A partir da troca de mensagens, depreende-se que Nuno Afonso fez um anúncio nas redes sociais, onde procurava pessoas para recolher assinaturas "para um partido político que está a ser criado". Na conversa em questão, além de explicar o processo para registar as assinaturas, que poderiam ser de "familiares e amigos próximos", um dos braços direitos de André Ventura oferecia à pessoa com quem conversou "1€ por assinatura que conseguir, com um mínimo de 20 assinaturas".
No diálogo, o vice-presidente do Chega informa, ainda, o interlocutor de que as "assinaturas não vinculam ninguém a nada, servem apenas para eles conseguirem registar o partido (…), pelo que, quem assinar, não será nunca importunado por ninguém".
Tendo em conta que a data da conversa coincide com a altura em que André Ventura tratava do registo do partido junto do Tribunal Constitucional, será que é autêntico que o Chega pagou por muitas das 7.500 assinaturas necessárias para o efeito?
A resposta é sim. Porém, o pagamento foi feito a angariadores de assinaturas e não a quem assinou, de facto.
O Polígrafo contactou Nuno Afonso, que confirma a autenticidade das mensagens trocadas na sequência de anúncios em grupos de promotores nas redes sociais: "Há vários grupos desse género em que eu entrei e aí fazia esse tipo de abordagem. Nós explicávamos que o que precisávamos era de pessoas para recolher assinaturas. Contratámos mais de 100 promotores, seguramente".
O vice-presidente do Chega garante, no entanto, que não existiu qualquer contrapartida financeira para quem assinou os formulários: "Nós não pagávamos as assinaturas, o que nós pagávamos era o trabalho de recolher as assinaturas", ou seja, o trabalho dos promotores.
O VICE-PRESIDENTE DO CHEGA GARANTE, NO ENTANTO, QUE NÃO EXISTIU QUALQUER CONTRAPARTIDA FINANCEIRA PARA QUEM ASSINOU OS FORMULÁRIOS: "NÓS NÃO PAGÁVAMOS AS ASSINATURAS, O QUE NÓS PAGÁVAMOS ERA O TRABALHO DE RECOLHER AS ASSINATURAS", OU SEJA, O TRABALHO DOS PROMOTORES.
Em entrevista ao Polígrafo, Miguel Prata Roque, professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, faz uma avaliação do caso: "Não me parece que essa conduta seja ilegal ou contrária à Constituição. As pessoas são livres de criar partidos, e também são livres de aderir a eles, seja por convicções, seja porque lhes pagam para isso".
No entanto, o também professor de Ciência Política não isenta de responsabilidade a conduta do Chega. "Se dizem à pessoa ‘assina aqui que eu preciso de uma assinatura, isto não te compromete’, isso, obviamente, é um abuso de direito. Porque, para ser constituído um partido, é preciso que haja 7.500 eleitores que sejam proponentes desse partido. E, para ser proponente, adere-se ao projeto de estatutos e ao programa político, não se assina uma folha em branco", explica.
"Não vejo isto do ponto de vista de um problema legal. Eu coloco isto mais num plano da falta de coerência, num plano da aldrabice e num plano da falta de ética política", considera Miguel Prata Roque.
Ainda assim, o professor alerta que as "assinaturas significam que essas pessoas passam a ser militantes do partido", contrariamente à garantia dada por Nuno Afonso na troca de mensagens, de que o preenchimento do formulário não implicaria um vínculo ao partido em formação.
AINDA ASSIM, O PROFESSOR ALERTA QUE AS "ASSINATURAS SIGNIFICAM QUE ESSAS PESSOAS PASSAM A SER MILITANTES DO PARTIDO", CONTRARIAMENTE À GARANTIA DADA POR NUNO AFONSO NA TROCA DE MENSAGENS, DE QUE O PREENCHIMENTO DO FORMULÁRIO NÃO IMPLICARIA UM VÍNCULO AO PARTIDO EM FORMAÇÃO.
Esta não é a primeira polémica em torno das assinaturas recolhidas para registar o Chega junto do Tribunal Constitucional. Em abril de 2019, o Ministério Público abriu uma investigação por indícios da prática de crimes como falsificação e contrafação de documentos nas assinaturas apresentadas aos juízes do palácio Ratton. Praticamente dois anos depois, o inquérito ainda decorre, para já sem arguidos constituídos, de acordo com informação prestada pela Procuradoria Geral da República ao Polígrafo.
Em conclusão, é verdadeiro que o Chega pagou para reunir assinaturas para o registo do partido junto do Tribunal Constitucional. No entanto, a contrapartida financeira não foi oferecida a cada assinante, mas a angariadores de assinaturas, pelo trabalho que prestaram. A conduta não é ilegal nem contrária à Constituição, mas eticamente questionável, na medida em que, ao contrário das indicações dadas por Nuno Afonso, as assinaturas recolhidas tornaram, quem assinou, militante do partido de André Ventura. Além disso, a inscrição num partido pressupõe o conhecimento e a subscrição do programa político, o que parece não ter-se verificado.
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:
Verdadeiro: as principais alegações do conteúdo são factualmente precisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações "Verdadeiro" ou "Maioritariamente Verdadeiro" nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:
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