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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Guerra Civil Espanhola - (Parte IV) - EM 1939 começava a guerra civil espanhola, com repercussões em Portugal

  

Foto de Agustí Centelles, mostrando como uma milícia operária usa um cavalo morto como barricada DR

Não é apenas um preconceito eurocêntrico que situa o início da Segunda Guerra Mundial em 1939: nesse ano, não só a guerra já tinha começado na distante Manchúria, mas também tivera um prelúdio sangrento na Península Ibérica. Os três anos da guerra civil espanhola abalaram a Europa inteira e, com mais forte razão, tiveram profundas repercussões em Portugal.


O Portugal salazarista esteve profundamente envolvido na origem da guerra civil vizinha, nas vésperas de esta ser desencadeada e, de forma decisiva, nos primeiros tempos do conflito. Apoiou o levantamento nacionalista com fornecimento de material, facilidades para o trânsito de combatentes e prestação de serviços diplomáticos ao governo de Burgos, antes de este começar a ser reconhecido.
Um covil de conjuradosEm 18 de Julho de 1936, quando eclodiu a sublevação militar contra a República, o chefe da conjura, general Sanjurjo, estava exilado no Estoril. Juan Antonio Ansaldo, um aviador monárquico e ligado ao fascismo italiano, veio buscá-lo numa pequena avioneta. Deveriam partir para Burgos, onde o general assumiria o comando do movimento.

Mas o embaixador da República em Lisboa, Claudio Sánchez-Albornoz, pressionou o Governo de Salazar a não permitir a partida de Sanjurjo. Salazar não queria, logo nos primeiros dias, tomar partido por um golpe de Estado que estava a sofrer duros revezes e fez saber ao séquito de Sanjurjo que não poderia autorizar a avioneta a partir do aeródromo de Alverca. Mas logo teve o cuidado de acrescentar, de forma sibilina, que nada tinha a ver com o que se passasse em aeródromos particulares.

Sanjurjo optou então por partir de um pista improvisada no Estoril e tratou de fazê-lo logo em 20 de Julho. Mas, por a avioneta estar demasiado carregada, ou por outro motivo, a descolagem correu mal e o aparelho despenhou-se. Sanjurjo morreu e o piloto, Ansaldo, ficou gravemente ferido. Era preciso encontrar outro líder para a sublevação.

Entretanto, Portugal também estava na rota de um outro general conjurado, Francisco Franco, que comandara as tropas marroquinas e que a República enviara para as Canárias, com o objectivo de afastá-lo dos centros da conspiração. Para obter a decisiva participação das tropas marroquinas no golpe, Franco teria de viajar das Canárias para Marrocos. Fê-lo no avião Dragon Rapide, que partiu de Inglaterra, fez escala em Lisboa e foi buscá-lo às Canárias.

Mas a morte de Sanjurjo no Estoril alterou o papel destinado a Franco. De líder das tropas marroquinas, viria a tornar-se o chefe do "levantamento nacional" - passando à frente de outros conspiradores mais da primeira hora do que ele próprio, em parte graças à sua habilidade intrigante, numa outra parte graças à patente de general de divisão que era superior à desses conspiradores.
"Dragon Rapide" foi apenas o começo
Mas, depois do problema de colocar Franco em Marrocos, colocava-se o problema de colocar as tropas marroquinas na Península e o problema de abastecê-las para uma campanha que, afinal, se anunciava longa.

A transferência era decisiva, porque o golpe de Estado tinha fracassado nos principais centros industriais de Espanha - desde logo Madrid e Barcelona. Milícias operárias improvisadas tinham levado de vencida os conspiradores e as suas tropas. Generais com uma posição fundamental na conjura, como Goded, foram fuzilados. Sem a intervenção das tropas de elite marroquinas, o golpe estava condenado a perder rapidamente os poucos centros urbanos que conseguira capturar.

O problema, contudo, era que o transporte por mar das tropas marroquinas fora inviabilizado. Os oficiais da Marinha ajuramentados com a conspiração tinham sido presos ou mortos pelas suas tripulações. A Marinha permanecia leal à República.

A ponte aérea que trouxe as tropas marroquinas para a Península foi organizada sem intervenção portuguesa. Johannes Bernhardt, um aventureiro nazi residente em Marrocos, voou para a Alemanha a pedido de Franco, saltou sobre toda a burocracia nazi e foi visitar Hitler, que assistia a um festival de ópera wagneriana em Bayreuth. Interrompeu-o, expôs-lhe a situação desesperada dos "nacionalistas" e pediu-lhe ajuda.

Hitler mandou fazer a ponte aérea, de Marrocos para Sevilha, uma das poucas cidades importantes que ficara nas mãos de um general fascista, Queipo de Llano.
Uma retaguarda logística dos "nacionais"
Mas o abastecimento teria de chegar-lhes através da fronteira portuguesa. Por isso era tão urgente para as tropas marroquinas tomarem Badajoz e por isso lhe atribuíram tal grau de prioridade e levaram a cabo a conquista da cidade no meio das maiores atrocidades.

As atrocidades foram descritas pelo enviado especial do "Diário de Lisboa", Mário Neves, que conseguiu fazer passar sob o nariz duma censura momentaneamente desatenta uma descrição fiel dos desmandos da soldadesca marroquina. A reportagem de Mário Neves tornou-se, a nível internacional, uma referência para o jornalismo sobre a guerra de Espanha e uma das primeiras denúncias fundamentadas do carácter em larga medida genocida que assumia a campanha dos "nacionais".

Tornaram-se conhecidas as execuções de prisioneiros republicanos na praça de touros de Badajoz. O comissário informalmente designado por Salazar para organizar o apoio ao bando "nacional" era o industrial conserveiro Sebastião Ramires. O grémio dos industriais conserveiros notabilizou-se por organizar excursões a Badajoz, em que a principal atracção turística era a execução dos prisioneiros republicanos.

Através da fronteira de Elvas-Badajoz começou entretanto a chegar às forças de Franco auxílio material alemão em quantidade apreciável. Bernhardt havia de recordar anos mais tarde que Salazar interveio pessoalmente para que fossem carregados sem demora comboios contendo os fornecimentos alemães. 
O carregamento era feito por soldados portugueses sem uniforme, para não serem identificados.

Em breve passariam também a transitar por Portugal os combatentes alemães da Legião Condor, que iam intervir na guerra ao lado de Franco e que se tornariam tristemente famosos, por exemplo, no arrasamento de Guernica e no massacre da sua população civil. Sem preocupações de discrição, fotografias do diário "O Século" mostravam os aviadores alemães, vestidos à civil, a chegarem à estação de Santa Apolónia.

A fronteira portuguesa era guardada por forças montadas da GNR, que entregavam os refugiados republicanos à tropas "nacionais". 
O comandante da GNR, general Monteiro de Barros, tinha como genro um jovem oficial de Cavalaria, que participava nessas missões de patrulhamento fronteiriço e que mais tarde viria a ser, durante alguns meses, presidente da República: António Sebastião Ribeiro de Spínola.
Salazar, MNE de Burgos
A neutralidade perante a guerra civil espanhola, no tocante ao Governo de Salazar, durou pouco tempo. Quando se criou em Londres um Comité de Não-Intervenção, participavam nele as potências que mais se empenhavam em intervir: Itália e Alemanha. Representavam, por um lado, a farsa da neutralidade mas, com o apoio da "fronteira amiga" de Portugal, continuavam a fazer chegar às tropas de Franco um apoio decisivo.

Apesar de algumas precauções da camuflagem, o Governo de Lisboa assumiu desde mais cedo e mais abertamente do que o alemão ou o italiano a sua tomada de partido. Nos areópagos internacionais, em breve Salazar passou a ser visto como uma espécie de ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo "nacional" de Burgos, enquanto este não foi reconhecido pela maioria dos seus pares europeus.

Muito especialmente o facto de ter fracassado a ofensiva de quatro colunas "nacionais" sobre Madrid colocava um problema política delicado. Mesmo os governos europeus conservadores que estavam desejosos de reconhecer os sublevados dificilmente podiam fazê-lo enquanto a República continuasse a controlar a capital e enquanto o governo "nacional" continuasse sediado numa cidade tão secundária como Burgos.

Por isso mesmo, foi tão feroz a ofensiva das quatro colunas que marchavam sobre Madrid e da "quinta coluna" que os generais se ufanavam de ter na retaguarda republicana. 
Por isso mesmo chegou a parecer iminente a queda de Madrid no final de 1936. 
Ao mesmo tempo que se combatia sob o lema "No pasarán!", o governo republicano fugiu da capital para se instalar em Valencia. 
Na batalha da Cidade Universitaria, "rojos" e "nacionales" combatiam-se de porta a porta, ocupavam andares diferentes do mesmo edifício, mandavam uns aos outros granadas pelos elevadores.

Mas Madrid abandonada pelo governo não foi abandonada pelo povo nem pelos brigadistas internacionais, que aí fizeram a sua primeira irrupção espectacular no conflito. Entre os oficiais republicanos que se distinguiram na defesa da cidade, figuram alguns nomes portugueses - em primeiro lugar Francisco Oliveira Pio.

Em Lisboa, a Embaixada republicana, que se manteve durante as semanas iniciais da guerra civil, foi submetida a fortes pressões. 
O embaixador Claudio Sánchez-Albornoz (na foto) viu a sua família assediada e ameaçada, com constantes intimações para renunciar ao posto. Finalmente, ao serem cortadas as relações entre Lisboa e Madrid, Albornoz partiu para o exílio e refugiou-se em Bordéus.



Mais tarde, quando a Alemanha nazi invadiu a França, Albornoz teve de voltar a fugir e, na fuga, passou por Lisboa. Salazar permitiu-lhe nesse caso seguir viagem para o Norte de África, aparentemente pelo grande respeito intelectual que lhe inspirava Albornoz, como autoridade na História portuguesa. O antigo embaixador conseguiria  enfim obter asilo no México, onde encabeçou depois da Guerra o governo republicano no exílio.
Portugal dividido entre prórepublicanos e prófranquistas
Para além de Sebastião Ramires, destacava-se em Portugal no apoio aos fascistas espanhóis o nome de Jorge Botelho Moniz. Aos microfones do Rádio Clube Português, o capitão do Exército agitava a favor de Franco e, a partir de certa altura, apelava à participação de voluntários. Estes recebiam compensações e privilégios de vários tipos e, depois da guerra, foram beneficiados nas suas carreiras por esse curriculum de participação mercenária numa guerra em que Portugal não era oficialmente parte beligerante.

Mesmo assim, os portugueses recrutados para a tropa antirepublicana não atingiram nunca a massa crítica, em quantidade de efectivos e em qualidade de enquadramento, que lhes permitisse constituírem uma unidade própria. Permaneceram sempre dispersos por outras unidades franquistas, sob as ordens de comandos alheios.


A lenda dos "viriatos" é portanto um engendro da propaganda de guerra, para lustrar uma participação portuguesa completamente desproporcionada com o papel importante que desempenhava Portugal enquanto retaguarda logística e executor de subempreitadas diplomáticas. Os "viriatos" apenas existiram como unidade fabricada à pressa para o desfile da vitória.

Pelo contrário, o partido prórepublicano em Portugal lutava com dificuldades para fazer chegar o seu apoio a Espanha. Os combatentes, se vivessem em Portugal, tinham de passar a fronteira a salto. Também não constituíram uma unidade própria, mas alguns tiveram papel destacado, como vimos na defesa de Madrid.

Deu-se, por outro lado, no início de Setembro de 1936, a revolta dos marinheiros, que ocuparam três navios da Armada e com eles tentaram pôr-se ao largo, tendo como plano alternativo rumarem a um dos portos da República espanhola. Bombardeados pela artilharia de costa ainda antes de deixarem o Tejo, tiveram de render-se e, em grande parte, foram parar ao Tarrafal.

Dois atentados à bomba tiveram, por outro lado, estreita ligação com a guerra de Espanha: um contra o emissor do Rádio Clube Português; outro contra o próprio ditador, Oliveira Salazar, organizado pelo militante anarquista Emídio Santana.
Ambições anexionistas da Falange
Apesar dos serviços que prestou ao bando "nacional", Salazar não se enganava sobre o seu centralismo madrileno e iberista. 
O embaixador que colocou junto do governo de Burgos, Pedro Teotónio Pereira, era uma figura de relevo no regime do Estado Novo. 
A nomeação testemunhava a importância que Salazar atribuía a esse posto inicialmente informal.

Teotório Pereira desempenhou a sua missão com todos os sinais exteriores de entusiasmo pelo bando "nacional". Mas na correspondência que trocava com Salazar referia-se sempre a Franco, com desprezo, explicando os seus defeitos com estereótipos sobre o carácter "manhoso" e "somítico" dos galegos como ele. E depois viria a estender essas expressões de desprezo à pessoa de Nicolás Franco, o irmão do ditador, escolhido por este para embaixador em Lisboa.

E, para tudo ficar em família, era a Falange espanhola, dirigida pelo cunhado de Franco, Ramón Serrano Suñer, que fazia distribuir mapas da Península, representando-o como um Estado único com capital em Madrid. 
E a mesma Falange referia-se ao futuro como o tempo em que a Espanha restabeleceria a sua fronteira natural, a ocidente, até ao Atlântico.

Na verdade, não se tratava apenas de mapas e de retóricas, e não era só da Falange que provinham uns e outras. Em investigação muito recente, o historiador espanhol Manuel Ros Agudo divulgou os documentos, descobertos por si, e que dão conta dos planos detalhados que, logo em 1940, Franco desenvolveu para a operação militar de ocupação de Portugal, ao melhor estilo do Anschluss da Áustria pela Alemanha nazi. Salazar aliara-se na guerra civil ao bando que maior ameaça representava para Portugal como nação independente.

www.rtp.pt

Guerra Civil Espanhola


 
















Há 70 anos o mundo assistiu ao começo da Guerra Civil Espanhola, cujo saldo de 600 mil mortos provocou comoção internacional, mas não evitou a instalação de uma das ditaduras mais longas e cruéis da história.

A Guerra Civil que marcou tão tragicamente a história da Espanha foi o desfecho de uma longa crise que teve uma origem remota: o declínio do império colonial montado pela Espanha na América Latina. Mais precisamente, em 1898, quando, após uma guerra malsucedida contra os Estados Unidos, a Espanha perdeu Cuba e Porto Rico, na América, além das Filipinas, no Pacífico. Era um final melancólico para um país que, durante séculos, havia dominado grande parte do mundo.
Na década de 20, além dos problemas externos, o país vivia uma grave crise interna.






 

A Espanha era uma nação capitalista com baixo nível de desenvolvimento, e 60% da população vivia no campo. As indústrias concentravam-se em Barcelona, capital da Catalunha, e nas províncias bascas, ao norte. 

O país vivia sob regime monárquico constitucional e centralizador, chocando-se com a vontade autônoma das diversas nacionalidades que compunham os povos.

O poder da Igreja era imenso. 

Ela possuía inúmeras propriedades e controlava totalmente a educação. Igualmente forte tornou-se o poder do exército, após a guerra de conquista colonial do Marrocos. 

Com o golpe militar do general Miguel Primo de Rivera, apoiado pelo rei Alfonso XIII, em 1923, terminou a experiência constitucional liberal, iniciada em 1875. A ditadura de Rivera foi marcada por traços fascistas, mas não dominou todos os setores da sociedade. 

Em 1930, Primo de Rivera foi obrigado a renunciar, exilando-se em Paris. Um ano depois, o rei, sem abdicar formalmente, partiu também para o exílio. Instalou-se, assim, o regime republicano, com características liberais do século 19, projeto de constituição de garantias individuais, educação leiga e divórcio. 

Mas, no entanto, não atacava pela raiz os males da Espanha: a concentração de terras, as desigualdades regionais, os baixos salários industriais e o conservador poder do exército.







República em perigo

As lutas proletárias aumentaram. Greves e ocupações de terra sucederam-se. A inclusão de vários ministros de extrema direita no governo, em 1934, desencadeou um vasto movimento de protesto liderado por um grupo de mineiros nas Astúrias, que dominou o governo da província durante duas semanas e pretendia marchar sobre Madri e proclamar a República Socialista Espanhola. O Governo, assustado e sem forças para controlar a situação caótica, entregou o comando da repressão ao general Francisco Franco, militar galego que fizera carreira meteórica no Marrocos espanhol e que, em 1923, tornara-se o comandante da Legión Española. Ultracatólico, monarquista e antidemocrático, Franco não teve participação política ativa nos anos que precederam a queda da Monarquia espanhola e a instauração da República, mas, ao sufocar o levante revolucionário das Astúrias, se converteu em figura política tão admirada quanto odiada entre os espanhóis. 

Pela vitória na repressão, que matou cerca de mil pessoas e fez mais de 3 mil prisioneiros, Franco recebeu a Grã- Cruz do Mérito Militar. 

Em fevereiro, foi nomeado comandante-chefe das Forças Armadas em Marrocos e, três meses depois, assumiu a chefia do Estado Maior, recebendo o controle total sobre o Exército.

O trauma desse acontecimento mais o crescente aumento do perigo fascista possibilitaram a unidade de todas as forças de esquerda radicais– socialistas, comunistas, anarquistas, minorias nacionais – numa Frente Popular antifascista que venceu as eleições em fevereiro de 1936, com a conseqüente formação de um governo popular.

Dentre os grupos de tendência fascista que atuavam provocativamente, destacava-se a Falange Española Tradicionalista, fundada por José António Primo de Rivera, filho do ex-ditador. Contudo, era um movimento que não possuía forças para colocar em perigo a República.

A verdadeira ameaça vinha dos militares que, ansiosos para comandar um golpe, centralizavam suas discussões na Unión Militar Española (UME), associação clandestina de caráter direitista e anti-republicana. 

Mas os planos vazaram e, cientes da
conspiração golpista, os líderes da República prenderam José António Primo de Rivera, cujo partido, Falange, fora posto na ilegalidade, e os principais generais de direita, transferidos para localidades distantes. O general Manuel Goded foi deportado para as ilhas Baleares e o general Francisco Franco para as Canárias.

O perigo marxista

Mas a ameaça de golpe ainda pairava no ar, enquanto novos distúrbios explodiam em toda a Espanha. A luta por reformas estruturais não se manteve dentro das disputas parlamentares e ganhou as ruas. 

Grupos de camponeses começaram a confiscar sumariamente terras dos grandes proprietários; pilhagens tornaram-se freqüentes; igrejas, seminários e conventos foram incendiados; greves ocorriam em todo o país. 

Essas agitações contribuíram para aliar a burguesia moderada e católica aos adversários mais intransigentes do regime: os militares e os fascistas.
O estopim da Guerra Civil ocorreu em Marrocos, onde se encontravam importantes efetivos militares, compostos de soldados do Exército regular e pela Legião Estrangeira Espanhola, que era engrossada pelo recrutamento de soldados marroquinos, chamados de moros. Esta foi a responsável por formar a base dos primeiros movimentos do golpe.

Em 17 de julho de 1936, eclodiu, nas cidades marroquinas de Melilla, Ceuta e Tetuán, uma rebelião militar que rapidamente se estendeu por toda a Espanha. O líder da conspiração era o general José Sanjurjo y Sacanell, morto pouco depois num misterioso acidente aéreo. 

O general Francisco Franco, então nas ilhas Canárias, dirigiu-se imediatamente ao Marrocos. Assumiu o comando do exército e estabeleceu contato com os outros chefes militares dispostos a lutar contra o que chamavam de “perigo marxista”. Os rebeldes se autoproclamaram nacionalistas e, tal como os nazi-fascistas, não se mostravam dispostos a transigir com os grupos democráticos e de esquerda, denominados genericamente de republicanos.

Um general no poder

No fim de julho de 1936, os militares formaram uma junta de defesa nacional, que, em setembro, nomeou o general Franco “dirigente máximo da Espanha nacionalista”. Em seu apoio acorreram a Falange, antigos monarquistas, proprietários de terras, industriais e católicos tradicionalistas. Os nacionalistas de Franco contavam com grande vantagem, pois a maior parte do exército regular estava a seu favor. Os republicanos, por sua vez, dispunham apenas dos contingentes policiais e massas de voluntários das regiões industriais, milícias mal equipadas e sem nenhuma experiência de combate. Além disso, estavam divididos por diferenças ideológicas. 

Os anarco-sindicalistas, por exemplo, por algum tempo opuseram-se ao Partido Comunista em sua tarefa de transformar as milícias populares num exército convencional. 

Outros grupos entraram na guerra reivindicando interesses diferentes, em destaque os carlistas, que queriam a volta da casa monárquica de Bourbon ao poder.


A disputa entre partidos políticos e grupos rivais também estava ocorrendo entre os nacionalistas. Apesar de unidos pela defesa da fé católica e pela idéia da luta contra o liberalismo e o comunismo, os “negros” dividiram-se quanto aos objetivos da guerra civil.

Uns defendiam a restauração da monarquia. Outros, a instalação de uma ditadura de caráter fascista.

Para manter a unidade do grupo nacionalista, Franco suprimiu todos os partidos em 19 de abril de 1937, decidindo pela existência de umaúnica agremiação política: a Falange Española Tradicionalista de las Juntas de Ofensiva Nacional Sindicalista (FET/Jons). 

Com a morte de José António Primo de Rivera, fuzilado pelos republicanos em 20 de novembro de 1936, Franco ficara livre de seu mais poderoso concorrente, colocando-se como chefe único e indiscutível dos nacionalistas espanhóis.

Em fins de 1936, apesar da feroz resistência dos republicanos em Madri, Franco já dominava mais de metade da Espanha. Ao longo de 1937, os nacionalistas liquidaram a frente norte, tomando Bilbao, Santander e Gijón. No fim do ano, os republicanos conquistaram a cidade de Teruel. Mas, em fevereiro de 1938, os nacionalistas penetraram na Catalunha e conquistaram Lérida. Logo depois, atingiram o Mediterrâneo e conseguiram uma larga passagem entre Castellón de la Plana, no sul, e Tortosa, ao norte, dividindo a Espanha republicana em duas partes.

A ditadura se instala

A última ofensiva de Franco começou em dezembro de 1938, quando a União Soviética já havia retirado totalmente seu auxílio à República espanhola e as Brigadas Internacionais tinham deixado o país. Os nacionalistas penetraram na Catalunha e cercaram Barcelona, que caiu após resistência de 34 dias. 

Enquanto 400 mil refugiados atravessavam a fronteira com a França, Negrín era deposto pelo general Miaja. Em 28 de março de 1939, Franco entrava em Madri, instaurando mais uma ditadura fascista na Europa. 

Dois dias depois, caiu o último reduto republicano, Valência. Em 1° de abril de 1939, a Guerra Civil Espanhola chegou ao fim, com a vitória total e incontestável de Franco, que emergiu como o “chefe supremo” do país, “responsável somente diante de Deus e da História pelos destinos da Espanha”.

A República Espanhola estava morta e, com ela, mais de 600 mil cidadãos, cifra que atingiu quase um milhão em 1944, em conseqüência das execuções em massa ordenadas pelo general. 

A ditadura reinou na Espanha de 1939 até a morte de Franco, em 20 de novembro de 1975. Durante todo o período mantiveram- se os símbolos, hinos e lemas dos nacionalistas na Guerra Civil. Por meio da máquina de propaganda franquista afirmava-se que o bem da mãe-pátria estava acima de tudo: a Guerra Civil tinha salvado o autêntico país da “AntiEspanha”, e as sinistras influências dos comunistas, franco-maçons e judeus tinham de ser mantidas à distância. O saldo dessa obsessão foi a morte de milhões de espanhóis e um trauma que ainda hoje marca o povo ibérico.

Wagner Pinheiro Pereira é doutorando em História Social da USP. (Atualmente é Professor Adjunto de História da América no Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Texto da Revista Desvendando a História

ehmae.wordpress.com

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