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sábado, 6 de março de 2021

Pandemia faz disparar relatos de fome nas linhas de apoio em crise

 




expresso.pt 


A pandemia de covid-19 fez disparar os pedidos de ajuda a várias linhas de apoio em crise, mas entre situações de ansiedade, problemas psicológicos e solidão, há um novo fenómeno a surgir: os relatos de fome.

Foi um traço comum na linha SOS Voz Amiga, na linha Conversa Amiga, da Fundação Inatel, e no Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC) do INEM. Em todas houve um aumento do número de chamadas desde março de 2020, quando começou a pandemia de covid-19.

O desemprego, as dificuldades económicas e a fome são problemas já conhecidos de algumas destas linhas de crise e que tiveram maior evidência durante a crise financeira que Portugal viveu a partir de 2010 e durante a intervenção da 'troika', cujo programa deixou como resultado uma taxa de desemprego que superou os 15% no auge da sua aplicação.

Anos depois, e em plena crise sanitária, estas linhas voltam a locais de desabafos para muitos que face aos constrangimentos provocados pela pandemia, com a perda de emprego ou o encerramento de negócios, ligam em busca de um consolo, de um aconselhamento ou até mesmo de um encaminhamento para estruturas mais vocacionadas para o efeito.

Se no início da pandemia os alertas estavam focados em aspetos emocionais, aumentando o número de chamadas relacionadas com a depressão, ansiedade, solidão, de ideias suicidárias e de problemas famílias, à medida que a pandemia se vai mantendo começam a chegar também outras angústias relacionadas com problemas económicos.

Joaquim Paulino, presidente da Linha SOS Voz Amiga, explica em declarações à agência Lusa que os voluntários deste serviço têm recebido chamadas de pessoas em desespero. São pessoas de várias profissões e áreas de atividade, incluindo da cultura, o que não era tão usual.

Os contactos são anónimos, explica, não existindo assim a vergonha de se expor.

"Há uma situação nova de há já alguns meses, quatro a cinco meses, que é de chamadas de pessoas a relatarem que estão a passar fome, e que tem vergonha de o admitir e este sofrimento é incrível", explicou.

O desespero, adianta, é ainda mais vincado em famílias com crianças.

"Um pai ou uma mãe que não consegue dar sustento para os filhos é uma situação desesperante", disse, adiantando que face a estas chamadas a linha escuta as angústias e indica algumas entidades que estão no terreno e que podem ajudar as famílias nestas situações.

Desde o início da pandemia, em março de 2020, a linha SOS Voz Amiga mantida com 35 voluntários, recebeu uma média de mil chamadas por mês, mais 400 em relação a anos anteriores.

O aumento da procura levou a uma necessidade de reforço de meios, estando previsto que em abril a equipa passe a ter 50 voluntários distribuídos por turnos, num horário de atendimento que passará a ser das 15:30 às 0:30.

Relatos idênticos têm chegado à linha Conversa Amiga, da Fundação Inatel, que tem vindo a receber chamadas relacionadas com a carência de produtos alimentares, insuficiência económica causada pelo desemprego ou diminuição de rendimentos, a par da violência doméstica, ocasionada pelos confinamentos, e da ideação suicida.

Segundo a Fundação Inatel, a linha cresceu 39% em termos de chamadas atendidas e de fevereiro a abril esse crescimento foi de 269 por cento.

Já no caso do Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC) do INEM, foi registada uma variação de 88,9 % entre 2019 e 2020 no que respeita às chamadas relacionadas com carências económicas.

Sónia Cunha, responsável do Capic explicou em declarações à agência Lusa que as pessoas recorrem à linha 112 por saberem que têm sempre uma resposta e porque precisa e falar.

"Nestas circunstâncias são encaminhadas. 

A primeira triagem é mesmo em relação ao potencial risco que a pessoa possa representar para ele e para os outros. Se esta em situação de crise pode colocar-se em risco ou aos outros e nós avaliamos a situação", frisou.

Após a avaliação, se se perceber que é emergente e requer uma resposta imediata contactamos a linha de emergência social 144.

Contudo, adiantou, se a situação não for considerada emergente, a equipa pode fazer um contacto com a Segurança Social local para referenciar a situação ou sinalizar o caso para as instituições de cariz social.

Em alguns casos pode também ser feito um contacto com centro de saúde local ou com o município.

Uma outra linha de crise, a Vozes de Esperança, que existe há 10 anos, destacou a solidão como um dos principais problemas que leva as pessoas a procurar ajuda ao ponto de ter sentido necessidade de criar, durante o primeiro confinamento em 2020, um acompanhamento de proximidade complementar à linha.

Através do Porto Escuta, 20 voluntários acompanham cerca de 50 pessoas, em particular idosos, ligando-lhes diariamente e auxiliando no que for necessário.

Milhares de pessoas recorreram à Segurança Social entre março e setembro para requerer uma prestação social, havendo quase 12 mil novos beneficiários do Rendimento Social de Inserção, uma tendência "expectável" perante um possível agravamento da situação de pobreza.

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