Ao longo do tempo, observamos que os ciganos foram vítimas das mais violentas e cruéis perseguições. O evento mais recente que exemplifica isto ocorreu na Alemanha Nazista, quando milhares de pessoas pertencentes a esse grupo foram presas e assassinadas pelo regime de Adolf Hitler. Na verdade, esse mesmo tipo de combate acontecia desde os tempos da Europa Moderna.
A Suíça, por volta de 1470, foi uma das primeiras nações a instituir leis contra a presença dos ciganos em seus domínios. Na Península Ibérica, o processo de expulsão dos árabes também foi paralelamente acompanhado pela perseguição aos ciganos. Ao longo da dinastia dos Tudor, na Inglaterra, leis de enorme severidade determinavam que a simples descendência cigana bastava para que o acusado fosse condenado à morte.
Ainda hoje, várias histórias fantasiosas e inverdades sugerem que os ciganos sejam pessoas de pouca confiança e que sempre estejam envolvidos com algum tipo de ilicitude. Para alguns historiadores, essa visão negativa do povo cigano se assenta nos valores medievais. Nessa época, os ciganos sobreviviam promovendo entretenimento, trabalhando na venda de carnes ou como ferreiros.
Na Idade Média, em algumas localidades, a diversão e o riso eram condenados como manifestações demoníacas que afastavam o homem dos princípios cristãos. Paralelamente, havia uma série de lendas que reforçavam o distanciamento. Em uma delas, diziam que o ferreiro que fabricou os pregos que fixaram Jesus Cristona cruz era cigano. A partir desse corolário de mitos, a população cigana esteve associada ao estigma do preconceito.
Se a vida errante e os exotismos reforçavam o repúdio, devemos também levar em conta que a postura do povo cigano alimentava tais ideias. Portadores de tradições, costumes e uma língua própria (conhecida como romani), os ciganos desaprovam qualquer tipo de envolvimento mais íntimo entre um cigano e um não cigano. Em algumas situações, o contato com estrangeiros resulta em expulsão do grupo sob a acusação de traição.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, uma grande parcela da população cigana migrou para os Estados Unidos – que hoje aglomera aproximadamente um milhãode ciganos. Cerca de oito milhões vivem na Europa e, hoje, formam a maior minoria sem um país de todo o Velho Mundo. Apesar do destino incerto, algumas porções da Romênia e da Macedônia já reconhecem a presença deste grupo étnico e cultural.
Por Rainer Sousa
Quem são os ciganos?
Em síntese: Os ciganos são um povo singular, dotado de costumes próprios; muitos levam vida nômade, entregando-se ao comércio, à música e à dança, como também à adivinhação da sorte. Tem origem possivelmente na Índia; espalharam-se pela Europa, a África do Norte, a América e a Austrália. Em geral, não gozam de boa fama, o que lhes tem valido perseguições. Em nossos dias há quem procure reabilitar os ciganos; em certas regiões existe um capelão católico, que deles se ocupa. Costumam seguir a religião prevalente na região em que se encontram. A figura do bom cigano veio à tona recentemente, pois aos 4/5/97 foi beatificado o cigano Ceferino Jiménez Malla, do qual tratará o artigo seguinte. Os ciganos constituem um povo nômade ou seminômade, espalhado pela Europa Central, a península ibérica, a Ásia Ocidental, o Norte da África, a América e a Austrália, conservando sempre os mesmos característicos de raça e de gênero de vida.
Dois são os nomes principais que designam essa estirpe:
a) ciganos, forma portuguesa do original “Atzigan” ou “Afsigan”, que na Turquia e na Grégia deu “Tshingian”; na Bulgária, e na Romênia, “Tsigan”; na Hungria, “Czigany”; na Alemanha, “Zigeuner”; na Itália “Zingari”; na Inglaterra, “Tinker” ou “Tinkler”.
O apelativo “cigano” parece derivar-se, em última análise, de “jigani”, denominação de uma tribo da Índia, pertencente à raça dravidiana, raça que resulta da fusão dos negritos (primitivos habitantes da península hindu) com os turanianos, povo de raça amarela, proveniente dosmontes Urais).
Os estudiosos modernos são levados a crer que os ciganos provém realmente dos jiganis da Índia, pois acentuada é a afinidade de traços raciais e de dialeto, vigente entre os dois povos.
b) egípcios, nome devido a uma crença divulgada pelos próprios ciganos quando entraram em cena na Europa medieval; segundo essa crença, os ciganos seria oriundos do Egito, ou melhor, de uma região chamada “Pequeno Egito” (= Palestina”. Tal nome tomou as formas “Gypsy” na Inglaterra “Gitano” (de Egiptiano) na Espanha ; “Gyphtos” no grego moderno. A mesma tese explica denominações similares dadas aos ciganos: “Pharaoh nepek” (povo de Faraó) na Hungria; “Faraon”, na Romênia.
Outros nomes atribuídos ao mesmo povo seriam : “boêmios” ou “Bohémiens”, na França; “Heydens” (= pagãos) na Alemanha. Os próprios ciganos sedesignavam durante algum tempo como “Romanos” a fim de se recomendar aos olhos dos demais povos.
Nas linhas que se seguem, examinaremos rapidamente quem são os ciganos (origem, história, gênero de vida, de trabalho…) e quais os seus aspectos religiosos mais característicos.
Origem e Esboço Histórico
Desde que os ciganos apareceram na Europa Ocidental, muitas hipóteses foram propostas para explicar a sua origem: seriam descendentes dos construtores das pirâmides, dos etíopes, dos persas, dos tártaros… Seriam uma das tribos perdidas de Israel, uma mescla de judeus e árabes, os últimos representantes dos metalurgos da idade do bronze, sobreviventes da Atlântida; seriam, talvez, a posteridade de Caim ou a de Cam, filho de Noé ou mesmo de Adão e de uma mulher anterior a Eva (o que justificaria a isenção da lei do trabalho em favor dos ciganos).
Postas de lado essas hipóteses fabulosas, no fim do século XVIII os estudiosos observaram grande semelhança entre a língua dos ciganos da Europa e o sânscrito e outras línguas vivas da Índia. Daí afirmarem a origem indiana dos ciganos, sentença esta que foi confirmada por ulteriores estudos de lingüistas, antropólogos e historiadores.
Na verdade, presume-se que sejam descendentes da tribo indiana dos jiganis. Apresentam estatura pequena e tez de pele que pode variar desde a coloração escura do cigano da Arábia até o matiz claro do habitante da Polônia. Em geral, têm um físico bem proporcionado e assaz ágil. São amigos de ornamentos vistosos e dos trajes de cores carregadas, de preferência vermelhos e verdes; as mulheres costumam usar lenços, colares e moedas de ouro em torno do pescoço, ficando-lhes os pés geralmente descalços.
Não se têm anteriormente ao início do séc. XIV vestígios seguros da estada dos ciganos na Europa. Parecem ter passado do Egito para as terras balcânicas, espalhando-se pela Hungria, a Boêmia e a Rússia. A sua entrada nos territórios da Europa Ocidental (Alemanha, França, Suíça, Itália) não se deve ter dado antes do princípio do séc. XV. Até hoje conservam os seus caracteres raciais e linguísticos bem definidos, pois só se casam entre si, sendo os matrimônios mistos ou exogâmicos considerados por eles como ilegítimos; em geral, tendem a se isolar dos demais povos – o que em parte se deve ao seu tipo de vida nômade. Falam a língua nomani ou nomanes, de fundo indiano, mesclada com locuções dos povos em meio dos quais habitam. Não têm tradição escrita ou literatura, mas o idioma é conservado muito vivo por ser secreto; está diversificado em dialetos.
Nenhuma nação conta os ciganos entre os seus concidadãos. É o que torna difícil avaliar o número de ciganos hoje existentes no mundo; calcula-se, porém, que atingem a cota de cinco a dez milhões. Não prestam serviço militar nem tratam de registrar os seus casamentos em cartório civil. Cada tribo ou bando nômade tem seu chefe e sua forma de governo autônomo. Dada a sua fama de gente fraudulenta e enganadora, os ciganos, do séc. XVI até o início do séc. XX, foram objeto da repressão de certos governos europeus, que lhes infligiram penas diversas: a escravidão na Romênia e na Hungria (séc. XVIII/XIX), o exílio e a própria condenação à morte.
Atividades dos Ciganos
Segundo geralmente se diz, os ciganos vivem da mendicância e do furto – o que não é correto. Existe, sem dúvida, a mendicância, direta ou dissimulada, praticada principalmente pelas mulheres e as crianças. Todavia os ciganos exercem também certo trabalho profissional e artesanal, variável de acordo com a região em que se encontram, e geralmente compatível com a vida nômade.
1) Adivinhar a sorte ou a quiromancia (interpretação das linhas da mão, também dita “leitura da buena dicha”) é ocupação das mulheres. Seguram a mão do cliente e a consideram, mas observam também o semblante do interlocutor. Praticam outrossim a adivinhação pelas cartas e pelo tarô, à semelhança dos não-ciganos. Vendem amuletos e bentinhos, recorrendo a ritos estranhos para atrair o favor ou a ira dos “espíritos superiores” – ritos chamados Xochano baro (a Grande Farsa).
Praticam igualmente o curandeirismo, utilizando o poder terapêutico de certas ervas. Esta arte os torna muito estimados nas rurais, onde os ciganos podem fazer as vezes de veterinários.
2) A música cigana também é muito apreciada desde o século X no Irã. Na Europa Ocidental e na Central, ela se impôs em festas aristocráticas como também nas dos camponeses. Serve-se da voz humana e de instrumentos; as letras lembram por vezes o hebraico, o árabe e o andaluso.
3) As dançarinas ciganas espanholas têm fama mundial. Na França apresentavam-se na corte de Henrique IV (1589-1610) como também nos castelos dos nobres. Os ciganos estão presentes nos teatros de marionetes, nos circos, e os homens nas touradas da Espanha. No México os ciganos têm seus cinemas ambulantes.
4) Na Europa Central, os ciganos se dedicam principalmente ao trato de cavalos; compram-nos, vendem-nos, trocam-nos e sabem cuidar deles. O mesmo se dá em relação a asnos e mulos.
5) Praticam a manufatura de metal e madeira: fabricam e consertam utensílios domésticos de cobre ou bronze (donde o nome de “caldeireiros” ou “chaudronniers”, que por vezes lhes é dado) ou de madeira (bancos, mesas).
6) Para vender seus produtos, os ciganos não montam lojas, mas vão ao encalço dos clientes de porta em porta. Compram e revendem diversos tipos de mercadoria. Este comércio ambulante é chamado chine. Também participam de feiras locais.
7) Na Espanha dos séculos XVIII e XIX os ciganos ofereciam hospedagem em albergues próprios. Podiam também embarcar em naves pesqueiras para praticar a pescaria, as mulheres se encarregavam de vender o peixe. Não são amigos da agricultura, pois esta obriga à vida sedentária, mas aceitam tarefas ocasionais de colheita.
8) Diz-se que o cigano tem o prazer de empunhar armas. Nas guerras dos séculos passados, como, por exemplo, na guerra dos Trinta Anos (1619-1648) havia batalhões inteiros de ciganos acompanhando as tropas regulares.
Costumes Ciganos
Os ciganos espalhados pelo mundo carecem de chefe comum. Certos grupos têm o seu Conselho de Anciãos e o tribunal dos Kris.
Os homens geralmente se vestem como os cidadãos da região em que vivem. As mulheres gostam de cores vivas, jóias, brincos e argolas, colares, e frequentemente saias longas.
Comem o que o respectivo país oferece. Muito estimam a carne, com exceção da de cavalo, que é proibida; preferem o porco e as aves.
Estão acostumados a morar em tendas, quando fazem uma pausa em suas andanças. Os que abraçam a vida sedentária, ornamentam seus abrigos como se fossem tendas.
O núcleo familiar é muito forte. O pai detém a autoridade. Prole numerosa é sinal de bênção divina. O casamento não costuma ser contraído nem na Igreja nem no cartório, mas é festejado com grandes solenidades de despesas. Também os funerais são solenes e dispendiosos, atraindo muitos parentes e amigos, que não raro vêm de longe. Os ritos tradicionais visam a apaziguar a alma do defunto e ajudá-lo em suas caminhadas no além-túmulo; os supostos fantasmas suscitam grande medo.
Ciganos e Religião em geral
Os ciganos não têm Religião própria, característica da raça, como a têm os judeus; mas adaptam-se às idéias religiosas do país em que se acham, fundindo-as com crenças supersticiosas comuns a muitos povos. Assim, na Turquia e na Arábia professam o islamismo; na Grécia e na Romênia, a “ortodoxia” cristã nacional; na Hungria, me Portugal e na Espanha, o catolicismo. Em verdade, porém, não cumprem muito exatamente os deveres religiosos do Cristianismo; principalmente no tocante à vida sexual, são indulgentes. Além disto, parecem inclinados a crer no fatalismo dos destinos humanos.
Vivendo no cenário cristão da Idade Média, compreende-se que os ciganos tenham estado envolvidos em mais de uma manifestação da fé cristã.
Os historiadores observam por exemplo, que não era raro passarem eles por peregrinos cristãos, gozando, a este título, dos favores e privilégios que os prelados e os príncipes concediam às caravanas de peregrinos; gozavam mesmo da tutela e dos benefícios que os Papas costumavam dispensar aos cristãos que demandavam os grandes santuários. Parece, porém, que os ciganos nem sempre se mantiveram à altura de tal benevolência, pois dela abusaram para cometer malefícios; assim, por exemplo, se exprime o cronista. Aventinus na primeira metade do séc. XVI: “A fraude e o roubo são proibidos aos outros povos…; estes, porém, (os ciganos) se atribuem a licença de os praticar”.
A má fama que, apesar do caráter de peregrinos cristãos, pesava sobre os ciganos, encontrou expressão em uma altercação graciosa, bem característica da mentalidade popular. Com efeito, dizia-se na Idade Média que os cravos com os quais foi crucificado o Senhor Jesus, haviam sido forjados por ciganos e que, em consequência, tal povo fora amaldiçoado. Diante desta falsa acusação os ciganos da
Alsácia e da Lituânia se defendiam inteligentemente…; chamavam a atenção para o costume introduzido no séc. XII/XIII na iconografia cristã, costume de representar o Senhor crucificado com três cravos e não, como na primitiva Igreja se representava, com quatro cravos… Aproveitando-se da estranheza que esse novo hábito provocava no povo cristão, os ciganos pretendiam justificá-lo contando que uma mulher cigana, desejosa de impedir a crueldade contra Jesus, tentara roubar os judeus os quatro cravos com os quais se dispunham a crucificá-Lo; tendo conseguido subtrair ao menos um cravo, os carrascos haviam sido obrigados a crucificar com três pregos em vez de quatro; um em cada mão, e um nos dois pés sobrepostos. Assim, segundo a intenção dos apologistas ciganos, a figura do Divino Crucificado, longe de constituir desdouro para a fama dos boêmios, deveria, antes, torná-los mais caros aos cristãos!… Esta altercação pode ser ilustrada pelo fato de que a primeira representação do Crucificado com três cravos data do séc. XII; está forjada em cobre e é de origem bizantina… Ora, se os ciganos bizantinos possuíam o monopólio da metalurgia nessa época, poder-se-ia supor que tal inovação na representação do crucifixo se deva aos ciganos, os quais destarte visavam afastar de si a calúnia de terem concorrido, pela sua indústria no séc. I, para atormentar o Senhor Jesus.
Alsácia e da Lituânia se defendiam inteligentemente…; chamavam a atenção para o costume introduzido no séc. XII/XIII na iconografia cristã, costume de representar o Senhor crucificado com três cravos e não, como na primitiva Igreja se representava, com quatro cravos… Aproveitando-se da estranheza que esse novo hábito provocava no povo cristão, os ciganos pretendiam justificá-lo contando que uma mulher cigana, desejosa de impedir a crueldade contra Jesus, tentara roubar os judeus os quatro cravos com os quais se dispunham a crucificá-Lo; tendo conseguido subtrair ao menos um cravo, os carrascos haviam sido obrigados a crucificar com três pregos em vez de quatro; um em cada mão, e um nos dois pés sobrepostos. Assim, segundo a intenção dos apologistas ciganos, a figura do Divino Crucificado, longe de constituir desdouro para a fama dos boêmios, deveria, antes, torná-los mais caros aos cristãos!… Esta altercação pode ser ilustrada pelo fato de que a primeira representação do Crucificado com três cravos data do séc. XII; está forjada em cobre e é de origem bizantina… Ora, se os ciganos bizantinos possuíam o monopólio da metalurgia nessa época, poder-se-ia supor que tal inovação na representação do crucifixo se deva aos ciganos, os quais destarte visavam afastar de si a calúnia de terem concorrido, pela sua indústria no séc. I, para atormentar o Senhor Jesus.
Outro encontro, digno de nota, dos ciganos com o Cristianismo é a peregrinação, que esse povo ainda em nossos dias costuma empreender ao santuário dito “das Três Marias” (Les Saintes Maries de la Mer) na ilha de Camargue perto de Marselha no mar Mediterrâneo. Conforme antiga narrativa, esse santuário assinala o lugar onde desembarcaram Maria, mãe de S. Tiago o Menor, Maria de Salomé, mãe de S. João Evangelista e s. Tiago o Maior, e Maria Madalena, acompanhadas de José de Arimatéia, de Lázaro e de Sara, companheira egípcia das três Marias: teriam sido expulsos da Palestina pelos perseguidores da fé; embarcando então numa navezinha destituída dos devidos recursos, a pequena caravana, por evidente tutela da Providência Divina, teria chegado incólume a Camargue, e daí haveria iniciação a evangelização da Gália. Em comemoração do episódio (cuja autenticidade não interessa discutir aqui), os cristãos ergueram na mencionada ilha uma grandiosa igreja, onde estão guardadas as relíquias de Santa Sara, que os ciganos cristãos veneram como sua padroeira. Ora, sendo a festa das “Três Marias” celebrada anualmente a 25 de maio, os ciganos de várias partes do mundo (França, Alemanha, Áustria, Itália, Espanha e até do Marrocos) costumam afluir ao santuário, podendo o número de peregrinos chegar a um total de 5.000; os mais antigos vestígios (ofertas votivas) desse piedoso costume chegam a ser anteriores ao ano de 1450! A Igreja do santuário fica, por ocasião de tais peregrinações, inteiramente ocupada pelos ciganos, os quais dão à localidade toda um aspecto festivo, meio-religioso, meio-profano; suas manifestações de piedade nem sempre condizem com a genuína mentalidade católica.
Ainda no tocante às relações dos ciganos com o Cristianismo, pode-se notar o seguinte: na França em 1961 havia cerca de vinte sacerdotes (capelães) consagrados à cura pastoral entre os boêmios, sob a direção geral do padre Feluny, capelão-mor (outros capelães existiam na Alemanha, na Espanha, no Marrocos). Justamente durante os festejos de 1961 em Camargue um desses sacerdotes franceses declarou à imprensa :
“As mulheres ciganas (…), não são moralmente transviadas. Inegavelmente, os ciganos praticam uniões de amor livre; muitos desses casos, porém, se devem simplesmente ao fato de que não conseguem obter os documentos que o governo requer para o matrimônio civil. Tais circunstâncias, porém, não impedem que os ciganos estejam bem convictos das obrigações decorrentes do matrimônio. Entre eles o varão que tenha escolhido uma mulher, sabe permanecer-lhe fiel, sendo o adultério passível de penas severíssimas… Nos últimos tempos, tendo-se a Igreja mais ainda aproximado deles, designando capelães para lhes assistir, muitas situações de famílias irregulares foram legalizadas; numerosos batizados têm sido efetuados; eu mesmo já tive a ocasião de assistir à primeira Comunhão de seis ciganazinhas”.
O repórter Emílio Marini, que transmite a declaração acima, acrescenta quase à guisa de comentário:
“Não há dúvida, quem se aproxima daqueles carros (dos ciganos) e conversa com os respectivos moradores, toma consciência de que o juízo muito freqüentemente proferido sobre eles é de todo injusto; trata-se, na verdade, de gente honesta, trabalhadora, de gente que fica à margem da sociedade, principalmente porque a sociedade não a sabe acolher com a devida estima. Trata-se de gente que está apegada ao seu carro como o camponês está apegado a sua terra, e que, embora pareça não Ter pátria, é enormemente afeiçoada à família, à sua tribo, ao seu carro, à sua a liberdade” (extraído da revista Orizzonti nº 28, de 9 de julho de 1961).
Este modo de ver, compreensivo e benévolo, parece assaz oportuno na hora presente para acautelar contra generalizações pouco eqüitativas.
Aliás, os ciganos, muito atacados, sempre tiveram seus defensores, principalmente por causa do seu talento musical e artístico. No século XX foram formadas sociedades destinadas a torná-los mais conhecidos e pôr em evidência o que eles têm de positivo; assim na Inglaterra a Gypsy Love Society e na França Erudes Tsiganes. Os preconceitos tendem a se dissipar, uma certa assistência vem sendo dada aos ciganos, para que, como minoria, se possam adaptar à grande sociedade, merecendo o respeito desta e prestando sua colaboração à mesma.
Revista : “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
OS CIGANOS NA HISTÓRIA
A história dos ciganos, que hoje são cerca de 12 milhões espalhados pelo mundo inteiro, não é tão colorida
quanto eles: teve diáspora, perseguição, escravidão e genocídio
por Isabelle Somma
Em uma determinada noite do começo dos anos 40, o médico nazista alemão Josef Mengele reuniu 14 pares de gêmeos no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. Colocou as crianças sobre sua mesa e as fez dormir. Calmamente, injetou clorofórmio em suas veias. A morte foi instantânea. Mais tarde, as abriu e meticulosamente dissecou seus cadáveres.
As crianças não eram judias. Eram de um outro grupo cuja história também é marcada por diáspora, perseguições, escravidão e genocídio, especialmente na Segunda Guerra. Os ciganos – termo genérico para designar grupos que se autodenominam rom, calon e sinti, entre outros – podem ser encontrados em várias partes do mundo, divididos em culturas, religiões e línguas diferentes. Alguns têm o dialeto, a profissão ou apenas a opção pela vida itinerante. O que todos os cerca de 12 milhões espalhados pelos cinco continentes têm em comum é uma longa história pautada pelo preconceito. Que continua ainda hoje.
Pouco se sabe sobre a origem dos ciganos – que, assim como quase tudo que diz respeito a eles, está marcada por fantasias. Alguns dizem que eles descendem de egípcios do tempo dos faraós. Outros, de uma região conhecida como “Novo Egito”, na Grécia – daí a palavra “cigano”, que vem de “egipciano”. Essa história, contudo, é totalmente descartada por estudiosos do assunto. Para eles, os ciganos teriam vindo do Paquistão e do norte da Índia, nos atuais Rajastão e Punjab. A maior prova disso vem de estudos lingüísticos. O romani, a língua falada por eles, possui grandes semelhanças com o hindi, falado na Índia. A análise biológica corrobora essa tese. Um estudo realizado com integrantes de comunidades ciganas da Europa demonstrou que era possível traçar a origem indiana de boa parte dos ciganos pesquisados.
Grupo migrante
Dali, um grande contingente teria partido em uma espécie de diáspora. Ainda hoje existem comunidades ciganas na Ásia, assim como nos locais por onde passaram até chegar à Europa, como o Oriente Médio e norte da África. “Por que e quando eles deixaram a Índia, quais foram os grupos que fugiram e como se relacionavam entre eles ainda é tema de debate entre os estudiosos”, diz David Nemeth, professor de Geografia e Planejamento da Universidade de Toledo, em Ohio, nos Estados Unidos, especialista em povos nômades. “Alguns dizem que todos deixaram a Índia de uma vez, há mil anos. Outros dizem que eles foram saindo gradualmente.”
Um problema, de acordo com os especialistas, é falar dos ciganos como se eles fossem um grupo racial, um povo. “A explicação da origem indiana dos ciganos dá a falsa impressão de que eles são um grupo fechado, constituído como uma unidade isolada na Índia e que viajou mantendo essa integridade”, afirma a antropóloga Florencia Ferrari, cuja pesquisa de doutorado na Universidade de São Paulo é sobre ciganos de São Paulo. Na verdade, eles apresentam uma grande mistura.
O estudo lingüístico aponta uma provável data em que a maior leva de ciganos teria deixado seu território de origem: meados do século 11. Esse período coincide com a invasão, ao norte do subcontinente indiano, do sultão persa Mahmoud Ghazni (971-1030). Acredita-se que o sultão vitorioso teria expulsado essa população, provavelmente uma casta de guerreiros, do território conquistado entre 1001 e 1026.
Há outras teorias para o movimento dos ciganos. Alguns especialistas supõem que eles pertençam a um antigo grupo de viajantes que nunca parou de se deslocar. Outros, que eram grupos sedentários forçados a deixar a Índia devido à expansão de outros povos. Também não se descarta que eles eram párias expulsos de suas terras.
Tudo isso é suposição por causa da falta de relatos escritos sobre o assunto. Os ciganos mantêm sua história através da tradição oral – e muito do que se passou entre eles foi perdido. Segundo Isabel Fonseca, autora de Enterrem-me em Pé – A Longa Viagem dos Ciganos, o primeiro documento escrito que menciona os ciganos é um contrato de compra e venda do século 10. Mais tarde, monges relatam sobre os “atsiganoi”, povo itinerante de adivinhos e ventríloquos que visitou o imperador bizantino Constantino IX em 1054.
A diáspora cigana levou-os a migrarem a oeste, fazendo com que se espalhassem pela Europa a partir do século 14. “Quando apareceram pela primeira vez na Europa, os ciganos apresentaram-se como peregrinos e liam a sorte: duas boas profissões numa época de superstição”, afirma a autora. Os grupos começaram a percorrer com maior assiduidade certas regiões, e acabaram adotando a língua e a religião delas. Mas sem perder seus próprios costumes e língua.
Perseguição e caça
Dessa mesma época já datam os primeiros registros de perseguições contra os ciganos. Em 1471, leis contra eles foram aprovadas na Suíça. Na península Ibérica, a chamada Reconquista Cristã, em 1492, significou não apenas a expulsão de árabes e judeus, mas de ciganos também. No século 16, os ciganos também foram expulsos da França, durante o reinado de Luís XII, e da Inglaterra, pelo rei Henrique VIII. Mais tarde, Elizabeth I fez pior: durante seu reinado, entre 1558 e 1603, uma lei tornava ilegal ser um cigano. Isso quer dizer que a pessoa era condenada à morte simplesmente por ser filha de pais ciganos. “Eles se tornaram os últimos bodes expiatórios dos males sociais da sociedade do período Tudor”, afirma Thomas Acton, professor de Estudos Romani da Universidade de Greenwich, Inglaterra.
A perseguição nos Bálcãs foi ainda mais aguda. A partir do século 13, os ciganos foram vistos como estrangeiros que não eram bem-vindos. Acabaram escravizados. A libertação ocorreu apenas em 1864. Na Romênia não foi diferente: os ciganos foram feitos escravos lá até o século 19. Em 1445, o príncipe Vlad Dracul, da Valáquia (antiga província da Romênia), escravizou em seu país cerca de 12 mil pessoas da Bulgária. Essa gente, de acordo com registros da época, “parecia egípcia”. Vlad Dracul, apenas a título de curiosidade, é pai do príncipe que ficou conhecido pela alcunha de Drácula.
A partir do século 16, países como Suíça, Holanda e Dinamarca, passaram a promover o que ficou conhecido como “caçada aos ciganos”. Ela funcionava mais ou menos como uma caçada a raposas mesmo, quase um esporte. Não era preciso o sujeito ter cometido crime algum para ser aprisionado ou morto como um animal. Recompensas e honras eram prestadas aos que participavam das caçadas. Na Dinamarca, por exemplo, uma grande caçada foi marcada para o dia 11 de novembro de 1835. O resultado foram 260 homens, mulheres e crianças presos ou mortos.
Preconceito
Alguns pesquisadores acreditam que a origem do preconceito contra as comunidades ciganas esteja relacionada com as profissões com as quais eles ganhavam a vida. Segundo Nemeth, os ciganos historicamente lidam com três ramos de ocupação nada bem vistos na Idade Média. Eles estão associados à indústria da “diversão”, como músicos, dançarinos e adivinhos, da “morte”, como açougueiros, e da “sujeira”, como ferreiros. Várias lendas populares pipocaram na Europa na Idade Média. Uma delas é a de que o ferreiro que fez os pregos colocados em Jesus na cruz era cigano. Jesus então teria amaldiçoado todos os ciganos com uma vida de vagância.
Aliás, é o nomadismo o fator apontado como o principal motivo da desconfiança que vários povos alimentaram contra eles. “A estigmatização da vida errante se tornou um fator de demonização daqueles ciganos que eram nômades comerciais”, afirma Acton. A necessidade de deslocar-se pela lunga drom – ou “longa estrada”, em romani – , geralmente em coloridas caravanas, fez com que os ciganos tivessem um contato mínimo com o mundo gadjikane – “não-cigano”. Assim, o grupo continuaria com seu estilo de vida. A história da polonesa Papuzsa (“boneca” em romani) é prova de que muitos grupos temem que seu modo de vida seja alterado pela revelação de seus costumes. Harpista, ela compunha música e poesia contando os sofrimentos de seu povo. No fim da década de 50, um poeta publicou a tradução de seus poemas em polonês, à revelia da vontade de Papuzsa. Resultado: foi expulsa da comunidade por traição. Morreu em 1987, só e esquecida.
A partir do fim do século 18, com a ascensão do capitalismo industrial e a rápida urbanização, o que era visto como uma diferença apenas cultural passou a ser visto como um comportamento motivado por uma questão racial. O racismo culminou com a Segunda Guerra Mundial. Além de judeus, homossexuais, comunistas e opositores do regime, os nazistas também perseguiram implacavelmente os ciganos. Eles foram deportados para campos de concentração e foram alvo dos einsatzgruppen, esquadrões móveis de extermínio. Não há estatísticas exatas sobre o número de vítimas, mas estima-se que, dos cerca de 1 milhão de ciganos que viviam na Europa antes da guerra, pelo menos 500 mil tenham sido eliminados no Holocausto.
Com o fim do conflito, muitos deles imigraram para os Estados Unidos – que, atualmente, é o país com o maior número de ciganos no mundo, cerca de 1 milhão. A última lei contra os ciganos no país, que impedia a entrada deles no estado de Nova Jersey, só foi eliminada na década de 90. Os que ficaram na Europa, no entanto, continuaram a ser sistematicamente perseguidos por diferentes governos. Na Bulgária, a língua e a música ciganas foram proibidas. Na antiga Tchecoslováquia e na Noruega, políticas oficiais promoveram campanhas de esterilização de mulheres ciganas. Até 1972, o governo suíço tomava crianças ciganas de seus pais para serem criadas por famílias não-ciganas.
A maioria deles, 8 milhões, ainda vive na Europa. É a maior minoria sem país do continente. A partir de 1989, começaram a surgir partidos políticos ciganos, que tentam reverter políticas discriminatórias. Atualmente, há programas de televisão falados na língua romani na Romênia e na Macedônia. Se, por um lado, isso pode ser um fator que ajude a diminuir o preconceito em alguns locais, por outro pode também significar a absorção dos ciganos pela cultura gadjikane. O destino deles, porém, é difícil de ser lido.
As crianças não eram judias. Eram de um outro grupo cuja história também é marcada por diáspora, perseguições, escravidão e genocídio, especialmente na Segunda Guerra. Os ciganos – termo genérico para designar grupos que se autodenominam rom, calon e sinti, entre outros – podem ser encontrados em várias partes do mundo, divididos em culturas, religiões e línguas diferentes. Alguns têm o dialeto, a profissão ou apenas a opção pela vida itinerante. O que todos os cerca de 12 milhões espalhados pelos cinco continentes têm em comum é uma longa história pautada pelo preconceito. Que continua ainda hoje.
Pouco se sabe sobre a origem dos ciganos – que, assim como quase tudo que diz respeito a eles, está marcada por fantasias. Alguns dizem que eles descendem de egípcios do tempo dos faraós. Outros, de uma região conhecida como “Novo Egito”, na Grécia – daí a palavra “cigano”, que vem de “egipciano”. Essa história, contudo, é totalmente descartada por estudiosos do assunto. Para eles, os ciganos teriam vindo do Paquistão e do norte da Índia, nos atuais Rajastão e Punjab. A maior prova disso vem de estudos lingüísticos. O romani, a língua falada por eles, possui grandes semelhanças com o hindi, falado na Índia. A análise biológica corrobora essa tese. Um estudo realizado com integrantes de comunidades ciganas da Europa demonstrou que era possível traçar a origem indiana de boa parte dos ciganos pesquisados.
Grupo migrante
Dali, um grande contingente teria partido em uma espécie de diáspora. Ainda hoje existem comunidades ciganas na Ásia, assim como nos locais por onde passaram até chegar à Europa, como o Oriente Médio e norte da África. “Por que e quando eles deixaram a Índia, quais foram os grupos que fugiram e como se relacionavam entre eles ainda é tema de debate entre os estudiosos”, diz David Nemeth, professor de Geografia e Planejamento da Universidade de Toledo, em Ohio, nos Estados Unidos, especialista em povos nômades. “Alguns dizem que todos deixaram a Índia de uma vez, há mil anos. Outros dizem que eles foram saindo gradualmente.”
Um problema, de acordo com os especialistas, é falar dos ciganos como se eles fossem um grupo racial, um povo. “A explicação da origem indiana dos ciganos dá a falsa impressão de que eles são um grupo fechado, constituído como uma unidade isolada na Índia e que viajou mantendo essa integridade”, afirma a antropóloga Florencia Ferrari, cuja pesquisa de doutorado na Universidade de São Paulo é sobre ciganos de São Paulo. Na verdade, eles apresentam uma grande mistura.
O estudo lingüístico aponta uma provável data em que a maior leva de ciganos teria deixado seu território de origem: meados do século 11. Esse período coincide com a invasão, ao norte do subcontinente indiano, do sultão persa Mahmoud Ghazni (971-1030). Acredita-se que o sultão vitorioso teria expulsado essa população, provavelmente uma casta de guerreiros, do território conquistado entre 1001 e 1026.
Há outras teorias para o movimento dos ciganos. Alguns especialistas supõem que eles pertençam a um antigo grupo de viajantes que nunca parou de se deslocar. Outros, que eram grupos sedentários forçados a deixar a Índia devido à expansão de outros povos. Também não se descarta que eles eram párias expulsos de suas terras.
Tudo isso é suposição por causa da falta de relatos escritos sobre o assunto. Os ciganos mantêm sua história através da tradição oral – e muito do que se passou entre eles foi perdido. Segundo Isabel Fonseca, autora de Enterrem-me em Pé – A Longa Viagem dos Ciganos, o primeiro documento escrito que menciona os ciganos é um contrato de compra e venda do século 10. Mais tarde, monges relatam sobre os “atsiganoi”, povo itinerante de adivinhos e ventríloquos que visitou o imperador bizantino Constantino IX em 1054.
A diáspora cigana levou-os a migrarem a oeste, fazendo com que se espalhassem pela Europa a partir do século 14. “Quando apareceram pela primeira vez na Europa, os ciganos apresentaram-se como peregrinos e liam a sorte: duas boas profissões numa época de superstição”, afirma a autora. Os grupos começaram a percorrer com maior assiduidade certas regiões, e acabaram adotando a língua e a religião delas. Mas sem perder seus próprios costumes e língua.
Perseguição e caça
Dessa mesma época já datam os primeiros registros de perseguições contra os ciganos. Em 1471, leis contra eles foram aprovadas na Suíça. Na península Ibérica, a chamada Reconquista Cristã, em 1492, significou não apenas a expulsão de árabes e judeus, mas de ciganos também. No século 16, os ciganos também foram expulsos da França, durante o reinado de Luís XII, e da Inglaterra, pelo rei Henrique VIII. Mais tarde, Elizabeth I fez pior: durante seu reinado, entre 1558 e 1603, uma lei tornava ilegal ser um cigano. Isso quer dizer que a pessoa era condenada à morte simplesmente por ser filha de pais ciganos. “Eles se tornaram os últimos bodes expiatórios dos males sociais da sociedade do período Tudor”, afirma Thomas Acton, professor de Estudos Romani da Universidade de Greenwich, Inglaterra.
A perseguição nos Bálcãs foi ainda mais aguda. A partir do século 13, os ciganos foram vistos como estrangeiros que não eram bem-vindos. Acabaram escravizados. A libertação ocorreu apenas em 1864. Na Romênia não foi diferente: os ciganos foram feitos escravos lá até o século 19. Em 1445, o príncipe Vlad Dracul, da Valáquia (antiga província da Romênia), escravizou em seu país cerca de 12 mil pessoas da Bulgária. Essa gente, de acordo com registros da época, “parecia egípcia”. Vlad Dracul, apenas a título de curiosidade, é pai do príncipe que ficou conhecido pela alcunha de Drácula.
A partir do século 16, países como Suíça, Holanda e Dinamarca, passaram a promover o que ficou conhecido como “caçada aos ciganos”. Ela funcionava mais ou menos como uma caçada a raposas mesmo, quase um esporte. Não era preciso o sujeito ter cometido crime algum para ser aprisionado ou morto como um animal. Recompensas e honras eram prestadas aos que participavam das caçadas. Na Dinamarca, por exemplo, uma grande caçada foi marcada para o dia 11 de novembro de 1835. O resultado foram 260 homens, mulheres e crianças presos ou mortos.
Preconceito
Alguns pesquisadores acreditam que a origem do preconceito contra as comunidades ciganas esteja relacionada com as profissões com as quais eles ganhavam a vida. Segundo Nemeth, os ciganos historicamente lidam com três ramos de ocupação nada bem vistos na Idade Média. Eles estão associados à indústria da “diversão”, como músicos, dançarinos e adivinhos, da “morte”, como açougueiros, e da “sujeira”, como ferreiros. Várias lendas populares pipocaram na Europa na Idade Média. Uma delas é a de que o ferreiro que fez os pregos colocados em Jesus na cruz era cigano. Jesus então teria amaldiçoado todos os ciganos com uma vida de vagância.
Aliás, é o nomadismo o fator apontado como o principal motivo da desconfiança que vários povos alimentaram contra eles. “A estigmatização da vida errante se tornou um fator de demonização daqueles ciganos que eram nômades comerciais”, afirma Acton. A necessidade de deslocar-se pela lunga drom – ou “longa estrada”, em romani – , geralmente em coloridas caravanas, fez com que os ciganos tivessem um contato mínimo com o mundo gadjikane – “não-cigano”. Assim, o grupo continuaria com seu estilo de vida. A história da polonesa Papuzsa (“boneca” em romani) é prova de que muitos grupos temem que seu modo de vida seja alterado pela revelação de seus costumes. Harpista, ela compunha música e poesia contando os sofrimentos de seu povo. No fim da década de 50, um poeta publicou a tradução de seus poemas em polonês, à revelia da vontade de Papuzsa. Resultado: foi expulsa da comunidade por traição. Morreu em 1987, só e esquecida.
A partir do fim do século 18, com a ascensão do capitalismo industrial e a rápida urbanização, o que era visto como uma diferença apenas cultural passou a ser visto como um comportamento motivado por uma questão racial. O racismo culminou com a Segunda Guerra Mundial. Além de judeus, homossexuais, comunistas e opositores do regime, os nazistas também perseguiram implacavelmente os ciganos. Eles foram deportados para campos de concentração e foram alvo dos einsatzgruppen, esquadrões móveis de extermínio. Não há estatísticas exatas sobre o número de vítimas, mas estima-se que, dos cerca de 1 milhão de ciganos que viviam na Europa antes da guerra, pelo menos 500 mil tenham sido eliminados no Holocausto.
Com o fim do conflito, muitos deles imigraram para os Estados Unidos – que, atualmente, é o país com o maior número de ciganos no mundo, cerca de 1 milhão. A última lei contra os ciganos no país, que impedia a entrada deles no estado de Nova Jersey, só foi eliminada na década de 90. Os que ficaram na Europa, no entanto, continuaram a ser sistematicamente perseguidos por diferentes governos. Na Bulgária, a língua e a música ciganas foram proibidas. Na antiga Tchecoslováquia e na Noruega, políticas oficiais promoveram campanhas de esterilização de mulheres ciganas. Até 1972, o governo suíço tomava crianças ciganas de seus pais para serem criadas por famílias não-ciganas.
A maioria deles, 8 milhões, ainda vive na Europa. É a maior minoria sem país do continente. A partir de 1989, começaram a surgir partidos políticos ciganos, que tentam reverter políticas discriminatórias. Atualmente, há programas de televisão falados na língua romani na Romênia e na Macedônia. Se, por um lado, isso pode ser um fator que ajude a diminuir o preconceito em alguns locais, por outro pode também significar a absorção dos ciganos pela cultura gadjikane. O destino deles, porém, é difícil de ser lido.
Ciganos pelo mundo
A relação entre os vários grupos ainda não é conhecida
Há diversos grupos de ciganos espalhados pelos cinco continentes. Abaixo estão os principais. Muitos falam uma língua próxima, o romani (ou romanês) – com muitas palavras emprestadas de línguas locais. Grupos que vivem no Brasil, por exemplo, dizem: “Vamos pinhá o paim”. Querem dizer: “Vamos beber água” – a estrutura é a do português, mas com palavras em romani. Grupos de viajantes, como artistas circenses, são confundidos com os ciganos por serem nômades.
Erlides
Também conhecidos como yerlii ou arli, os erlides são mais comuns em comunidades localizadas no sudeste da Europa e na Turquia. Muitos deles são muçulmanos ou cristãos ortodoxos. Há ainda pequenos grupos na Palestina, Jordânia e também no Iraque.
Roma
Os rom, ou roma, têm origem não-ibérica e são o grupo mais numeroso. Tanto que possui subgrupos, como os kalderash, matchuara, lovara e tchurara. Podem ser encontrados na Europa (especialmente nos Bálcãs), nos Estados Unidos e no Brasil. “Muita gente confunde os roma com os romenos. Há ciganos romenos, mas nem todo romeno é cigano”, diz o professor David Nemeth.
Gitanos
Chamado também de calon, o grupo é encontrado principalmente na península Ibérica, no norte da África e no sul da França. Na Espanha, os gitanos são associados à música e à dança – o flamenco é considerado de origem gitana. O mais famoso é o grupo francês Gipsy Kings. No Brasil, há uma grande quantidade de grupos calon, que se dedicam ao comércio de carros, mantas e ouro – as mulheres, à leitura da sorte.
Sinti
Os sinti ou manouch também reconhecem uma origem na Índia e praticam o nomadismo. Eles falam a língua sintó e são encontrados principalmente na Alsácia, entre outras regiões da França, na Alemanha e na Itália. Há poucos deles no Brasil, chegados também no século 19.
Romnichal
O grupo mais numeroso na Grã-Bretanha, encontrado nos Estados Unidos e na Austrália, é chamado também de rom’nie. Sua história remonta ao século 16, quando teriam chegado à Inglaterra. Foram expulsos e perseguidos no país ao longo dos séculos, mas ainda são numerosos lá.
A relação entre os vários grupos ainda não é conhecida
Há diversos grupos de ciganos espalhados pelos cinco continentes. Abaixo estão os principais. Muitos falam uma língua próxima, o romani (ou romanês) – com muitas palavras emprestadas de línguas locais. Grupos que vivem no Brasil, por exemplo, dizem: “Vamos pinhá o paim”. Querem dizer: “Vamos beber água” – a estrutura é a do português, mas com palavras em romani. Grupos de viajantes, como artistas circenses, são confundidos com os ciganos por serem nômades.
Erlides
Também conhecidos como yerlii ou arli, os erlides são mais comuns em comunidades localizadas no sudeste da Europa e na Turquia. Muitos deles são muçulmanos ou cristãos ortodoxos. Há ainda pequenos grupos na Palestina, Jordânia e também no Iraque.
Roma
Os rom, ou roma, têm origem não-ibérica e são o grupo mais numeroso. Tanto que possui subgrupos, como os kalderash, matchuara, lovara e tchurara. Podem ser encontrados na Europa (especialmente nos Bálcãs), nos Estados Unidos e no Brasil. “Muita gente confunde os roma com os romenos. Há ciganos romenos, mas nem todo romeno é cigano”, diz o professor David Nemeth.
Gitanos
Chamado também de calon, o grupo é encontrado principalmente na península Ibérica, no norte da África e no sul da França. Na Espanha, os gitanos são associados à música e à dança – o flamenco é considerado de origem gitana. O mais famoso é o grupo francês Gipsy Kings. No Brasil, há uma grande quantidade de grupos calon, que se dedicam ao comércio de carros, mantas e ouro – as mulheres, à leitura da sorte.
Sinti
Os sinti ou manouch também reconhecem uma origem na Índia e praticam o nomadismo. Eles falam a língua sintó e são encontrados principalmente na Alsácia, entre outras regiões da França, na Alemanha e na Itália. Há poucos deles no Brasil, chegados também no século 19.
Romnichal
O grupo mais numeroso na Grã-Bretanha, encontrado nos Estados Unidos e na Austrália, é chamado também de rom’nie. Sua história remonta ao século 16, quando teriam chegado à Inglaterra. Foram expulsos e perseguidos no país ao longo dos séculos, mas ainda são numerosos lá.
JK era cigano
Bisavô do presidente brasileiro chegou aqui no século 19
A história dos ciganos no Brasil se confunde com o início de nossa colonização. Segundo o geógrafo Rodrigo Teixeira Corrêa, autor de História dos Ciganos no Brasil, o primeiro registro é de 1574, quando o comerciante João Torres, sua mulher e seus filhos foram expulsos de Portugal para cá. A maioria dos que aqui chegaram veio da península Ibérica, mas os que imigraram mais recentemente, no século passado, vêm da Europa Oriental. No século 16, os ciganos degredados se instalaram principalmente na Bahia. O comércio é a principal atividade ligada a eles até hoje. Há registros, do século 18, da presença de comunidades nômades em Minas Gerais – mas apenas dão conta de problemas em que eles se envolviam, como roubos e brigas. Em Minas, mais precisamente em Diamantina, viveu a família do mais ilustre descendente de cigano do país. O primeiro cigano não-ibérico a aportar no Brasil foi Jan Nepomuscky Kubitschek, no século 19. Reconheceu o sobrenome? Seu bisneto, Juscelino, assumiu a presidência do país em 1956.
Vários ciganos, como ele, deixaram a vida nômade, mas há milhares que ainda vivem dessa forma nos grandes centros urbanos. Há entre eles artistas circenses e comerciantes – e, claro, mulheres que lêem a sorte. Não há fontes seguras nem censo sobre o número de ciganos no Brasil – acredita-se que haja cerca de 600 mil. Assim como em outros países do mundo, o principal problema da comunidade é a documentação. Aqueles que não possuem endereço fixo têm problemas para conseguir acesso a serviços públicos. “Não possuir documento é uma opção deles”, diz a antropóloga Florencia Ferrari. “A questão fascinante é como e por que eles escolhem viver assim.”
Bisavô do presidente brasileiro chegou aqui no século 19
A história dos ciganos no Brasil se confunde com o início de nossa colonização. Segundo o geógrafo Rodrigo Teixeira Corrêa, autor de História dos Ciganos no Brasil, o primeiro registro é de 1574, quando o comerciante João Torres, sua mulher e seus filhos foram expulsos de Portugal para cá. A maioria dos que aqui chegaram veio da península Ibérica, mas os que imigraram mais recentemente, no século passado, vêm da Europa Oriental. No século 16, os ciganos degredados se instalaram principalmente na Bahia. O comércio é a principal atividade ligada a eles até hoje. Há registros, do século 18, da presença de comunidades nômades em Minas Gerais – mas apenas dão conta de problemas em que eles se envolviam, como roubos e brigas. Em Minas, mais precisamente em Diamantina, viveu a família do mais ilustre descendente de cigano do país. O primeiro cigano não-ibérico a aportar no Brasil foi Jan Nepomuscky Kubitschek, no século 19. Reconheceu o sobrenome? Seu bisneto, Juscelino, assumiu a presidência do país em 1956.
Vários ciganos, como ele, deixaram a vida nômade, mas há milhares que ainda vivem dessa forma nos grandes centros urbanos. Há entre eles artistas circenses e comerciantes – e, claro, mulheres que lêem a sorte. Não há fontes seguras nem censo sobre o número de ciganos no Brasil – acredita-se que haja cerca de 600 mil. Assim como em outros países do mundo, o principal problema da comunidade é a documentação. Aqueles que não possuem endereço fixo têm problemas para conseguir acesso a serviços públicos. “Não possuir documento é uma opção deles”, diz a antropóloga Florencia Ferrari. “A questão fascinante é como e por que eles escolhem viver assim.”
Costumes próprios
Grupos evitaram casamentos com não-ciganos na tentiva de preservar a cultura
Por causa do convívio com os gadjikane (“não-ciganos”), os ciganos mantiveram determinados costumes para não se “contaminar” pela cultura externa. Evitaram durante séculos, por exemplo, casamentos com não-ciganos. Alguns deles só falam romani. “Para se referir a um não-cigano, há ciganos no país que o tratam por ‘brasileiro’. Isso reforça a idéia de que eles são supranacionais”, diz a antropóloga Florencia Ferrari. Outra característica é que eles também evitaram freqüentar escolas. Segundo a pesquisadora Isabel Fonseca, cerca de três quartos das mulheres ciganas são analfabetas. Isso se mostra na própria língua romani, que não tem forma escrita. Nela, não existem palavras específicas para “escrever” e “ler”. Em seu lugar, são usadas palavras da língua local, onde quer que o grupo se encontre, ou adaptações. A palavra gin, que significa “contar”, faz as vezes de “ler”. Outro costume cigano é as mulheres lerem a sorte, além de usarem saias longas – mostrar os joelhos é um tabu para elas, assim como cortar as unhas. A segregação dos sexos também é um hábito. Homens e mulheres, por exemplo, não comem juntos. As comunidades ciganas valorizam os ritos, como casamento e funeral. Os casamentos são resultado de combinações entre famílias. Os noivos se casam muito jovens. Aos 10 anos ou menos, logo após a primeira menstruação, as meninas já estão aptas a contrair matrimônio. Além disso, a religião não ocupa lugar privilegiado na vida dos ciganos. Há comunidades que ainda preservam algumas características do shaktismo, uma corrente do hinduísmo. Alguns símbolos da antiga religião são identificados pelos gadjikane com a maior parte dos ciganos, como o tridente, arma utilizada pelo deus hindu Shiva. A palavra para tridente, em romani, é a mesma que alguns ciganos cristãos utilizam para cruz. Portanto, o que houve na maioria dos casos foi a assimilação das religiões por onde as correntes migratórias passaram. Na Europa e nas Américas, o cristianismo é a principal fé. Já no Oriente Médio e nos Bálcãs, há ciganos muçulmanos.
Saiba mais
Livros
Enterrem-me em Pé – A Longa Viagem dos Ciganos, Isabel Fonseca, Companhia das Letras, 1996.
A autora se embrenhou entre grupos de várias partes do mundo para descrever sua cultura e sua história.
História dos Ciganos no Brasil, Rodrigo Corrêa Teixeira, Núcleo de Estudos Ciganos, Recife, 1999
O autor apresenta a trajetória dos ciganos ibéricos e não-ibéricos no país.
Palavra Cigana – Seis Contos Nômades, Florencia Ferrari, Cosac Naify, 2005
A antropóloga reúne aqui contos da tradição oral de comunidades ciganas do mundo todo.
Grupos evitaram casamentos com não-ciganos na tentiva de preservar a cultura
Por causa do convívio com os gadjikane (“não-ciganos”), os ciganos mantiveram determinados costumes para não se “contaminar” pela cultura externa. Evitaram durante séculos, por exemplo, casamentos com não-ciganos. Alguns deles só falam romani. “Para se referir a um não-cigano, há ciganos no país que o tratam por ‘brasileiro’. Isso reforça a idéia de que eles são supranacionais”, diz a antropóloga Florencia Ferrari. Outra característica é que eles também evitaram freqüentar escolas. Segundo a pesquisadora Isabel Fonseca, cerca de três quartos das mulheres ciganas são analfabetas. Isso se mostra na própria língua romani, que não tem forma escrita. Nela, não existem palavras específicas para “escrever” e “ler”. Em seu lugar, são usadas palavras da língua local, onde quer que o grupo se encontre, ou adaptações. A palavra gin, que significa “contar”, faz as vezes de “ler”. Outro costume cigano é as mulheres lerem a sorte, além de usarem saias longas – mostrar os joelhos é um tabu para elas, assim como cortar as unhas. A segregação dos sexos também é um hábito. Homens e mulheres, por exemplo, não comem juntos. As comunidades ciganas valorizam os ritos, como casamento e funeral. Os casamentos são resultado de combinações entre famílias. Os noivos se casam muito jovens. Aos 10 anos ou menos, logo após a primeira menstruação, as meninas já estão aptas a contrair matrimônio. Além disso, a religião não ocupa lugar privilegiado na vida dos ciganos. Há comunidades que ainda preservam algumas características do shaktismo, uma corrente do hinduísmo. Alguns símbolos da antiga religião são identificados pelos gadjikane com a maior parte dos ciganos, como o tridente, arma utilizada pelo deus hindu Shiva. A palavra para tridente, em romani, é a mesma que alguns ciganos cristãos utilizam para cruz. Portanto, o que houve na maioria dos casos foi a assimilação das religiões por onde as correntes migratórias passaram. Na Europa e nas Américas, o cristianismo é a principal fé. Já no Oriente Médio e nos Bálcãs, há ciganos muçulmanos.
Saiba mais
Livros
Enterrem-me em Pé – A Longa Viagem dos Ciganos, Isabel Fonseca, Companhia das Letras, 1996.
A autora se embrenhou entre grupos de várias partes do mundo para descrever sua cultura e sua história.
História dos Ciganos no Brasil, Rodrigo Corrêa Teixeira, Núcleo de Estudos Ciganos, Recife, 1999
O autor apresenta a trajetória dos ciganos ibéricos e não-ibéricos no país.
Palavra Cigana – Seis Contos Nômades, Florencia Ferrari, Cosac Naify, 2005
A antropóloga reúne aqui contos da tradição oral de comunidades ciganas do mundo todo.
FONTE: AVENTURAS NA HISTÓRIA
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