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Na última semana, foram noticiados casos de autarcas e provedores de santas casas que, abusando de ligações a lares e outras instituições residenciais para idosos, foram indevidamente vacinados. São situações que merecem total crítica e repúdio - a "censura social" a que esta semana aludiu a ministra da Saúde, Marta Temido - e que mostram a tentação de passar à frente de quem mais precisa, numa altura em que as vacinas chegam a conta-gotas, sendo mínimas face às gigantescas necessidades.
Há, ainda assim, um problema inverso por parte de políticos que anunciam dar a sua vacina a um velhinho ou dizem que serão os últimos do país a ser vacinados, porque a questão da prioridade de titulares de cargos públicos deve ser analisada sem demagogia e sem ruído. Um ruído que, nalgumas afirmações que têm vindo a público, acaba por desvirtuar os factos.
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Vamos então detalhar o que está em causa. Antes de mais, a decisão de incluir políticos entre os grupos prioritários integra um conjunto de outras alterações, como a priorização de bombeiros e forças de segurança ou a antecipação da imunização generalizada de pessoas com mais de 80 anos, que está a ser alvo de trabalho por parte da task force que coordena a vacinação.
A atualização do plano será apresentada publicamente nos próximos dias e só nessa altura, em rigor, se perceberá o alcance e a calendarização das alterações.
Algumas bancadas e deputados que se pronunciaram individualmente consideram estar a ser dado "um péssimo exemplo" ao país e criticam a decisão de priorizar a vacinação a "todos os deputados".
Não é essa, contudo, a mensagem transmitida pelo primeiro-ministro ao presidente da Assembleia da República. António Costa lembra que as doses disponíveis em cada semana são limitadas e pede a Ferro Rodrigues que especifique os elementos do Parlamento "que devam ser considerados prioritários nesta fase". Como não poderia deixar de ser, o primeiro-ministro não deve imiscuir-se numa seleção que compete a cada órgão de soberania, tendo apenas definido as prioridades para o seu próprio Governo, colocando nessa lista nove ministros (quatro dos quais não vão ser vacinados no imediato, por terem tido Covid), os secretários de Estado da Saúde e dos Assuntos Europeus e os cinco que fazem a coordenação regional no combate à pandemia.
Faz sentido que seja dada prioridade a quem ocupa os altos cargos da nação, num contexto dramático em que o papel dos decisores é essencial? Faz sentido proteger os políticos que estão no terreno, que não podem parar e têm um papel-chave neste combate?
Claro que faz. O inverso seria desvalorizar o papel relevante de quem exerce funções públicas. Não se trata sequer de um privilégio, trata-se da defesa de um serviço público que não é igual ao de um cidadão comum.
O que não quer dizer que haja uma generalização desta vacinação, ou que todos os titulares de cargos públicos entrem indiscriminadamente nesta fase, porque nem todos têm o mesmo papel e relevância.
Essa definição deve ser feita com clareza, com transparência e com critérios adequados nas prioridades, comunicados em cada momento à população.
Sabemos que, mesmo nos grupos prioritários, os ritmos são diferenciados, havendo questões como a quantidade disponível ou a complexidade logística que limitam a execução do plano e tornam impossível a tarefa de terminar por completo um grupo antes de iniciar outro. As doses chegam devagar e milhões de pessoas deveriam, num cenário ideal, ser contempladas já.
Por isso, não basta rigor técnico e científico: algumas decisões são inevitavelmente políticas. Não pode haver receio de decidir, nem aproveitamento demagógico quando se decide.
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