A parábola de Linda Lovelace é uma das mais fascinantes e envolventes da indústria do cinema, por trás de uma história verdadeiramente lamentável. Para muitos, ela foi a atriz de entretenimento adulto mais importante do século XX, a mulher que emprestou glamour a uma indústria que vivia nas sombras, muitas vezes, de forma sórdida e asquerosa. Infelizmente, ao mesmo tempo, ela acabou se destruindo com um relacionamento tóxico e uma intrincada farsa de libertação sexual feminina com o filme que a revelou e a exaltou: "Deep throat" ("Garganta Profunda"), de 1972, escrito e dirigido por Gerard Damiano. |
Linda Susan Boreman, antes de se converter na afamada atriz Linda Lovelace
Hollywood sempre caminhou de mãos dadas, mas com certa vergonha, junto a indústria do entretenimento adulto. Famosos diretores de cinema, como Wes Craven, passaram por ali e atores como Arnold Schwarzenegger, Cameron Diaz, Sylvester Stallone, Traci Lords, Jackie Chan, Shu Qi, David Duchovny, entre outros, deram no pornô seus primeiros passos.
Linda Susan Boreman era como qualquer outra jovem de sua idade, com erros e acertos mas com vontade de forjar um bom futuro. Ela nasceu no seio de uma família de classe trabalhadora. Filha de um policial, cresceu em Yonkers, Nova York, onde frequentou uma escola católica.
Sua beleza natural atraiu Chuck Traynor, um homem 13 anos mais velho por quem se apaixonou rapidamente
Foi mãe em 1969, quando tinha 20 anos, mas sua mãe a convenceu que ela devia ficar com o menino até que estivesse preparada para cuidar dele, segundo relatou ela mesma em sua autobiografia, "Ordeal" ("Calvário").
Mais tarde, descobriu que sua mãe em realidade tinha dado o menino em adoção, e nunca mais voltou a vê-lo. Sua família mudou-se depois a Flórida, mas ela regressou a Nova York em 1970. Ali sofreu um grave acidente de carro, o que a obrigou a regressar a casa de seus pais na Flórida para se recuperar.
Linda e o marido proxeneta Chuck Traynor.
Durante a convalescência, conheceu Charles "Chuck" Traynor, apaixonou-se rapidamente e ele prometeu que ia transformá-la em uma estrela. Ele era 13 anos mais velho que ela e a jovem queria fugir da controladora casa de seus pais e ser livre. Mas isso justamente foi o que menos aconteceu, segundo relatou anos depois.
Em sua biografia, Linda declarou que Chuck batia nela para que se prostituísse e só se casou com ela para obrigá-la a fazer o que ele queria, inclusive se deitar com outros homens e cobrar por isso. Ele a iniciou na prostituição ao mesmo tempo que a provava como atriz em curtos pornôs clandestinos, de baixo orçamento e de baixa qualidade.
Chuck já estava metido na indústria e a convenceu para ser a protagonista de "Garganta Profunda". Aos 21 anos começava sua carreira, com um cachê de apenas 1.200 dólares, que também não recebeu, senão Chuck.
"Garganta Profunda" se tornou o maior ícone da indústria do cinema adulto.
Na década de 1970, a sexualidade ainda era um tabu e a indústria cinema adulto trabalhava a escondidas, mas "Garganta Profunda" foi o filme que rompeu essa casca e debutou na tela dos cinemas comerciais. Era sexo explícito, mas diferente de outros longas do gênero, tinha roteiro, história, argumento, locações e, de fato, era até divertido. Atingiu recordes de público e de vendas de cópias em vídeo.
Chegou a ter uma crítica no New York Times, que o definiu como "pornô chique", o que deu ao filme verdadeiro status e aceitação em mais setores da sociedade. Grupos feministas levantaram sua bandeira como exemplo de uma mulher que se atrevia a desfrutar do sexo livremente. Mas por trás tinha uma história até então desconhecida.
Depois do protagonismo do filme, ela foi reconhecida mundialmente.
Mas a administração do presidente Richard Nixon e os setores conservadores da sociedade americana não acharam nenhuma graça. Ficaram preocupados com o repentino interesse do público por este tipo de cinema, e lançaram uma cruzada que chegou até na prisão e julgamento do protagonista masculino, Harry Reems, sob a acusação de conspiração para distribuir material obsceno. No entanto, após o apoio que recebeu de boa parte de Hollywood, as acusações foram retiradas e recuperou sua liberdade.
Ao mesmo tempo, os olhos do mundo centravam-se em Linda. Tinha conseguido, já era uma atriz famosa, ainda que não precisamente como queria, mas por trás dessa falsa bandeira de liberação sexual feminina relacionada com o filme, que de alguma maneira representava o direito das mulheres aos orgasmos, em seu próprio mundo pessoal existia um inferno. O que ela revelou muitos anos depois como "escravatura sexual".
Traynor era um homem violento e controlador que a obrigou a voltar a Nova York, onde se casou com ela e se converteu, também, em seu proxeneta. Batia nela um dia sim e outro também.
Nas gravações, Chuck levava sua arma e ameaçava matá-la se não resultasse suficientemente convincente diante da câmera.
Entre os episódios sórdidos que viveu a seu lado relatou que ele pediu que o ajudasse a administrar o negócio da prostituição, e quando ela se negou, tomou um soco. Com efeito ele se excitava quando a maltratava. Quando saiam com outras pessoas, ele mandava Linda calar a boca e ela tinha que pedir permissão para usar o banheiro. Surrou ela na noite anterior ao casamento e durante as gravações de "Garganta Profunda".
Quando Por fim Linda resolveu deixá-lo, Traynor ameaçou matar o filho de sua irmã se ela não regressasse. No entanto, cansada daquele inferno, ela decidiu denunciá-lo à polícia.
O mundo ficou encantado pela beleza de Linda.
- "Quando vocês veem o filme 'Garganta Profunda', estão vendo, na verdade, como sou violada. É um crime que sigam mostrando isso", confessou anos depois e assegurou que no filme aparecem também os hematomas causados pelas surras de Traynor.
Linda revelou uma relação tóxica e violenta de dependência da que tentou sair em várias ocasiões e não encontrou abrigo. O público demonstrou estar mais preparado para aceitar que desfrutasse fazendo felações ante uma câmera do que escutar sua versão dos fatos,. A indústria do cinema adulto, em que seu ex seguia atuando, lhe deu as costas argumentando que era uma mal agradecida.
Em vez da suposta libertação feminina, em realidade era uma escrava, revelou em sua biografia.
Quando se separou de Traynor tentou novamente fazer outros filmes sem sucesso algum, entre elas estão: "As confissões de Linda Lovelace" de 1974, "Garganta Profunda - Parte II", 1974, e "Linda Lovelace para presidente", de 1975.
Ela casou-se de novo imediatamente e teve dois filhos. Anunciou que tinha reencontrado Deus e se transformou em uma devota mãe de classe média de Denver, que renegou o pornô como faria qualquer boa cristã da região central dos Estados Unidos, ademais com um terrível conhecimento de causa ao ter vivido na própria carne essa indústria que muitos seguem considerando exploradora da mulher.
Lindsay Lohan interpretou Linda no filme "Inferno".
Ela sentiu-se utilizada pelo movimento feminista que tinha levantado sua bandeira do direito ao orgasmo. Acusou muitas autoras de fazer dinheiro publicando livros e artigos sobre ela sem ajudá-la realmente quando mais precisava, depois de seu segundo divórcio 10 anos depois e com filhos para criar.
A saúde também desistiu dela. Uma hepatite a levou a se submeter a um transplante de fígado, e afirmou que o silicone que injetou para aumentar os seios -por imposição de Traynor-, produziu um câncer de mama.
Em seu grito de libertação final, deixou para trás a Linda Lovelace e voltou a se chamar Linda Susan Boreman, de quem tinha fugido anos atrás.
Amanda Seyfried na pele da atriz no filme "Lovelace".
Em 1997, ela concedeu uma de suas últimas entrevistas na qual parecia ter feito as pazes com seu passado:
- "Me olho no espelho e me vejo mais feliz do que me vi em toda minha vida. Não me envergonho de minha história nem estou triste por isso. E o que as pessoas possam pensar de mim... bom, isso não me importo. Olho no espelho e vejo que sobrevivi."
No último 10 de janeiro ela teria completado 72 anos, no entanto em 3 de abril de 2002, Linda voltou a sofrer um acidente de trânsito, mas desta vez não se recuperou dos ferimentos. Em suas últimas horas esteve acompanhada por seus filhos e por seu já ex marido Larry Marchiano com quem seguia mantendo uma grande amizade.
Depois de ficar vários dias em coma faleceu em 22 de abril. Linda tinha 53 anos. Como se fosse o final de um filme ruim, três meses depois, o desgraçado do ex, Chuck Traynor, morreu também, mas de um infarto fulminante.
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