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Assisti, nos primeiros meses como jornalista, à manifestação pela criação dos sindicatos de polícias, no Terreiro do Paço. As grotescas imagens que o então primeiro-ministro Cavaco Silva ofereceu ao mundo, com polícias a carregarem sobre polícias, no que poderia ter acabado numa tragédia, deram o nome a este acontecimento histórico: “secos e molhados”, por causa dos canhões de água usados contra os manifestantes. A luta vinha de longe, liderada pelo já falecido José Carreira. Mas foi ali que os sindicatos de polícia se tornaram inevitáveis.
Vi aquela gente corajosa resistir sem sinal de violência à carga policial. Foram os anos em que os agentes da PSP foram liderados por homens sérios, sindicalistas de corpo inteiro, democratas convictos. José Carreira, que fundou o que hoje é a ASPP-PSP, foi perseguido durante anos pelos sucessivos comandos que, depois de resistirem ao sindicalismo, contribuíram para promover a multiplicação de sindicados, com o objetivo de dividir para reinar. Hoje são 17 ou 18 sindicatos.
Qualquer semelhança da manifestação do Terreiro do Paço, em 1989, com a que assistimos na semana passada é pura coincidência. Esta não foi organizada por uma associação com líderes conhecidos e sem medo das consequências dos seus atos para exigir o direito a ter um sindicato, mas por um movimento clandestino cujos seus dirigentes não exibem a sua cara e identidade. Segundo os jornais, quem liderou a manifestação no terreno foi um negacionista de extrema-direita que tem tanto a ver com a polícia como eu. Há relatos de ordens anónimas, vindas pelo Telegram.
A manifestação não cumpriu o percurso combinado (ao contrário do que li e ouvi, em Portugal não há manifestações ilegais) e trocou as voltas aos agentes em serviço, andando para cima e para baixo, causando o caos na cidade de Lisboa. Ali, esteve o oposto do que se espera de agentes de polícia: indisciplina, incumprimento da lei e desrespeito pelo trabalho dos colegas. Falamos muitas vezes do mau exemplo dado pelos políticos. Mas o exemplo não é devido apenas aos políticos. Quando os polícias não cumprem as regras põem em causa a sua própria autoridade e, com ela, a autoridade da lei. Quando dificultam o trabalho dos seus colegas não podem esperar que outros façam diferente. A autoridade não é dada apenas pela farda.
Por mais simpatia que possa ter pelas reivindicações dos polícias, aquilo a que assistimos na semana passada nada tem a ver com uma luta laboral. Pelo contrário, este movimento clandestino, provavelmente liderado de fora da PSP, tem como primeiro objetivo enfraquecer os principais sindicatos da polícia, deixando os seus agentes tão desprotegidos como estavam no tempo dos "secos e molhados". Talvez por isso ainda não se tenha assistido a uma ação exemplar do comando da Policia de Segurança Pública.
Aqui e em muitas as democracias, a extrema-direita leva a cabo ações subversivas para pôr em causa a autoridade do Estado democrático. Alimentar uma cultura de desobediência à lei por parte de quem tem o dever de a defender é um passo fundamental para criar a insegurança e fomentar a degradação das instituições. E é por isso que manter à frente de do Ministério da Administração Interna alguém sem qualquer autoridade já não teimosia. Já não é irresponsável. É um atentado contra a democracia.
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