismo de serviço público e que estes diferendos sejam resolvidos dentro da empresa e que se evitem “indesejáveis fugas de informação” que se tornam “lesivas” para a redacção e para a credibilidade de toda a RTP.