História revelada no livro “Aterrem em Portugal”, do jornalista algarvio Carlos Guerreiro, chamou a atenção de Michael Peise
Jaime Nunes, José e Manuel Mascarenhas eram pescadores. A noite de 30 de Novembro de 1943 seria igual a tantas outras, na pesca da corvina. Mas o que aconteceu ao largo da ilha de Faro, perto do barco onde seguiam, não os deixou indiferentes. De repente, ouviram um grande estrondo, seguido de faíscas. Um avião bombardeiro, da Marinha Americana, tinha acabado de se despenhar. Ouvindo os gritos de ajuda, os algarvios apressaram-se em ir acudir os tripulantes. Conseguiram salvar seis e agora, 78 anos depois, vão ter um memorial em sua homenagem, em Faro.
A ideia desta escultura, que vai nascer na zona da Doca de Faro, já é antiga e tem um rosto: Michael Pease, um britânico de 90 anos que mora no Algarve há décadas.
«O meu interesse por esta história magnífica? É engraçado e temos de ir muito atrás», começa por dizer ao Sul Informação.
Foi através do livro “Aterrem em Portugal”, do jornalista algarvio Carlos Guerreiro, onde é contada a história, que Michael se apaixonou pelo ato de coragem de Jaime Nunes, José Mascarenhas e o seu filho Manuel.
«Posso dizer que fiquei muito impressionado com a história destes pescadores. O próprio papel de Portugal na II Guerra Mundial é algo que me interessa bastante e que me levou a imensas pesquisas. Apesar da posição neutral, aconteceram cá muitas coisas e o país teve um papel importante», conta.
Exemplo disto é esta história. É que o PB4Y-1, uma versão americana do bombardeiro B-24, despenhou-se a 12 milhas da ilha de Faro, depois de um dia de patrulha de submarinos e barcos alemães, em plena II Grande Guerra.
O avião tinha partido da base de Port Lyautey, em Marrocos, mas perdeu-se, ficou sem combustível e acabou por se despenhar. A bordo, estavam 11 pessoas: cinco morreram e os corpos nunca foram encontrados. Os destroços do avião haviam de ser encontrados, no fundo de água, a 20 metros de profundidade, por José Vieira, muitos anos depois.
E as outras seis pessoas? O que lhes aconteceu? É aqui que entram os pescadores algarvios.
Apesar do susto inicial, devido ao fumo e às faíscas, decidiram que tinham de ajudar estes americanos.
No pequeno barco a remos em que seguiam, conseguiram colocar seis dos tripulantes. Esperaram pela maré até que acostaram no cais de Faro, já na madrugada de 1 de Dezembro.
Os americanos acabaram por receber cuidados hospitalares, salvaram-se, mas a história dos três pescadores foi abafada pelo Estado Novo – Portugal era, no papel, um país neutral nestas questões da Guerra e queria passar-se a ideia de que os conflitos eram lá longe.
Só que, tamanho ato de coragem, mesmo tantos anos depois, «tinha de ser celebrado», diz Michael Pease.
O britânico sempre achou que «a história precisava de um memorial», um objeto físico e, conta, teve a «sorte de encontrar uma grande escultora, a Toin Adams, que mora perto de Boliqueime».
A artista, nascida no Zimbabué, mas residente no Algarve, garante que a escultura está «quase pronta».
«Usámos duas toneladas e meia de ferro, foi um trabalho demorado, mas conto que, numa semana, esteja tudo tudo finalizado», diz ao Sul Informação.
As chapas, que compõem a escultura que terá cerca de 5 metros de altura, representam o barco, os pescadores e os tripulantes a serem resgatados.
O desenho foi de Toin Adams que contou com a ajuda de «cerca de 15 pessoas», entre elas Marco Cristóvam e Crestin Razvan, ambos ferreiros.
«Mas tivemos muito mais gente a vir ter connosco a ajudar apenas porque sentiam que o projeto era interessante! A pessoa mais nova a trabalhar na obra tem 15 anos e até a minha mãe ajudou», conta Toin Adams, entre risos.
Para que o desejo de Michael Pease pudesse ganhar forma, houve o apoio da Câmara de Faro. O monumento custa 40 mil euros e mais de metade foi suportado pela autarquia.
A única questão ainda pendente é o exato local onde será instalada a escultura, mas já é certo que será na baixa de Faro. Rogério Bacalhau, presidente da Câmara, diz que, «do ponto de vista histórico, esta é uma obra que faz todo o sentido».
«Achamos a ideia muito interessante. Eu não conhecia a história, mas faz todo o sentido fazer aquilo ali [na baixa]», considera.
Apesar de não se comprometer com datas, o autarca aponta a inauguração, «se for possível», para Setembro. «Vamos ver se conseguimos, não estamos à pressa», explica.
Seja em que dia for, será «uma grande alegria» para Carlos Guerreiro, o jornalista que deu a conhecer a história que tanto impressionou Michael Peise.
«Eu dei-lhe a ajuda que pude, desde que entrou em contacto comigo, mas o mérito é todo do Michael. Este memorial vai homenagear este caso específico, mas devo dizer que, pelas minhas pesquisas, houve cerca de 1800 pessoas salvas, por portugueses, ao longo da II Guerra Mundial, entre submarinos ou desastres de avião», conta.
Foram, muitos deles, heróis anónimos, como o caso de Jaime Nunes, José e Manuel Mascarenhas que, certa noite, arriscaram uma noite de pesca para salvar seis pessoas.
Por insistência de Carlos Guerreiro, Jaime chegou a reencontrar Lyle Van Hook (um dos sobreviventes), ainda que por uma videoconferência, no longínquo ano de 1999. Também recebeu, já debilitado pela idade, um agradecimento da Marinha Americana pelo ato daquela noite de 1943.
Tantos anos depois, nenhum destes homens está vivo para ver a escultura que os homenageia e relembra. Mas a sua história – dos que salvaram e dos que foram salvos – nunca mais cairá em esquecimento.
Sem comentários:
Enviar um comentário