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Daniel Oliveira defende que a polémica em torno do resort Zmar Eco Experience deve servir de "lição para sermos mais críticos com o que nos enfiam pela goela abaixo nas televisões".
No espaço de opinião que ocupa à terça-feira na TSF, o comentador começa por explicar que "por causa da crise pandémica em Odemira, um país distraído descobriu que milhares de imigrantes vivem em condições sub-humanas, amontoando-se aos 20 em pequenas casas, que são escravizados nas explorações agrícolas nacionais, que trabalham anos para pagar dívidas a máfias que controlam a sua entrada e contratação, que são esmifrados por empresas de trabalho temporário que os agricultores contratam por lhes garantirem mão-de-obra a preços impossíveis".
No entanto, Daniel Oliveira sublinha que "o país só acordou para isto, porque as condições de vida destes imigrantes de Odemira tiveram como efeito o aumento do número de contágios e isso afetou cidadãos portugueses".
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"Mal isso se resolveu, voltámos todos às nossas vidas, mas antes ouvimos de dirigentes da CAP que não se importariam de passar férias nos contentores onde estas pessoas são armazenadas ou que quem gosta de tomate-cereja deve viver bem com esta exploração desumana", continua.
Na perspetiva do jornalista "esta polémica revelou muito das misérias nacionais", já que, enquanto o país discutia "situações dramáticas e soluções para elas", um grupo "de proprietários de umas casas de férias de um resort instalado em plena rede Natura 2000 que foi licenciado apenas como parque da campismo - licença que caducou em 2019 -conseguiu virar para si os holofotes".
"Ninguém percebeu como aquilo aconteceu e só muito lentamente se vai descobrindo a história opaca deste empreendimento. Os proprietários das cabanas recusavam que as suas casas fossem ocupadas por imigrantes infetados, como teria decidido o Governo, através de um requisição civil. Quando foi esclarecido que os imigrantes não iriam para as suas casas mas apenas para as geridas pela Zmar, protestaram: era um risco para a sua saúde. Quando foi esclarecido que só iam para lá pessoas testadas e não infetadas, passou a ser porque assim não haveria turistas - como se algum turista estivesse a planear ir passar férias numa das únicas freguesias em cerca sanitária em Portugal. Por fim, estava em causa a propriedade privada, mas ficou claro que estes proprietários apenas eram donos das cabanas, já que o terreno não pode ser loteado e sobre ele pagam apenas uma autorização de uso", sustenta.
O jornalista sublinha que, "durante semanas, o país acompanhou o drama da Zmar, que, incompreensivelmente, ganhou primazia sobre o verdadeiro drama que se vivia ao lado nas casas sobrelotadas dos imigrantes e na crise de saúde pública de Odemira".
Daniel Oliveira lembra que "o bastonário dos Advogados deslocou-se ao local e pediu à Comissão de Direitos Humanos da Ordem para intervir não em nome dos imigrantes carentes de apoio jurídico, mas dos proprietários das casas de férias e do seu advogado".
O comentador acrescenta ainda que "CDS, Iniciativa Liberal e Chega, com a companhia mais discreta do PSD, criaram um cordão solidário".
"O problema, recordo, já se resumia a ter alguns imigrantes testados e saudáveis como vizinhos provisórios no meio de uma crise pandémica. Na semana passada, esta história chegou ao fim. Os direitos humanos ficaram resolvidos pela módica quantia de 100 euros de diária. Fui ao site do Zmar e está próximo do valor comercial sem pequeno-almoço. O aluguer multiplica-se por 34 cabanas durante 63 dias, mesmo as que não foram nem vão ser usadas. O total é de 214 mil euros de totoloto para um empreendimento que até conseguiu extorquir ao Estado o uso de cabanas que ficaram vazias e, apesar do acordo, não se comprometem a não avançar com um processo judicial", explica.
Para Daniel Oliveira, "Cabrita voltou a fazer asneira porque a requisição civil foi mal redigida, mas esta é uma lição para sermos mais críticos com o que nos enfiam pela goela abaixo nas televisões".
"Os protestos, a indignação comovida dos donos daquelas cabanas, a comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados e a intervenção de um bastonário num conflito entre particulares e o Estado, patrocinando uma das partes e a absurda exposição de um caso menor graças aos bons contactos nas redações que alguns grupos sociais sempre têm, tiveram um único objetivo: vencer uma barganha negocial para sacar mais dinheiro para um empreendimento insolvente", defende.
Daniel Oliveira recorda que "se a Zmar falir, os donos das cabanas têm de mudar de lugar, porque apenas são proprietários das tábuas, não do terreno".
"Não discuto este excelente acordo para a Zmar, um empreendimento que nasceu e cresceu em mais um esquema onde nem a família Espírito Santo faltou, apenas sublinho que para que a Zmar conseguisse o máximo de dinheiro dos contribuintes, os interessados conseguiram mobilizar enormes recursos mediáticos. Imaginem que os imigrantes conseguiam o mesmo para viverem com o mínimo de dignidade", remata.
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