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domingo, 17 de janeiro de 2021

Vicente Guerreiro - Botas em segunda mão

 


Vicente Guerreiro in facebook


Como bom patriota que me prezo de ser, vou expor abaixo um texto, para exemplo do que era o tempo do salazarismo/fascismo, e que vivi durante trinta anos.
Ei-lo:
BOTAS EM SEGUNDA-MÃO
Diz-se que o rico se julga sempre pobre e que é por isso que ele procura, logo que pode, ficar com o dinheiro dos outros. Esta afirmação alentejana deu várias estórias que se contam, naquela corda de povoações que rodeiam Borba, mas a mais expressiva é, talvez, a do agrário que "confessava" os ganhões e os malteses, antes de eles deixarem o seu monte de regresso às suas terras distantes - quase sempre, para lá das serras.
Tinha este proprietário um grande grupo de monteiros e pessoal de caça para dar grandes festas em sua casa, sempre que os seus amigos, políticos ou influentes, iam de Lisboa ao Alentejo, com espingardas, cães e mulheres dengosas e bonitas. É que, na sua herdade, havia uma seara que nunca era colhida, embora todos os anos semeada, só para que as perdizes gordas vivessem ali, em abundância e à mira da mais fraca e da descuidada pontaria dos visitantes venatórios.
Claro que estes criados de caça eram pagos ao mês e melhor, naturalmente, do que todos os assalariados. Mesmo assim, ainda tinham outras regalias uma das quais, e a mais cruel e significativa, era a de poder formar uma quadrilha de ladrões, com a total e inteira proteção do patrão. Diz-se mesmo que era o rico senhor quem lhes dava as vítimas à dica, mostrando o caminho que seguiam aqueles que, acabando o trabalho nas terras, recebiam o salário e partiam.
Ao que se conta, este homem, ao pagar ao pessoal, que vinha de fora, e que, portanto, depois de receber, abalava para as suas "beiras" ou para os seus "ninhos", lhes recomendava sempre que, pelo menos, escondessem o dinheiro dentro das botas, já que as estradas e os caminhos estavam cheios de gatunos e assaltantes, dizia ele, "capazes de tudo". E assim era, pois, nunca, ali, houve tantos roubos, como nesses distantes e fascistas anos de mil novecentos e cinquenta.
Por uma coincidência danada, os ladrões, ao atacarem, de arma à cara e dedo no gatilho, os bandos de "regressados", a primeira coisa que lhes mandavam, sob intimidação, era a descalçarem as botas. Pronto, lá se ia o dinheiro todo inteirinho para a mão dos embuçados. Raros eram os que escapavam, a menos que fossem isolados e se tivessem adiantado ou atrasado na partida do monte.
Não se sabe se o tal patrão recebia partes dos quadrilheiros. O que se sabe é que, todos os anos, ele vendia botas aos contratados, a pretexto de que não queria o pé descalço nas suas terras de semeadura, nem nas suas searas. Botas em segunda-mão, claro.
Post scriptum - Tudo isto se permitia nesse hediondo tempo do fascismo, de que o texto é um pálido exemplo. Mas agora vem a talhe de foice: Será que o povo trabalhador português quer este tempo de volta? Será que os trabalhadores que ainda sobrevivem desse tempo, vão votar no André Ventura, para termos esse tempo de retorno? Eu ainda creio que alguns dos apoiantes, além dos abutres que o apoiam, saudosistas desse tempo, terá também como apoiantes, alguns pouco escolarizados que nem sequer se apercebem que se ele tivesse poderes, eles e a sua família pertencentes a classe social baixa, seriam as suas primeiras vitimas? Eu ainda estou em crer, que até nas urnas a 24 de Janeiro, o povo vai rejeitar o fascismo que o André Ventura quer fazer ressuscitar!!!
F I M
Almada, 16 de Janeiro de 2021
Vicente Quintinha Guerreiro

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