O senhor Ernesto Ferreira diz: “Só gastava lá quando faziam promoções e era quando o “rei fazia anos”. Mas dava gosto entrar vestido com um fato dessa loja no escritório e ver os colegas cheios de inveja. Bons tempos.”
A dona Paula Nunes dos Santos confirma: “Das melhores lojas de moda para homem.”
O senhor Vergílio Marques intervém: “Foi. Agora vende pastéis de nata. Vendia…”
A dona Maria Cândida Trindade lamenta: “Ontem passei por lá. Até mete dó.”
O tema desta conversa era a antiga Camisaria Pitta, na rua Augusta, tida como uma das melhores camisarias da capital, no tempo em que se faziam camisas por medida. O tempo que tudo muda e o advento do pronto-a-vestir, acabaram com um negócio.
Durante mais de um século (1885 – 2018), pela porta da Camisaria Pitta entraram celebridades e gente realmente rica. Consta que os livros de registo de clientes estavam avaliados numa fortuna devido à importância que tinham como documentos históricos e que, por isso, estavam guardados num cofre-forte numa casa na Rua do Crucifixo, mas ardeu tudo no grande incêndio de 1988. Sobraram as memórias.
Neto de António Rodrigues e filho de Victor Rodrigues, ambos camiseiros conceituados e que trabalharam décadas na Camisaria Pitta, Mário Rodrigues cresceu naquele ambiente de corte e costura e lembra-se das histórias que ouviu.
“Clientes famosos, tinha imensos.
A começar por quase todos os brasonados portugueses que mandavam bordar nas camisas as suas iniciais, a coroa e o título.”
Vaidades, mas só isso dava trabalho a várias bordadeiras especializadas, diz-nos Mário Rodrigues que se lembra que o pai “que apenas desenhava e cortava e fazia as provas, fazia camisas, ceroulas e pijamas, chegou a fazer ceroulas para o Salazar”.
Depois da revolução de abril de 1974, a Camisaria Pitta deixou de fazer camisas por medida. O pai de Mário Rodrigues já tinha o seu próprio atelier e “a pouco e pouco os clientes que eram da Pitta, passaram palavra e começaram a frequentar a oficina do meu pai”.
Enquanto a Camisaria Pitta se limitava a vender camisas pronto-a-vestir, os lisboetas mais exigentes continuavam a vestir camisas únicas que o pai de Mário cortava e que ele entregava nos domicílios dos clientes.
“Lembro-me de um grande fadista da nossa praça que nunca tinha dinheiro e pagava as camisas com discos autografados, embora vivesse num palacete. Outros queriam a manga direita mais larga, pois tinham o músculo mais desenvolvido por causa do ténis. Havia outro que mandava fazer 20 camisas, todas iguais e da mesma cor, para que quando entrasse numa reunião parecesse que a camisa estava impecável, fosse qual fosse a hora do dia, era administrador de um banco. A única vez que o meu pai me deu uma tareia, foi quando me mandou fazer uma entrega ao dono de um hotel, e como ele não quis pagar contra a entrega das camisas, eu sabendo das dificuldades financeiras dos meus pais trouxe as camisas para trás…”.
A Camisaria Pitta chegou a dar trabalho a dezenas de funcionários, todos especializados. Havia os camiseiros, a costureira mestra, as caseadeiras, as colarinheiras, as ajuntadeiras, as bordadeiras, as engomadeiras, as aprendizas, uma profusão de tarefas que funcionavam um pouco à semelhança das linhas de montagem das fábricas. Só que ali cada peça era única, moldada ao corpo do cliente. Um luxo.
Até 1977, o negócio manteve-se sempre na família do fundador. Mas os anos a seguir à revolução de 74 foram particularmente difíceis. Ainda se tentou a adaptação aos novos tempos, mas a casa acabou por fechar em 2018 para ser transformada numa pastelaria. Agora, com o confinamento, já nem isso é. Resume-se a um “postigo” onde se espera por alguém que passe ou por um Uber que tenha alguma encomenda de pastéis de nata…
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