No 11 de Março de 1975 por volta das 11h45 o Regimento de Artilharia 1 (RAL 1) é atacado por aviões e cercado por forças do Regimento de Pára-Quedistas de Tancos.
É a derradeira aventura de Spínola na tentativa de conquistar e derrotar a coordenadora do MFA. O golpe do 11 Março é derrotado, muito devido a acção do Comandante do RAL 1, Diniz de Almeida, e de populares que vão para a rua, bem como pelo facto de ser um golpe “estranhamente” defeituoso.
Além da sua derrota é de salientar duas mortes que resultam do golpe.
O 11 de Março é o culminar da correlação de forças entre o sector Spinolista e a coordenadora/programa do MFA. O fracasso do golpe Palmo Carlos de 1974, a «matança da Páscoa» e o fracasso da «maioria silenciosa» faz com que Spínola se demita de Presidente da República. Contudo, as eleições para o Conselho de Armas do exército de indivíduos ligados ao sector de Spínola, faz crer ao General que a correlação de forças, finalmente, tinha mudado para o seu lado, lançando então o golpe do 11 de Março.
O derrotado General Spínola foge de imediato de helicóptero para Espanha. Dirá mais tarde que foi traído, pois durante o golpe muitos dos que comprometeram-se em participar no golpe abandonaram-no à última hora. Uma polémica ainda em aberto na história recente. Seja como for, o golpe que ficou reduzido a um ataque ao RAL 1 em Lisboa fracassa redondamente. Um dos militares mais prestigiado do país e no sector militar, abandona o país derrotado militarmente e politicamente. A condenação do golpe é vasta, desde da extrema-esquerda, ao PCP, passando pelo PS e PSD. Erguem-se barricadas por parte de populares e das massas trabalhadoras, são assaltadas as sedes de partido de direita e até a própria casa de Spínola em Massamá.
Ainda no 11 de Março é realizado uma Assembleia do Movimento das Forças Armadas (MFA) na Calçada das Necessidades em Lisboa, que ficaria conhecido por «Assembleia selvagem», ficando esquecido que se alguma coisa fora «selvagem» nesse dia foi o golpe promovido por Spínola. Nesta Assembleia o país entra numa fase, decisivamente, de esquerda: com a decisão de punir militares e civis ligados ao sector reaccionário e burguês que tinham apoiado o golpe (como Champalimaud, Espírito Santos e até Jorge de Mello da
CUF); a nacionalização da banca e dos seguros; e o avanço definitivo da reforma agrária. É a institucionalização do MFA, é dissolvido o Conselho de Estado e criado o Conselho da Revolução e ainda fica consagrada a Assembleia do MFA. A lei 5/75 que institucionaliza a Assembleia do MFA permite que esta tenha poderes fiscalizadores e seja um órgão conselheiro do Conselho da Revolução. Por outro lado, o Conselho da Revolução fica com poderes constitucionais, fiscalizadores e de controlo da acção e actividade legislativa do Governo, o poder de vigiar o cumprimento do programa do MFA e das leis constitucionais, poderes de conselho do presidente da República e amplos poderes de ordem militar.
Se é verdade que o golpe do 11 de Março foi uma resposta aos perigos que o projecto da coordenadora do MFA e suas afinidades com partidos políticos de esquerda representava, ele foi, somente, a força matriz que tornou esse projecto em realidade. Mário Soares, dirigente do Partido Socialista, demonstrava a nova realidade esquerdizante de que era necessário não ser excluido dela, afirmando: «Um dia histórico, em que o capitalismo se afundou».
Dias mais tarde o Conselho de Revolução toma posse, assim como Francisco Costa Gomes assume o cargo de Presidente da República em simultâneo com a chefia do Estado e das Forças Armadas. O MFA tornava-se no «Motor da Revolução portuguesa» que pretendia rumar ao socialismo. O 11 de Março é o inicio do chamado Processo Revolucionário Em Curso (PREC), que vigora durante 37 semanas até ao golpe do 25 de Novembro de 1975. Marca também o fim da batalha entre MFA e Spínola, bem como pode ser encarado como o fim da unidade dentro do própria MFA e da sua coordenadora. O futuro passava pela correlação de forças entre as várias sensibilidades dentro do MFA.
( em memória do general Vasco Gonçalves)
Em 1975, eclodiu um golpe que dava expressão militar ao que, desde a hora seguinte à proclamação da Revolução do 25 de Abril, se desenhava com as mais variadas formas e usando os mais variados meios.
A contra revolução tentava, destruir o 25 de Abril na pior das hipóteses, metê-lo nos carris estreitos de uma democracia formal muito controlada, mantivesse no essencial o domínio do capital, na melhor das hipóteses.
Depois do 25 de Abril, a celebrada aliança Povo-MFA, impulsionou a Revolução Portuguesa sem que de facto existisse um poder revolucionário e sem que o Estado se tivesse transformado em correlação com o processo revolucionário em curso.
A grande particularidade dessa situação era coexistirem, tanto no MFA como no Estado, forças revolucionárias e forças contra-revolucionárias.
Apesar de o 1º Governo Provisório ter dentro de si, sempre activa e efervescente a conspiração reaccionária, que desembocaria na tentativa de golpe Palma Carlos-Sá Carneiro, pressionada pelo Presidente da República, general Spínola, havia evidentes medidas de democratização do regime. Extinguiram-se a PIDE-DGS, a Legião, a Mocidade Portuguesa, exoneraram-se muitos notórios fascistas na Função Pública, nas Forças Armadas, substituíram-se nas autarquias locais os dirigentes nomeados pelo fascismo, as mulheres tiveram acesso à magistratura, acabou-se com a censura e a gestão da televisão e da rádio foram entregues a comissões administrativas.
No plano económico fixou-se o salário mínimo nacional, actualizaram-se reformas, estabeleceram-se medidas que protegiam as pequenas e médias empresas, procurou-se evitar as fugas de capital e controlaram-se os levantamentos bancários. No plano simbólico com alto significado para os trabalhadores, o 1º de Maio foi instituído como feriado nacional. Mas, no seu essencial, o Estado fascista, oleado por mais de quarenta anos de ditadura, mantinha estruturas, hábitos e mesmo dirigentes. O poder económico continuava praticamente intacto.
Derrotada a primeira conspiração visível contra a Revolução de Abril, o já referido golpe Palma Carlos-Sá Carneiro, continuando Spínola, os governos provisórios seguintes empreenderam reformas importantes, desde principiar o processo de descolonização à regulamentação dos direitos de associação e de actividade dos partidos, o direito de greve. Nacionalizou os bancos emissores, Banco de Portugal, Banco Nacional Ultramarino e Banco de Angola, reviu-se o estatuto remuneratório e as carreiras dos funcionários públicos, etc.
A revolução, sobretudo impulsionada pela luta das massas populares, obrigava a que se tomassem medidas positivas isto enquanto o poder político era muito fraccionado, multiplicando-se os órgãos de decisão com composições instáveis e mesmo contraditórias, a todos os níveis. No terreno e no poder a revolução e a contra-revolução confrontavam-se, numa luta cada vez mais áspera. Enquanto se avançava decididamente na conquista das liberdades e da melhoria das condições de vida, o poder económico, a banca, as grandes companhias monopolistas, os latifundiários mantinham uma gigantesca base de apoio que continuava a lutar contra a Revolução usando a figura de Spínola.
O 25 de Abril tinha liquidado o capitalismo monopolista de estado e o poder político dos monopólios mas não o seu poder económico. Essa era a via por onde o grande capital actuava, tentando sabotar a Revolução, nunca perdendo de vista o objectivo de recuperar o poder político. Falhada a primeira tentativa logo outra, mais cuidada e muito melhor preparada, se seguiu, o golpe da Maioria Silenciosa em 28 de Setembro de 1974.A marcha sobre Lisboa de uma suposta Maioria Silenciosa foi impedida, por acção dos trabalhadores, dos democratas e do MFA. Spínola foi obrigado a demitir-se acompanhado por três membros da Junta de Salvação Nacional, decididamente alinhados com a direita mais reaccionária.
Era uma luta com poucas tréguas num ambiente político muito efervescente, em que as forças reaccionárias e contra revolucionárias se multiplicavam. Formações políticas, á esquerda e à direita, surgiam como cogumelos. Aparentemente o leque político tinha uma amplitude inusitada. A provocação de crises tinha origem tanto na direita mais ultra montana como nos grupos esquerdistas mais radicais, de facto conluiados no objectivo de destruir a Revolução de Abril, com o beneplácito de outros partidos ávidos de tirarem bónus dessas situações de instabilidade em seu próprio benefício, prevendo liquidarem ou absorverem gente desses grupos.
Continuando a deter um imenso poder económico, a sabotagem continuava e intensificou-se em paralelo com o aumento de manifestações provocatórias, golpes de mão contra estruturas eleitas democraticamente, nas autarquias, escolas, sindicatos. Aceleravam-se conflitos sociais. A violência cresce e é de referir a sucedida em Setúbal em que o PPD provoca, os esquerdistas colaboram actuando irresponsavelmente arrastando consigo muita gente séria e justamente indignada, as forças militarizadas metralham.
O que se pretendia com estas e outras acções era demonstrar que o caos e a desordem varriam o país e que era necessário por ordem numa situação que eles queriam fazer crer que não tinha rei e estava a perder o roque. Os boatos zunzunavam a toda a hora. A intriga contra o MFA tinha proporções alarmantes. A direita e os seus aliados naturais e os conjunturais, com notoriedade para os que se sentam à sua esquerda, difundia que aquele estado de coisas era favorável às forças revolucionárias, para quem uma situação de quanto pior melhor, seria favorável. É uma mentira de antanho.
Uma situação de quanto pior melhor, de facto, puxa as pessoas para fora de branduras, empurrando-as para actuar e reflectir, mas a primeira reacção, a mais natural e também a mais induzida é de amedrontamento, o que só beneficia a contra-revolução e as ideias contra-revolucionárias.
O golpe militar de 11 de Março, a sua preparação, é um magnífico exemplo, falhado, dessa teoria. Preparado em pormenor. Criando-se uma agitação artificial que se misturava em doses anormais com as agitações sustentadas por reivindicações justas, gerou-se um ambiente aparentemente insustentável que o Estado democrático não conseguiria controlar. O golpe foi rapidamente dominado pela acção conjunta das forças armadas comprometidas com o 25 de Abril e a povo que acorreu em seu apoio.
Foi dominado rapidamente, mas não foi fácil como agora se pretende fazer acreditar e muito de nós, civis que acorremos ao RAL-1, interpondo-nos entre sitiados e sitiantes, ainda temos bem presente os momentos de tensão vividos, até os militares, de um e outro lado, desmobilizarem e confraternizarem.
Uma página, e que página foi virada na Revolução de Abril. Finalmente o poder económico que desde a primeiro hora, desde o primeiro cravo, tinha minado a Revolução ia ser atingido no seu cerne com o inicio do processo de Nacionalizações e a Reforma Agrária,
A história do 11 de Março ainda está por fazer, se é que algum dia se venha a fazer em toda a sua dimensão e verdade. Negando mesmo as próprias evidências, os fascistas, a direita, chegam ao descaro de afirmar que o 11 de Março foi um “golpe de esquerda, uma farsa, uma miserável inventona organizada criminosamente pela loucura e baixeza de carácter do governo gonçalvista”. Sá Carneiro escreve no Povo Livre que o 11 de Março foi “uma inventona fomentada por oficiais e forças ligadas ao PCP”. Dessa gente, entalados e enredados, directa e indirectamente, desde o primeiro momento, nos golpes contra-revolucionários outra coisa não seria de esperar. Como falharam, mentem com todo o descaramento. Todos os golpes tentados e falhados, são dadas como manobras das forças revolucionárias.
Se tivessem triunfado haveríamos de vê-los impantes e capazes de rivalizarem com os torcionários que, em qualquer parte do mundo, não olham a meios para mudarem e atrasarem o curso não inexorável da história. Não há mentiras, das mais grosseiras às mais sofisticadas, seja uma ou mil e uma, que desmintam a realidade dos três golpes directos, visíveis que se fizeram contra o 25 de Abril, que emergiram do pântano de pequenos golpes e rasteiras com que o continuam a afundar, desde o primeiro segundo.
Mais complexa e dúbia é a atitude do PS. Nesse ano, no Portugal Socialista, orgão oficial do PS, põe-se em dúvida que o 11 de Março tenha sido um golpe contra-revolucionário, classifica-se o 28 de Setembro de intentona. Mário Soares diz sobre o 11 de Março “ que ainda não foi dada ao país explicação total”. Manuel Alegre acrescenta “que para uns foi um golpe da extrema-direita, para outros do KGB” e que ele “não está em condições de dizer ao certo o que foi”. Seria bom que participassem no esclarecimento do golpe do 11 de Março. Provavelmente até dispõem de preciosa informação. Porque o que não é crível e ninguém acredita, é que Spínola tinha ido instalar-se em Tancos com grande aparato, se não tivesse enormes cumplicidades políticas, vastos comprometimentos militares que ele somava à prosápia pessoal de supor ter maior influência nesses meios do que realmente tinha.
Ninguém acredita que tudo acabasse por se resumir a umas tantas granadas largadas sobre o RAL-1 e ao cerco do quartel realizado por uma companhia de paraquedistas, pra mais sabendo-se que havia uma proclamação escrita por Spínola que iria ser lida na rádio e na televisão. De quem seria a voz? Deveria ser alguém habituada aos microfones. De preferência uma voz tonitruante quanto baste para actuar eficazmente sobre os ouvintes.
Aqui está mais uma divulgação interessante que ajudaria a clarificar o que de facto se passou e a extensão dos implicados.
A história é sempre a história feita pelos vencedores.
Os vencedores do 11 de Março, são muitos e não são os que venceram aquela batalha. Sentem e sabem que as suas repercussões são tão fortes que, ainda hoje, os vemos insinuar as hipóteses mais malévolas e de todo improváveis, para tornar o 11 de Março, numa cabala impossível, numa aventura militar quase inexplicável, para travestir e ocultar as suas cumplicidades, maiores ou menores, com os golpistas.
Outros, num arco que engloba alguns dos que participaram por convicção aos que foram circunstancialmente empurrados, apressam-se a demarcar-se e/ou fazer sibilinas observações do que posteriormente se passou, particularmente no Movimento das Forças Armadas no aproveitamento espúrio de todas as contradições que aí sempre existiram.
O alvo dessa gente, além de exibirem fotografias de bom comportamento para ser ou continuar a ser recompensados, é sempre o mesmo. Lançar suspeições sobre o processo revolucionário. Uns nunca se limparão das nódoas que se espalham inapagáveis nos seus percursos oportunistas.
Outros, com pequenas nódoas sem interesse de maior, correm mesmo assim para a praça pública para, com pusilanimidade, as esfregarem com benzina, para que se espalhe o cheiro do seu arrependimento ou para que o seu discernimento na altura seja agora reconhecido.
Tudo isto é bastante fedorento, mas não se deve menorizar porque objectivamente, estão todos dentro do mesmo saco a contribuir, ainda que de forma diversa, para a lavagem da história.
A verdade histórica é contingente. A revolução, os revolucionários nunca estarão fora do alvo, mesmo dos mais bem-intencionados os que, como dizia Robespierre, querem fazer revoluções sem revolução. São bastante raros, embora existam.
Das três tentativas de grandes golpes contra revolucionários em que a Revolução de Abril saiu triunfante, o 11 de Março, por ter tido uma componente militar visível, o golpe Palma Carlos-Sá Carneiro foi um golpe palaciano, o 28 de Setembro organizava-se como um movimento popular, é o mais e denegrido e vítima das maiores falsificações dos que estão sempre prontos a reescrever e a branquear a história.
O 11 de Marco, depois do 25 de Abril foi a maior vitória da aliança do Povo-MFA. na defesa da Revolução dos Cravos.
Hoje, celebremos essa vitória, num momento em procuram atirar o que ainda subsiste das conquistas de Abril para o caixote de lixo.
Hoje, não é demais repetir que UNIDOS, VENCEREMOS! como gritámos nesse dia, mesmo quando as derrotas são maiores que as vitórias.
Praça do Bocage
Em 1975, eclodiu um golpe que dava expressão militar ao que, desde a hora seguinte à proclamação da Revolução do 25 de Abril, se desenhava com as mais variadas formas e usando os mais variados meios.
A contra revolução tentava, destruir o 25 de Abril na pior das hipóteses, metê-lo nos carris estreitos de uma democracia formal muito controlada, mantivesse no essencial o domínio do capital, na melhor das hipóteses.
Depois do 25 de Abril, a celebrada aliança Povo-MFA, impulsionou a Revolução Portuguesa sem que de facto existisse um poder revolucionário e sem que o Estado se tivesse transformado em correlação com o processo revolucionário em curso.
A grande particularidade dessa situação era coexistirem, tanto no MFA como no Estado, forças revolucionárias e forças contra-revolucionárias.
Apesar de o 1º Governo Provisório ter dentro de si, sempre activa e efervescente a conspiração reaccionária, que desembocaria na tentativa de golpe Palma Carlos-Sá Carneiro, pressionada pelo Presidente da República, general Spínola, havia evidentes medidas de democratização do regime. Extinguiram-se a PIDE-DGS, a Legião, a Mocidade Portuguesa, exoneraram-se muitos notórios fascistas na Função Pública, nas Forças Armadas, substituíram-se nas autarquias locais os dirigentes nomeados pelo fascismo, as mulheres tiveram acesso à magistratura, acabou-se com a censura e a gestão da televisão e da rádio foram entregues a comissões administrativas.
No plano económico fixou-se o salário mínimo nacional, actualizaram-se reformas, estabeleceram-se medidas que protegiam as pequenas e médias empresas, procurou-se evitar as fugas de capital e controlaram-se os levantamentos bancários. No plano simbólico com alto significado para os trabalhadores, o 1º de Maio foi instituído como feriado nacional. Mas, no seu essencial, o Estado fascista, oleado por mais de quarenta anos de ditadura, mantinha estruturas, hábitos e mesmo dirigentes. O poder económico continuava praticamente intacto.
Derrotada a primeira conspiração visível contra a Revolução de Abril, o já referido golpe Palma Carlos-Sá Carneiro, continuando Spínola, os governos provisórios seguintes empreenderam reformas importantes, desde principiar o processo de descolonização à regulamentação dos direitos de associação e de actividade dos partidos, o direito de greve. Nacionalizou os bancos emissores, Banco de Portugal, Banco Nacional Ultramarino e Banco de Angola, reviu-se o estatuto remuneratório e as carreiras dos funcionários públicos, etc.
A revolução, sobretudo impulsionada pela luta das massas populares, obrigava a que se tomassem medidas positivas isto enquanto o poder político era muito fraccionado, multiplicando-se os órgãos de decisão com composições instáveis e mesmo contraditórias, a todos os níveis. No terreno e no poder a revolução e a contra-revolução confrontavam-se, numa luta cada vez mais áspera. Enquanto se avançava decididamente na conquista das liberdades e da melhoria das condições de vida, o poder económico, a banca, as grandes companhias monopolistas, os latifundiários mantinham uma gigantesca base de apoio que continuava a lutar contra a Revolução usando a figura de Spínola.
O 25 de Abril tinha liquidado o capitalismo monopolista de estado e o poder político dos monopólios mas não o seu poder económico. Essa era a via por onde o grande capital actuava, tentando sabotar a Revolução, nunca perdendo de vista o objectivo de recuperar o poder político. Falhada a primeira tentativa logo outra, mais cuidada e muito melhor preparada, se seguiu, o golpe da Maioria Silenciosa em 28 de Setembro de 1974.A marcha sobre Lisboa de uma suposta Maioria Silenciosa foi impedida, por acção dos trabalhadores, dos democratas e do MFA. Spínola foi obrigado a demitir-se acompanhado por três membros da Junta de Salvação Nacional, decididamente alinhados com a direita mais reaccionária.
Era uma luta com poucas tréguas num ambiente político muito efervescente, em que as forças reaccionárias e contra revolucionárias se multiplicavam. Formações políticas, á esquerda e à direita, surgiam como cogumelos. Aparentemente o leque político tinha uma amplitude inusitada. A provocação de crises tinha origem tanto na direita mais ultra montana como nos grupos esquerdistas mais radicais, de facto conluiados no objectivo de destruir a Revolução de Abril, com o beneplácito de outros partidos ávidos de tirarem bónus dessas situações de instabilidade em seu próprio benefício, prevendo liquidarem ou absorverem gente desses grupos.
Continuando a deter um imenso poder económico, a sabotagem continuava e intensificou-se em paralelo com o aumento de manifestações provocatórias, golpes de mão contra estruturas eleitas democraticamente, nas autarquias, escolas, sindicatos. Aceleravam-se conflitos sociais. A violência cresce e é de referir a sucedida em Setúbal em que o PPD provoca, os esquerdistas colaboram actuando irresponsavelmente arrastando consigo muita gente séria e justamente indignada, as forças militarizadas metralham.
O que se pretendia com estas e outras acções era demonstrar que o caos e a desordem varriam o país e que era necessário por ordem numa situação que eles queriam fazer crer que não tinha rei e estava a perder o roque. Os boatos zunzunavam a toda a hora. A intriga contra o MFA tinha proporções alarmantes. A direita e os seus aliados naturais e os conjunturais, com notoriedade para os que se sentam à sua esquerda, difundia que aquele estado de coisas era favorável às forças revolucionárias, para quem uma situação de quanto pior melhor, seria favorável. É uma mentira de antanho.
Uma situação de quanto pior melhor, de facto, puxa as pessoas para fora de branduras, empurrando-as para actuar e reflectir, mas a primeira reacção, a mais natural e também a mais induzida é de amedrontamento, o que só beneficia a contra-revolução e as ideias contra-revolucionárias.
O golpe militar de 11 de Março, a sua preparação, é um magnífico exemplo, falhado, dessa teoria. Preparado em pormenor. Criando-se uma agitação artificial que se misturava em doses anormais com as agitações sustentadas por reivindicações justas, gerou-se um ambiente aparentemente insustentável que o Estado democrático não conseguiria controlar. O golpe foi rapidamente dominado pela acção conjunta das forças armadas comprometidas com o 25 de Abril e a povo que acorreu em seu apoio.
Foi dominado rapidamente, mas não foi fácil como agora se pretende fazer acreditar e muito de nós, civis que acorremos ao RAL-1, interpondo-nos entre sitiados e sitiantes, ainda temos bem presente os momentos de tensão vividos, até os militares, de um e outro lado, desmobilizarem e confraternizarem.
Uma página, e que página foi virada na Revolução de Abril. Finalmente o poder económico que desde a primeiro hora, desde o primeiro cravo, tinha minado a Revolução ia ser atingido no seu cerne com o inicio do processo de Nacionalizações e a Reforma Agrária,
A história do 11 de Março ainda está por fazer, se é que algum dia se venha a fazer em toda a sua dimensão e verdade. Negando mesmo as próprias evidências, os fascistas, a direita, chegam ao descaro de afirmar que o 11 de Março foi um “golpe de esquerda, uma farsa, uma miserável inventona organizada criminosamente pela loucura e baixeza de carácter do governo gonçalvista”. Sá Carneiro escreve no Povo Livre que o 11 de Março foi “uma inventona fomentada por oficiais e forças ligadas ao PCP”. Dessa gente, entalados e enredados, directa e indirectamente, desde o primeiro momento, nos golpes contra-revolucionários outra coisa não seria de esperar. Como falharam, mentem com todo o descaramento. Todos os golpes tentados e falhados, são dadas como manobras das forças revolucionárias.
Se tivessem triunfado haveríamos de vê-los impantes e capazes de rivalizarem com os torcionários que, em qualquer parte do mundo, não olham a meios para mudarem e atrasarem o curso não inexorável da história. Não há mentiras, das mais grosseiras às mais sofisticadas, seja uma ou mil e uma, que desmintam a realidade dos três golpes directos, visíveis que se fizeram contra o 25 de Abril, que emergiram do pântano de pequenos golpes e rasteiras com que o continuam a afundar, desde o primeiro segundo.
Mais complexa e dúbia é a atitude do PS. Nesse ano, no Portugal Socialista, orgão oficial do PS, põe-se em dúvida que o 11 de Março tenha sido um golpe contra-revolucionário, classifica-se o 28 de Setembro de intentona. Mário Soares diz sobre o 11 de Março “ que ainda não foi dada ao país explicação total”. Manuel Alegre acrescenta “que para uns foi um golpe da extrema-direita, para outros do KGB” e que ele “não está em condições de dizer ao certo o que foi”. Seria bom que participassem no esclarecimento do golpe do 11 de Março. Provavelmente até dispõem de preciosa informação. Porque o que não é crível e ninguém acredita, é que Spínola tinha ido instalar-se em Tancos com grande aparato, se não tivesse enormes cumplicidades políticas, vastos comprometimentos militares que ele somava à prosápia pessoal de supor ter maior influência nesses meios do que realmente tinha.
Ninguém acredita que tudo acabasse por se resumir a umas tantas granadas largadas sobre o RAL-1 e ao cerco do quartel realizado por uma companhia de paraquedistas, pra mais sabendo-se que havia uma proclamação escrita por Spínola que iria ser lida na rádio e na televisão. De quem seria a voz? Deveria ser alguém habituada aos microfones. De preferência uma voz tonitruante quanto baste para actuar eficazmente sobre os ouvintes.
Aqui está mais uma divulgação interessante que ajudaria a clarificar o que de facto se passou e a extensão dos implicados.
A história é sempre a história feita pelos vencedores.
Os vencedores do 11 de Março, são muitos e não são os que venceram aquela batalha. Sentem e sabem que as suas repercussões são tão fortes que, ainda hoje, os vemos insinuar as hipóteses mais malévolas e de todo improváveis, para tornar o 11 de Março, numa cabala impossível, numa aventura militar quase inexplicável, para travestir e ocultar as suas cumplicidades, maiores ou menores, com os golpistas.
Outros, num arco que engloba alguns dos que participaram por convicção aos que foram circunstancialmente empurrados, apressam-se a demarcar-se e/ou fazer sibilinas observações do que posteriormente se passou, particularmente no Movimento das Forças Armadas no aproveitamento espúrio de todas as contradições que aí sempre existiram.
O alvo dessa gente, além de exibirem fotografias de bom comportamento para ser ou continuar a ser recompensados, é sempre o mesmo. Lançar suspeições sobre o processo revolucionário. Uns nunca se limparão das nódoas que se espalham inapagáveis nos seus percursos oportunistas.
Outros, com pequenas nódoas sem interesse de maior, correm mesmo assim para a praça pública para, com pusilanimidade, as esfregarem com benzina, para que se espalhe o cheiro do seu arrependimento ou para que o seu discernimento na altura seja agora reconhecido.
Tudo isto é bastante fedorento, mas não se deve menorizar porque objectivamente, estão todos dentro do mesmo saco a contribuir, ainda que de forma diversa, para a lavagem da história.
A verdade histórica é contingente. A revolução, os revolucionários nunca estarão fora do alvo, mesmo dos mais bem-intencionados os que, como dizia Robespierre, querem fazer revoluções sem revolução. São bastante raros, embora existam.
Das três tentativas de grandes golpes contra revolucionários em que a Revolução de Abril saiu triunfante, o 11 de Março, por ter tido uma componente militar visível, o golpe Palma Carlos-Sá Carneiro foi um golpe palaciano, o 28 de Setembro organizava-se como um movimento popular, é o mais e denegrido e vítima das maiores falsificações dos que estão sempre prontos a reescrever e a branquear a história.
O 11 de Marco, depois do 25 de Abril foi a maior vitória da aliança do Povo-MFA. na defesa da Revolução dos Cravos.
Hoje, celebremos essa vitória, num momento em procuram atirar o que ainda subsiste das conquistas de Abril para o caixote de lixo.
Hoje, não é demais repetir que UNIDOS, VENCEREMOS! como gritámos nesse dia, mesmo quando as derrotas são maiores que as vitórias.
Praça do Bocage
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