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Se, no início de janeiro, a Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados aprovar a substituição temporária do deputado André Ventura com efeitos retroativos para que este se candidate à Presidência da República, o seu substituto no Parlamento será um homem da “velha direita”, curtido nos combates universitários e do processo revolucionário: Diogo Pacheco de Amorim.
Aos 71 anos, o neto de um monárquico íntimo de Salazar e sobrinho do fundador dos extremistas do Partido do Progresso no pós-25 Abril, é considerado uma espécie de “ideólogo” do Chega, do qual é vice-presidente. Mas o seu papel na definição identitária do partido e o seu perfil não são consensuais. Alguns dirigentes temem que a sua militância na direita armada do Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP) em 1975 e a alegada inaptidão para tribuno fragilizem o partido nos acesos debates parlamentares.
A 29 de fevereiro, quando o líder apresentou a candidatura em Portalegre, Diogo também subiu ao palco: citou Sá Carneiro – “a política sem ética é uma vergonha” – e prometeu a André Ventura fazer tudo para dignificá-lo, quando chegasse a hora de substituí-lo. É precisamente esse momento que os dirigentes e militantes próximos de Nuno Afonso, ex-PSD, chefe de gabinete de Ventura no Parlamento e tido como rosto da ala moderada do Chega, mais temem. De resto, quando a questão das Presidenciais se colocou e adivinhando que a ausência temporária de Ventura seria uma fragilidade, Nuno Afonso desaconselhou o líder a entrar na “corrida” e apresentou-lhe uma lista de dez nomes possíveis para encabeçar a candidatura, mas nenhum aceitou. As desconfianças deste setor em relação a Diogo Pacheco de Amorim não dizem apenas respeito à sua falta de capacidade oratória ou ao seu passado mais radical. A sua influência junto de André Ventura é outro problema, pois, dada as suas ramificações históricas e o seu percurso político, Diogo tem sugerido vários nomes ao presidente do partido para ocuparem lugares nas estruturas locais e até nos órgãos dirigentes, um dos quais gerou bastante polémica: José Lourenço, líder da distrital do Porto e antigo militante do CDS. O facto de ambos terem a “pasta” das relações internacionais do partido e serem próximos do antigo cônsul honorário em Palm Coast (Flórida), César do Paço, gerou controvérsia. Os dois integram ainda os órgãos da Fundação DePaço.
O que pensa Diogo?
Licenciado em Filosofia pela Universidade de Coimbra, onde partilhou trincheiras políticas com o advogado José Miguel Júdice, Diogo Pacheco de Amorim rejeita o rótulo de extremista de direita. Define-se antes como “conservador liberal”. Católico, tem vários familiares ligados ao movimento religioso Comunhão e Libertação, com grande influência político-financeira no país de origem (Itália), mas também em Portugal.
Diogo Pacheco de Amorim reserva um papel secundário para o Estado, reduzindo-o às funções de Defesa, Justiça e Política Externa. No resto, vê-o como regulador e árbitro, quase sem mão na Economia. É a favor de uma redução fiscal drástica, do princípio do cidadão “utilizador-pagador” e do desmantelamento do aparelho burocrático da administração pública e pela eliminação de incentivos, subsídios, apoios e benefícios que, na sua perspetiva, só devem ser garantidos a pessoas em situação de absoluta incapacidade de subsistência.
No caso da Saúde e da Educação, o provável substituto de Ventura no Parlamento considera que o Estado só deve estar presente nas áreas geográficas onde o setor privado não queira fornecer esses serviços. O dirigente do Chega defende mesmo a extinção do Ministério da Educação, “uma tecnoestrutura blindada pelo PCP e BE, impossível de ser penetrada e reformada por qualquer ministro”, conforme é relatado no livro do investigador Riccardo Marchi, A Nova Direita Anti-Sistema – O Caso do Chega, para o qual Diogo foi entrevistado.
De acordo com o programa do Chega, de que foi o principal autor e no qual reproduziu partes da declaração de princípios do Partido da Nova Democracia (PND), liderado por Manuel Monteiro, do qual foi também dirigente, Diogo apoia a “despolitização” do ensino e atribuiu às famílias o primado da transmissão de valores sociais às crianças. Segundo ele, a escola deve preocupar-se em consolidar os “valores culturais e civilizacionais judaico-cristãos» e cívicos, entre eles “a disciplina e o respeito pelos mais velhos, pelos professores, pela autoridade”. Para Diogo, a família natural é “heterossexual” e o Estado deve desincentivar casamentos e adoções por casais do mesmo sexo.
A nível internacional, o vice-presidente do Chega foi próximo das teses da Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen – já gosta menos da renovação do ideário entretanto assumido pela filha, Marine Le Pen – e embora discorde da vertente estatista do Fidesz, partido do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, é um admirador deste líder político que tem assombrado os alicerces democráticos da União Europeia.
Diogo é também um partidário da saída de Portugal da ONU, organização que, na sua visão do mundo, se tornou “uma agência de divulgação do marxismo cultural e do globalismo massificador”. Quanto à concessão de cidadania portuguesa, não tem papas na língua: “Imigração ilegal, nem pensar. Imigração legal, sim, são bem-vindos. Vêm para trabalhar, porreiro. Vêm para viver à conta da Segurança Social, esqueçam”.
O passado presente
Se estas posições são, à partida, um rastilho para acesos debates parlamentares, o percurso político de Diogo Pacheco de Amorim é também potencialmente explosivo. Embora negue qualquer ligação às atividades militares do MDLP nos tempos de brasa do pós-revolução, Diogo Pacheco de Amorim esteve no setor político do movimento liderado pelo antigo Presidente da República, António Spínola, que coordenou e promoveu centenas de atentados bombistas e assaltos a sedes de partidos e organizações de esquerda naqueles primeiros anos de liberdade, alguns dos quais resultaram em mortes, como foi o caso do padre Max e da estudante Maria de Lurdes, na Cumieira, em Vila Real.
Do Movimento Independente para a Reconstrução Nacional (MIRN), de Kaúlza de Arriaga, um dos ultras da ditadura, à clandestinidade do MDLP, que contou com vastas e poderosas ramificações políticas, policiais, militares, religiosas e financeiras, a militância extremista de Diogo Pacheco de Amorim contagiou a sua veia poética. É dele a autoria do poema Ressurreição, hino nacionalista cantado por José Campos e Sousa, em cujos versos o vice-presidente do Chega deixa uma imagem elucidativa do rasto então deixado em várias zonas do País: “E já ardem bandeiras vermelhas / Nos campos há gritos de guerra / Nas trevas da noite há centelhas / Das rosas em festa da terra”.
Antigo jornalista do semanário O Diabo e do diário O Primeiro de Janeiro, Diogo foi representante, em Portugal, da revista Nouvelle Écolle, orgão da Nova Direita francesa. Assessor do Vice-Primeiro Ministro Diogo Freitas do Amaral no 1º Governo da AD e Chefe de Gabinete do Grupo Parlamentar do PP entre 1995 e 1997, o dirigente do Chega está hoje ligado à área da consultoria imobiliária, embora não se lhe conheça grande atividade, pelo menos nos últimos cinco anos.
A confirmar-se, a entrada do assessor parlamentar de Ventura para deputado será, pois, uma bomba. Pelo menos desta vez, não no sentido literal.
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