A estratégia da União Europeia (UE) para a aquisição e distribuição de vacinas, um mês depois da euforia, está a revelar-se um grave factor de condicionamento do acesso rápido à vacinação, por parte dos grupos de risco e da população em geral.
Seis Estados-membros, numa declaração conjunta dos respectivos ministros da Saúde, vieram considerar inaceitáveis os atrasos no fornecimento de vacinas, afirmando que “minam a credibilidade do processo de vacinação” da UE.
As dificuldades não são conjunturais. Resultam da opção de fundo que foi tomada.
A estratégia da UE assentou em parcerias público-privado (PPP), celebradas entre a Comissão Europeia e meia dúzia de multinacionais farmacêuticas: BioNTech-Pfizer, Moderna, AstraZeneca, Johnson & Johnson, Sanofi-GSK e CureVac. Vários dos termos dos contratos celebrados mantêm-se secretos, nomeadamente no que respeita aos custos das vacinas, garantia de datas de entrega, compras por país, propriedade intelectual, entre outros aspectos. O que sabemos é que a UE pagou, com recursos públicos, a produção das vacinas. Financiou a fase de investigação e desenvolvimento; financiou seguros de risco, para o caso de a investigação fracassar; ilibou de responsabilidades os laboratórios em caso de efeitos adversos das vacinas, transferindo-as para os Estados; e comprou antecipadamente as vacinas. A “invenção”, porém, é propriedade das farmacêuticas. São elas, apenas elas, quem produz (e quem lucra com) as vacinas aguardadas por milhões de pessoas. Fazem-no ao ritmo da capacidade de produção de que dispõem e da respectiva estratégia de negócio. Não será à toa que altos responsáveis, como o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, acusam os laboratórios de “falta de transparência”, insinuando que a distribuição da produção está a ser gerida em função de interesses comerciais dos laboratórios, que a desviam dos países da UE para outros, actualmente mais adiantados no processo de vacinação.
Entretanto, mundo afora, estarão em graus diversos de desenvolvimento perto de duas centenas de vacinas, envolvendo um largo número de países. Pelo menos cerca de uma dúzia foram já aprovadas por autoridades regulatórias nacionais. Outras se seguirão.
A comunidade científica, através de mecanismos de revisão pelos pares, vai avaliando e confirmando a sua eficácia. Algumas destas vacinas, produzidas por instituições públicas, fora da lógica das PPP seguida pela UE, têm fabrico autorizado em países diferentes daqueles em que foram desenvolvidas, mediante acordos que não envolvem astronómicos custos de patentes.
A Alemanha foi dos primeiros Estados-membros a anunciar que não ficará amarrada à actual estratégia da UE, procurando diversificar opções de compra, para garantir um avanço mais rápido da vacinação, assim melhor defendendo os interesses da sua população. Outros países o fizeram também. Neste contexto, Portugal, severamente afectado pela pandemia, não pode ficar parado.
Por um lado, o País deve estudar e concretizar, de forma soberana, a aquisição de vacinas noutros países, além do quadro da UE, garantindo condições para uma mais rápida concretização do acesso universal dos portugueses à vacinação. A par deste processo, deverão ser criadas as condições para, no futuro próximo, garantir a produção nacional neste domínio.
Por outro lado, exercendo neste momento a Presidência do Conselho da UE, Portugal tem particulares responsabilidades em contribuir para superar os actuais bloqueios no fornecimento de vacinas, alterando a estratégia da UE, unicamente focada em meia dúzia de PPP, diversificando opções de compra e assumindo uma estratégia de cooperação com outros países, mais avançados na produção e distribuição de vacinas.
Conseguir, em menos de um ano, dispor de vacinas contra a covid-19 constituiu um enorme feito da ciência. Os interesses egoístas e as limitações das multinacionais farmacêuticas não podem agora prevalecer sobre o direito à saúde e à vida.
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