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segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Neoliberais, aliás hoje liberais

 


Arrepia ouvir o candidato Mayan afirmar que, em Portugal, nunca se aplicaram as ideias liberais - leia-se neoliberais - e que, até hoje, apenas vivemos em... socialismo! 

Na base deste argumento só podem estar duas coisas: ou um ingénuo e ignorante estado de pureza intelectual que apenas reconhece a aplicação de uma teoria quando levada a cabo pelos seus autores; ou então o olhar vicioso de quem não quer assumir responsabilidades pelas suas ideias na triste realidade dos nossos dias, contribuindo para a reformatação das velhas ideias, que beneficiam, apenas alguns à custa da maioria. Sim, porque se trata de muito velhas ideias. E nem sempre bem acompanhadas.

Quem ler o livro de Diogo Freitas do Amaral O Antigo Regime e a Revolução, de 1995, fica com duas impressões. 

A primeira, é que os neoliberais - ou os que hoje se dizem liberais para evitar a má fama dos neoliberais - conviveram bem com a ditadura fascista. 

As suas ideias mostraram-se em Portugal, pela primeira, numa página económica do jornal Diário de Notícias, de Fevereiro  de 1971 a Março de 1974 [!], em que pontuavam Diogo Freitas do Amaral e outros. Nessa coluna, defendia-se

..."com clareza e persistência uma política económica neoliberal do tipo europeu, que pela primeira vez era exposta e explicitada à opinião pública portuguesa, mostrando que era possível e oportuna uma terceira via que rejeitasse simultaneamente o corporativismo herdado de Salazar e o socialismo inspirado em Marx" (pag109). "O Expresso, apesar de, nos saber centristas giscardianos, começou a chamar-nos a nova direita"(pag.110).  

Inteligentemente, eram contra a ditadura, mas apenas por já não encontravam motivos para a sua  manutenção no regime marcelista (sublinhados são meus):

"O regime autoritário concebido e dirigido por Salazar tinha podido justificar-se perante os portugueses, pela instabilidade e desordem crónicas da 1ª República (...). Mas restabelecida a autoridade do Estado, assegurada a ordem nas ruas, recuperados por completo os grandes desequilíbrios económicos e financeiros, reparadas as ofensas à consciência católica do país, conduzida com êxito inegável a política externa durante a guerra civil de Espanha e a 2ª guerra mundial [!] - que outros motivos poderiam justificar a continuação de uma ditadura de direita na Europa dos anos 50?"

Apesar disso, esses jovens viviam tranquilos a sua vida de universitários ou profissionais liberais, sem sobressaltos ou angústias. 

Não se organizavam para antogonizar a ditadura. Almoçavam em Monsanto, discutiam ideias de como melhorar o regime. 

Não se arrepiavam com os presos políticos, com as medidas de segurança transformadas em prisão nas celas da PIDE. 

A ditadura tinha um lado de vida normal para quem não levantava um dedo contra ela. Freitas do Amaral era amigo de Marcello Caetano, era chamado a aconselhá-lo, mesmo até aos últimos dias do regime. 

O próprio Marcello Caetano convidou Freitas do Amaral e António Sousa Franco - que também lá veio a colaborar na página económica - para dirigir o Gabinete de Estudos da recém formada Acção Nacional Popular (partido único). Freitas do Amaral declinou a adesão à ANP. 

Se Caetano tinha as suas pechas contra a PIDE, mantinha-a com um regime à margem mesmo da lei, como polícia ideológica contra o socialismo e o comunismo, que, através da prisão e tortura de antifascistas - e de sobremaneira dos militantes do "autodesignado partido comunista português", como dizia a PIDE - salvaguardava a ordem económica de alguns grupos económicos, impedindo que os trabalhadores se organizassem e, com isso, que fosse mantida imperturbável a normal produção. 

E esses jovens neoliberais - hoje liberais - poderia, pois, querer uma evolução do regime, mas longe da sua ideia, derrubá-lo.

Segunda impressão. Será que estamos assim tão longe do que foi então vivido?  

Esse entrosamento desses jovens neoliberais - hoje liberais - com o dito Antigo Regime explica a sua atitude bastante crítica e pouco à-vontade para com o novo regime democrático, instaurado em revolução. Quando se dá o 25 de Abril, assustaram-se logo com a dimensão do "desfile que o PCP organizou" no 1º de Maio de 1974 que toda gente viveu como a maior explosão de liberdade alguma vez vivida.  

Dizia Sá Machado a Freitas do Amaral:

"Que diabo, eu sempre fui democrata e sempre sonhei ver um dia o meu país restituído à liberdade.
Mas se o 25 de Abril nos dá, logo na primeira semana, aquele espectáculo deprimente da Avenida da Liberdade [?!] cheia de milhares de bandeiras vermelhas com a foice e o martelo, onde é que isto irá parar? Ou as forças democráticas se organizam e combatem virilmente a ameaça totalitária que já está à vista, ou estamos perdidos." 

Mas nem precisavam. 

Essa ala neoliberal - hoje liberal - é então até convidada pelo próprio MFA a formar um partido liberal. Cria-se então o CDS. 

Mas é perceptível que se sentem como peixes fora de água, que se vêem -  sem que Freitas do Amaral consiga perceber a razão dessa desconfiança - olhados de soslaio por todos e acusados de "fascistas". 

Receiam pela sua eminente ilegalização e pedem ajuda à Internacional conservadora. Sentem-se perseguidos por espíritos antidemocráticos que não os querem a partilhar a democracia. Mas porquê? Não eram eles juristas tão bem preparados e tão elogiados pela chefia do MFA... ? 

O seu livro está cheio de descrições de derivas totalitárias e antidemocráticas do processo revolucionário - que, na sua opinião, teriam origem no PCP ou no MFA infiltrado pelo PCP. 

Os vários golpes de Spínola são criticados, mas omite-se a adesão do CDS, por exemplo, ao 28 de Setembro. Denunciam-se ataques aos "partidos democráticos" que, afinal, apenas queriam implantar um regime ocidental, baseado na Declaração Universal dos Direitos dos Homens, e... impedir a Revolução de Outubro em Portugal.

O que é interessante sentir, no final, é a dimensão do fosso entre o que se passou no pós-25 de Abril e os tempos presentes. 

E, por isso e ao mesmo tempo, como é que as ideias que defendiam esses jovens neoliberais - ou hoje liberais - se aproximam, afinal, do que vivemos hoje. 

O próprio Freitas do Amaral já o reconhecia... em 1995: 

"Em 1975, era o projecto [de Constituição] do PCP o que mais se aproximava e o projecto do CDS o que mais se afastava da realidade política então vivida (...); hoje em dia, vinte anos passados, o projecto do PCP foi completamente ultrapassado, quer pela evolução dos acontecimentos em Portugal, quer pelo desmoronamento do sistema comunista na URSS, na Europa de Leste e noutras zonas do globo, enquanto o projecto do CDS se tornou quase no retrato fiel da realidade vivida em Portugal e no mundo na fase histórica actual"

Algo que nos faz pensar.  Talvez, fruto da deriva neoliberal hoje liberal verificada desde os anos 80 - com Cavaco Silva rodeado de Miguel Beleza, Braga de Macedo e Vítor Gaspar na progressiva integração europeia e monetária; com Vítor Constâncio a desarticular a Constituição de 1976, nomeadamente a reversão das nacionalizações aproveitada por Cavaco Silva para inaugurar as privatizações aos velhos grupos económicos; com António Guterres rodeado de Sousa Franco a alargar  ainda mais as privatizações e aderir de alma à moeda única em que nos encontramos enredados; com José Sócrates rodeado de Teixeira dos Santos (embaixador da Alemanha em Portugal, Sócrates dixit) a pugnar por mais austeridade; com Passos Coelho/Paulo Portas rodeados de Vítor Gaspar e Paulo Núncio (o da lista VIP e do RERT II de que beneficiou Ricardo Salgado e Zeinal Bava entre muitos) a defender ir além da troica na redução do Estado e dos impostos; com António Costa a aceitar os ditames europeus - talvez dizia, a realidade de hoje não se distancie tanto, do ponto de vista económico-social e da atitude do poder político face aos trabalhadores progressivamente desprotegidos, daquilo que se viveu antes do 25 de Abril. 

Veja-se o gráfico acima sobre o peso das remunerações salariais no PIB (preços de mercado). E conclua-se forçosamente: algo está mal neste reino do... socialismo. E que a receita não resolveu os problemas estruturais nacionais, mas contribuiu para a desigualdade social em que se alimenta a extrema-direita.

Os nossos liberais de hoje defendem ainda menos Estado e ainda menos impostos (leia-se, menor distribuição da riqueza com os trabalhadores), ainda mais iniciativa privada alicerçada na propriedade privada (leia-se, preponderância das organizações empresariais na condução da sociedade), gritam a plenos pulmões contra o socialismo e a ditadura do colectivismo já arredado há décadas (leia-se, o regime que tenha em conta os interesses dos mais pobres e dos trabalhadores). 

Como alívio da alma, apenas se contrapõe a doutrina social da Igreja Católica que, face à realidade que se vive, até surge como herege e nem é aplicada!

Tudo isso faz pensar o que poderá ser o Novo Regime caso essa direita neoliberal, hoje liberal - PSD, CDS, IL e C - cheguem ao Governo. 

E o que poderá ter feito o PS se aliar, em tantos assuntos, a essa direita.

ladroesdebicicletas.blogspot.com

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