(Roubado no Facebook a António Rodrigues) |
Numa ilha, o vulcão está em erupção, mas os donos dos barcos privados - que dizem querer "ajudar" a população - não a deixam embarcar enquanto não se fixar um preço por embarcado. Contudo, a Lei de Bases da Saúde de 2019 - a tal votada contra a opinião da direita - prevê taxativamente que o Estado pode requisitar os barcos privados para a população se salvar. Mas os donos dos barcos resistem, pressionam, lembram que os barcos do Estado não chegam para todos: "Nós temos aqui tanto espaço, venham para aqui". E os membros do governo abanam. De um lado, têm a população em sofrimento, do outro lado, vêem já os advogados dos donos dos barcos a exigir que comprem um bilhete por cada lugar no barco. "Aceitamos que nos paguem o que vos custa por cada lugar nos vossos barcos", diz um deles.
Mas frise-se os termos da Lei:
Ponto 2: "Para defesa da saúde pública, cabe, em especial, à autoridade de saúde: (...) d) Proceder à requisição de serviços, estabelecimentos e profissionais de saúde em casos de epidemias graves e outras situações semelhantes."
Não se fala de "pode" ou "deve": é uma determinação política: "cabe". Ora, atenda-se que uma pandemia parece ser ainda mais grave do que uma epidemia, porque está a ocorrer em todo lado simultaneamente.
Na Lei de Bases acrescenta-se:
"3 - Em situação de emergência de saúde pública, o membro do Governo responsável pela área da saúde toma as medidas de exceção indispensáveis, se necessário mobilizando a intervenção das entidades privadas, do setor social e de outros serviços e entidades do Estado."
Dir-se-á: "Mas essa não é vocação do sector privado, o Estado é que deve cuidar de todos. O sector privado, em caso de desgraça, não pode perder dinheiro tratando do povo". Então nesse caso, se essa é uma tarefa apenas do Estado, então o Estado deve dotar-se de todos os meios para o fazer para que possa atingir essa sua finalidade colectiva. O bem geral deve estar bem acima da vontade do dono da porta.
A porta pode ser mobilizada em nome do bem superior da colectividade. Por isso, a lei dá todos os meios para o Estado não se sentir capturado pela vontade dos interesses privados e egoístas.
Se o direito constitucional à greve permite o seu afastamento em nome de "necessidades sociais impreteríveis", por que não os direitos legais dos interesses privados na Saúde face à "necessidade social impreterível" de combater a pandemia? Caso contrário, seria como se o Direito servisse sempre para prejudicar os mesmos.
Mas os responsáveis governamentais parecem não ter vontade alguma de lidar com essa possibilidade, como se não tivessem coragem de requisitar os barcos e colocá-los sob a sua gestão e seu comando. A ministra ainda chegou há dias a adiantar a possibilidade de usar "a figura da requisição", mas nunca mais se ouviu falar disso. Estará esse argumento a ser esgrimido em reuniões? Ou alguém sentiu um calafrio pela coluna já a imaginar o que lhe diriam em Bruxelas?
A direita e o Presidente da República parecem estar a pressionar para que seja necessário decretar o "estado de emergência". Mas então convirá o sector privado da Saúde - e Marcelo Rebelo de Sousa, que tanto quer intervir em véspera eleitoral - estarem preparados para todas as eventualidades, incluindo a mobilização da "intervenção das entidades privadas, do setor social e de outros serviços e entidades do Estado."
O que falta mais?
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