Nas últimas duas semanas, começaram a chegar ao gabinete do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, pedidos de levantamento de imunidade parlamentar.
Em causa está uma investigação do Ministério Público (MP) a deputados que alegadamente deram outra morada que não a sua ao Parlamento e receberam subsídios de deslocação indevidos. Até agora, há nove possíveis arguidos: oito deputados e Sandra Cunha, ex-parlamentar bloquista, que renunciou ao cargo, nesta quinta-feira.
A investigação envolve três deputados do PS, quatro do PSD e um do CDS, que podem vir a ser acusados do crime de peculato por alegadamente terem sido beneficiados em subsídios de deslocação casa-trabalho a que não teriam direito. Este crime pode ser punido com uma pesa de prisão entre três e oito anos e uma multa até 150 dias.
No Parlamento, caberá à Comissão de Transparência acompanhar o caso e, segundo a Renascença, está a ser preparado um único relatório sobre a situação, coordenado pelo líder parlamentar do PCP e vice-presidente desta comissão, João Oliveira, por não existir nenhum deputado comunista envolvido.
O tema já tinha sido levantado, em maio de 2018 numa investigação da RTP, que revelava que vários deputados – entre eles Sandra Cunha – tinham dado uma morada ao Parlamento fora da zona metropolitana de Lisboa, apesar de viverem na capital, segundo as informações disponibilizadas ao Tribunal Constitucional.
E a Procuradoria-Geral da República confirmou, à VISÃO, em setembro do mesmo ano a investigação do MP.
Importa referir que, segundo o estatuto remuneratório dos deputados, os parlamentares com morada fora de Lisboa, Oeiras, Cascais, Sintra, Amadora, Odivelas, Loures, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal e Barreiro têm direito ajudas de custo no valor de 69,19 euros por cada dia de trabalhos – mais 46,14 euros do que os que vivem nos concelhos aqui citados.
Os deputados investigados
Estes são os parlamentares na mira do MP, sendo que, de acordo com o jornal Público, a lista deverá aumentar com os nomes de Clara Marques (PSD) e Sónia Fertuzinhos (PS).
Carla Barros, PSD
Gestora de recursos humanos de profissão, está no Parlamento desde 2009. Pertence às comissões de Agricultura e Mar; Trabalho e Segurança Social; Administração Pública, Modernização Administrativa e Descentralização e Poder Local.
Respondeu à acusação de morada falsa garantindo que não vive em Lisboa, mas sim no Porto, para onde regressa todos os dias.
Duarte Pacheco, PSD
É formado em economia e está no Parlamento desde 1991. O deputado anunciou, esta sexta-feira, na comissão de inquérito ao Novo Banco que será o cabeça de lista do PSD à Câmara de Torres Vedras nas próximas eleições.
Elza Pais, PS
Licenciada em sociologia e docente universitária nesta área, a deputada chegou ao Parlamento em 2009. Sobre a acusação de que é alvo diz-se “serena”, uma vez que “não há qualquer discrepância nas declarações que sempre” apresentou à Assembleia.
Fernando Anastácio, PS
Advogado de profissão, foi eleito, em 2015, pelo círculo de Faro, e, em 2019, pelo de Lisboa. Recusou-se a falar sobre a investigação de que é alvo até ter oportunidade de responder à Comissão de Transparência.
João Pinho de Almeida, CDS-PP
No Parlamento desde 2002, João de Almeida já foi, entre 2011 e 2015, secretário de Estado da Administração Interna, no Governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Foi secretário-geral do CDS de 2007 a 2009 e, em 2020, concorreu à liderança do partido contra Francisco Rodrigues dos Santos. Nas próximas eleições Autárquicas é o candidato da coligação PSD-CDS à Câmara de São João da Madeira, onde vive.
Assim que soube da investigação sobre moradas falsas, emitiu uma nota a sugerir que haveria uma ligação entre a sua candidatura autárquica e o pedido de levantamento da sua imunidade. João Almeida afirmou que vai pedir para “ser ouvido com carácter de urgência” para apresentar provas da sua inocência e mostrou perplexidade perante a morada em Carcavelos que o Ministério Público lhe atribui, que, segundo o deputado, pertence ao irmão.
“Quero deixar claro que o processo que me diz respeito resulta de erros grosseiros da investigação, chega a ser surreal nos alegados factos que me imputa e atenta gravemente contra o meu bom nome e contra a transparência e rigor que sempre coloquei no exercício de funções públicas”, argumentou o deputado.
Nuno Sá, PS
O deputado está no Parlamento desde 2005 e há dois anos foi um dos acusados de marcar falsas presenças no plenário. Sobre a investigação das falsas moradas disse que espera “esclarecer [o assunto] o mais rapidamente possível”, acrescentando que “haverá algum mal entendido”.
Paulo Neves, PSD
Esta é a segunda legislatura em que o professor madeirense está como deputado na bancada dos sociais democratas.
Pedro Roque, PSD
Cumpre a terceira legislatura no Parlamento. Foi secretário de Estado do Emprego entre fevereiro e junho de 2013.
Sandra Cunha, BE
Eleita pelo círculo de Setúbal em 2015 e 2019, Sandra Cunha é professora universitária. Foi a única dos nove deputados investigados a optar por se demitir do cargo, perante a investigação. Nas redes sociais publicou uma explicação, onde se pode ler que a alegada discrepância de moradas remonta a 2017 e 2018 e que, segundo Sandra Cunha, já tinha sido esclarecida.
No entanto, optou pela renúncia por “motivos pessoais, para defender o meu bom nome com total liberdade, e por motivos políticos, porque não quero que continuando em funções a minha defesa possa ser usada como arma de arremesso contra o Bloco de Esquerda”.
Há dois anos, aquando da investigação da RTP, o Bloco de Esquerda reagiu, dizendo que a deputada tinha dado uma morada de Almada ao Tribunal Constitucional, apesar de viver em Sesimbra “fruto da situação familiar que vivia à época”, uma separação que a obrigou a mudar várias vezes de casa e a dar a morada dos pais.
Sandra Cunha vai ser substituída no Parlamento por Diana Santos, 36 anos, psicóloga clínica e ativista pelos direitos humanos.
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