Josephine Baker – A Pérola Negra
Josephine Baker é considerada como a primeira diva negra norte-americana, filha talvez de pai branco que não se sabe ao certo quem foi e uma mãe negra e uma infância enfrentando diversas dificuldades. Conta-se que certo dia resolveu colocar adereços e apliques em seus cabelos e se transformou num artista multifacetada.
Josephine dançava, cantava e interpretava e dizem que era muito debochada, alegre e completamente fora dos padrões de sua época. Casou por três vezes e também adotou uma porção de filhos e conquistou a França. Josephine Baker tornou-se um símbolo de beleza e vitalidade das noites parisienses, uma verdadeira tempestade em plena década de 1920.
Josephine
Também dizem que não havia quem não se deslumbrasse a sua perfomance. Ela era americana, porém naturalizada francesa que ficou conhecida pelos apelidos de “Vénus Negra”, “Pérola Negra” e ainda a “Deusa Crioula”. Josephine foi vedeta do teatro de revista e é geralmente apontada como sendo a primeira grande estrela negra das artes cénicas.
Nasceu como Freda Josephine McDonald no dia 3 de junho de 1906, em Saint Louis, nos Estados Unidos, filha de Carrie McDonald e seu pai incerto. Começou sua carreira ainda criança como artista de rua, ora dançando, ora cantando e depois começou a participar de espetáculos de vaudeville no St. Louis Chorus, quando estava com quinze anos de idade.
Folies Bergère
Mais tarde atuou em Nova Iorque em alguns espetáculos da Broadway entre os anos de 1921 a 1924 e estreou em Paris em 02 de outubro de 1925 no Théatre dês Champs-Élysées. Rapidamente conquistou Paris com sua dança erótica e aparecendo quase praticamente nua no palco.
Tornou-se a estrela da Folies Bergère, que é uma casa de música parisiense do tipo cabaré, que esteve no ápice de sua fama e popularidade entre a década de 1890 a 1920 e que existe até os dias de hoje, onde funciona como casa de espetáculos. Lá Josephine fez apresentações memoráveis, inclusive uma em que vestia uma saia feita de bananas.
Josephine e Mistinguett
Suas atuações no teatro de revista incomodavam por demais a grande vedete francesa Mistinguett, que fazia suas apresentações com grande sensualidade cativando Paris e tornando-se a mais popular vedete de sua época, bem como a mais bem paga do mundo. Conta-se que Josephine e Mistinguett simplesmente se odiavam.
Além disso, disputavam a fama com todas as armas, porém as duas tinham diferente forma de arte, Mistinguett era mais elitista e Josephine mais popular. Durante a Segunda Guerra Mundial, Josephine Baker desempenhou um papel importante na resistência à ocupação francesa e com seu trabalho com a Cruz Vermelha.
Resistência Francesa
Tornou-se membro das forças Francesas Livres e se apresentou para as tropas. Foi correspondente honorável da Resistência Francesa e pelos seus feitos foi condecorada com a Cruz de Guerra pelas Forças Armadas Francesas e a Medalha da Resistência, além destes ganhou também o grau de Cavaleiro da Legião de Honra.
Durante os anos pós-guerra usou toda sua popularidade na luta contra o racismo e pela emancipação dos negros, apoiando o Movimento dos Direitos Civis de Martin Luther King. Quando o popular Stork Club de Nova Iorque recusou seu serviço, ela travou uma batalha de mídia com o colunista pró-segregação Walter Winchell. Foi nomeada pela Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor, também conhecida por NAACP, em honra de seus esforços.
Josephine Baker era bissexual
Josephine Baker era bissexual e foi casada oficialmente três vezes. A primeira com Willie Well, depois com William Baker e por fim com Jean Lion e também viveu entre os anos de 1973 a 1975 com Robert Brady. Conta-se que durante esses casamentos e relacionamento também manteve romances com diversas mulheres, inclusive com a pintora mexicana Frida Kahlo e com a cantora de blues Clara Smith, entre outras.
Apesar de nunca ter tido filhos adotou 12 crianças de várias nacionalidades, aos quais chamava de “tribo arco-íris”, além disso, tinha uma guepardo de estimação que se chamava Chiquita. Nos últimos anos de sua vida se converteu ao catolicismo romano e em 08 de abril de 1975, Baker estreou uma revista retrospectiva no Bobino em Paris, num espetáculo intitulado “Joséphine à Bobino 1975” celebrando seus 50 anos de carreira no show business.
Morte de Josephine Baker
Contudo, quatro dias depois Josephine Baker foi encontrada deitada tranquilamente em sua cama, cercada de jornais com resenhas brilhantes de sua performance. Na realidade Josephine estava em coma, depois de sofrer uma hemorragia cerebral e foi levada para o Hospital Pitié-Salpêtrière em Paris. Em 12 de abril de 1975, foi confirmada a sua morte, aos 68 anos de idade e foi enterrada no Cemitério de Mónaco.
Josephine Baker recebeu um funeral católico romano e foi a única mulher nascida nos Estados Unidos a receber honras militares francesas completas em seu funeral, ocasião que também ocorreu uma grande procissão e depois recebeu um culto familiar na Igreja Saint-Charles em Monte Carlo. Seu nome foi introduzido na Calçada da Fama de St. Louis e no Hall of Famous Missourians, bem como no Legacy Walk em Chicago, em Illinois, nos Estados Unidos.
Diversos filmes
Ela também participou de diversos filmes como “Sirene dos Trópicos” em 1927, “A Mulher do Folies Bergères” em 1927, “Zouzou” em 1934, “Princesse Tam Tam” em 1935 e “Fausse alerte” em 1945, entre outros. Em 3 de junho de 2017, durante o 111º aniversário de seu nascimento o Google lançou um animado Google Doodle, que consistiu de uma apresentação de slides sobre sua vida e realizações.
Seu nome também foi introduzido na Calçada da Fama de St. Louis e em 29 de março de 1995 no Hall of Famous Missourians e a Channing Avenue de St. Louis foi renomeada para Josephine Baker Boulevard, além disso, uma escultura de cera é exibida permanentemente no Museo Griot de História Negra, localizado em St. Louis, no Missouri. Em 2015, Josephine também foi introduzida no Legacy Walk em Chicago, em Illinois, nos Estados Unidos.
Château des Milandes
O famoso Château des Milandes, que era sua e local onde ela criou seus doze filhos é atualmente um local aberto ao público e exibe suas roupas que ela usava nos palcos, incluindo a famosa saia de banana, bem como fotografias e documentos de família, além da medalha da Legião de Honra, entre outros.
Até os dias atuais, Josephine Baker continua a influenciar diversas celebridades, incluindo a atriz Angeline Jolie, que adotou crianças e a cantora Beyoncé, que apresentou da conhecida dança da banana de Baker no show Fashion Rocks, em 2006.
Principais Fontes:
Wikipedia – Imdb – NWHM
Crónica de Osamu Nakagawa sobre a famosa e sensacional Josephine Baker, a primeira diva norte-americana
quiabodoido.com
www.dw.com /pt-br/1925-josephine-baker-estreia-em-paris/a-275053
1925: Josephine Baker estreia em Paris
A apresentação em 2 de outubro de 1925, em Paris, marcou o início da carreira de estrela de Josephine Baker.
Ao mesmo tempo em que encantou, sua sensualidade no palco foi criticada. Em Berlim, foi vaiada por nazis.
Na estreia da "Revue Nègre" em Paris, dia 2 de outubro de 1925, Josephine Baker tinha 19 anos de idade. Ela vinha das favelas de St. Louis, no Missouri.
Aos 8 anos, teve de começar a trabalhar como empregada doméstica. Com 13, juntou-se a um grupo teatral de terceira classe. Ela não nada, além de um talento artístico excepcional e a vontade férrea de vencer na vida.
Aos 16 anos, Josephine Baker foi para Nova York, onde conquistou um lugar no grupo das dançarinas do Music Hall. Não demorou para que a produtora Caroline Reagan enviasse Josephine Baker a Paris. Começou assim uma carreira ímpar.
Josephine Baker mesma conta: "Deixei os Estados Unidos num dia de neblina, em setembro, e desembarquei com o sol da França no coração. Eu decidi vir pois sabia através dos meus pais – oriundos de Martinica – que na França eu encontraria opiniões liberais, liberdade de pensamento e uma visão mais natural do corpo."
Protestos até de Paris
Josephine tinha razão. Inicialmente, mesmo na liberal Paris, ouviram-se alguns protestos após as suas primeiras apresentações. Mas foi muito mais forte o entusiasmo pela forma inteiramente nova de dançar.
Ela se contorcia sensualmente, dançava com movimentos de êxtase, cantava com voz de passarinho tropical. E não estava vestida com roupa nenhuma, a não ser uma saia de bananas.
Jean Cocteau a descreveu como "um ídolo de aço escuro e bronze, ironia e ouro". Seguiram-se apresentações nos Folies Bergères e no cassino de Paris. No Chez Josephine, ela mostrava todas as noites uma dança que trouxera do sul dos EUA e que ninguém ainda conhecia na Europa: o Charleston.
A popularidade de Josephine Baker era ilimitada.
Ela tornou-se o símbolo da decadente década de 1920 em Paris. Seus cabelos curtos, grudados na cabeça com brilhantina, à guisa de um capuz laqueado, tornaram-se moda para toda uma geração.
Josephine Baker mandou estofar os assentos do seu carro esporte com couro de cobra. Seu animal doméstico era um leopardo. Seus cachês milionários permitiam-lhe todo tipo de extravagância. Através do diretor de teatro Max Reinhard, a estrela exótica passou a apresentar-se também em Berlim.
Estrela nómada
Josephine Baker conta que era muito jovem quando chegou a Berlim: "Queria aproveitar tudo na vida.
Então, logo deixei Berlim e fui para Paris. Mal cheguei lá, comecei a sentir saudades de Berlim. Fiquei numa enorme indecisão entre esses dois amores."
Em Berlim, Josephine Baker teve o seu primeiro contato com o racismo na Europa. Os nazis começavam a ganhar terreno. Os simpatizantes do nazismo impediam, com vaias, as suas apresentações. Em alguns jornais, ela era difamada como "macaca".
Como penitência "pelos graves delitos contra a moral, cometidos por Josephine Baker", a cidade de Viena mandou celebrar missas especiais durante as suas apresentações. Josephine buscou então refúgio nos Estados Unidos. Em Nova Iorque, a artista negra foi expulsa de um restaurante "só para brancos". Decepcionada, ela retornou a Paris.
Résistance e 12 órfãos
O seu engajamento no movimento de resistência durante a Segunda Guerra Mundial valeu a Josephine Baker altas condecorações do Estado francês. No pós-guerra, ela realizou um dos seus desejos mais ardentes: como não tivesse filhos próprios, Josephine Baker adotou doze crianças órfãs de diversos países. E passou a dedicar-se exclusivamente à sua nova família. Mas a falta de dinheiro acabou levando-a de volta ao palco.
Baker: "É o mesmo problema no mundo inteiro!
Agora eu tenho uma grande família e preciso de muito dinheiro!"
Ela atuou no palco até quase os 70 anos de idade.
Em Paris, em abril de 1975, ela celebrou os seus 50 anos de vida artística com uma grande espetáculo: "Agora, tenho de dizer adeus e envio um grande beijo a todos!" Dois dias depois, sofreu um derrame cerebral: morria assim a estrela que também era chamada "Vênus Negra".
AS VISITAS A LISBOA
Josephine Baker (1906-1975) foi uma das primeiras estrelas a nível mundial. Negra, mulher e feminista, foram mais as vezes que a despiram com os olhos do que aquelas que guardaram as várias histórias de uma vida só. Foi espia, adoptou crianças pelo mundo fora, envolveu-se com a política. Esteve várias vezes em Portugal: para cantar, em missão, para adoptar
Augusto Mayer devia ter uns 15 anos quando conseguiu convencer o pai a levá-lo a ver "a Rainha Negra". Em Lisboa não se falava de outra coisa. E, para um rapaz daquela idade, entrar no Teatro da Trindade, mesmo que não distasse muito da loja de antiguidades que o pai tinha na Rua do Loreto, ao Largo de Camões, em Lisboa - e ele hoje, aos 84 anos, ainda gere - era fazer uma viagem a um outro mundo. Um mundo de festa.
"Havia lá de tudo. Todas as idades, todas as classes sociais. Eu era um rapaz, aquilo tudo era uma novidade." E aquela mulher, uma estrela que desafiava todos os desafios, "a estrela mais excêntrica e porventura mais famosa dos nossos tempos", como se escrevia nos jornais, era uma mulher que tinha a capital aos seus pés. Uma capital a viver um tempo electrizante, onde se cruzavam espiões a servir os Aliados, espiões alemães, agentes duplos, gente à espera do avião para os Estados Unidos da América... Lembra-se do filme Casablanca e do avião que seguiria para Lisboa? Lisboa era assim: o centro livre de uma Europa ocupada.
No Diário de Lisboa de 27 de Março de 1941 esperava-se que cumprisse o que há anos apenas se lia e, por vezes, se via nas actualidades que passavam nos cinemas: "Há elevação espiritual na sua técnica de dizer, [que] vence os ânimos mais frios, deslumbra os mais cépticos, ao tanger com estranho poder de expressão as cordas do sentimento ou do riso. Quanta distância vencida, até esta vitória de um talento feito de intuição, inteligência e sensibilidade?!"
O que dela se esperava era o que outros tinham visto, quase 20 anos antes, numa Paris feérica, onde "as vísceras de Baker eram feitas de cultura secular e o grito de charleston na sua boca era senão a espuma irisada da liquidação duma época".
"Josephine era, só pela sua cor e projecção popular, uma declaração política silenciosa que desafiava o statu quo social e político da primeira metade do século XX", diz o investigador e entusiasta João Moreira dos Santos que publicou este mês um livro sobre a bailarina e cançonetista, a propósito das suas passagens por Portugal. E acrescenta que "ela mesma percebeu que não podia silenciar sem calar a sua essência e um passado sofrido e marcado pela segregação racial na sua cidade natal, Saint Louis, e um presente de discriminação que, anacronicamente, não só persistia na sua pátria, os Estados Unidos da América, como recrudescia na Europa nazi dos anos 30/40".
"A negra endiabrada" esteve em Portugal por diversas vezes entre 1933 e 1960, de mera passagem casuística, porque eram aqui que aportavam os barcos com direcção ao Brasil ou vindos de lá, em tournée com os seus espectáculos, em missão especial a mando da resistência francesa, com o objectivo, especula-se, de adoptar uma criança, e para participar num programa de televisão, no início da RTP.
A biografia tem como subtítulo Crónica da artista, agente secreta, mãe universal e activista dos direitos cívicos. La Baker foi, segundo João Moreira dos Santos, "um sintoma da viragem dos tempos. E tornou-se, para o melhor e o pior, um símbolo vivo dos loucos e bipolares anos 20, a personificação do bem e do mal, consoante as ideologias em jogo".
Ela, que tanto incensava plateias com o despudor com que se exibia, como punha em fúria uma Europa autoritarista em ascensão: "Depois da guerra, dia a dia, a Europa vem abdicando da sua coroa imperial, das suas veleidades de soberania espiritual, da sua olímpica hegemonia. Hoje, é Josephine Baker e o seu charleston, o seu black bottom, o seu desengonçado e simiesco batuque que destronam a pureza estética da grande Arte", escreveu-se em Paris.
Ecos desses chegavam também aos jornais portugueses: Baker é, em Paris, "um carbúnculo - rutilo como a pedra preciosa do mesmo nome, venenosa e sádica, como a doença de igual apelido. O negro, esse borrão de tinta circunscrito à África, desaparecerá no oceano lívido das raças ariana e mongólica?", havia escrito Artur Portela no Diário de Lisboa de 11 de Fevereiro de 1930.
Uma visita-surpresa
Josephine Baker "a preta" era "um símbolo da libertação sexual e um rosto da emancipação das mulheres", escreve João Moreira dos Santos. Augusto Mayer lembra-se de uma sala cheia, de uma mulher bonita, de um corpo negro que nunca ninguém tinha visto em palco. "Era uma exuberância", conta-nos a rir.
Lisboa não era uma cidade desconhecida para Baker. Anos antes havia descido do paquete Massilia, que viajava de Bordéus rumo a Buenos Aires e ao Rio de Janeiro, para ali fazer uns espectáculos, e aportara no cais de Alcântara. Os seus vistosos chapéus e véus negros, "uma blusa "quase encarnada" e um longo e dispendioso casaco de peles", não passaram despercebidos a quem com ela se cruzou na rua.
E, de repente, quando os jornalistas do Diário de Notícias, cuja sede ainda estava no Bairro Alto, vêem entrar pela redacção dentro "três raparigas bem vestidas e cheias de alegria", perceberam de quem se tratava. Uma delas disse: "Estamos em Lisboa por umas horas. E conhecendo o nome deste grande jornal vínhamos pedir-lhe que nos indique um restaurante típico, com uma cozinha bem portuguesa." Acompanhada da sua secretária, Madeleine Chailot, e de uma amiga, Monique Lemb, foram encaminhadas para o restaurante Primavera, onde comeram, segundo os jornalistas do Diário de Lisboa, "sardinhas em conserva, robalos grelhados, bacalhau guisado à Primavera, fígado de vitela, salada de alface, arroz doce e fruta". E no fim brindaram com um vinho do Porto sob "vivas a Portugal".
"Aquela mulher vibrante e colorida como uma pimentinha do Novo Mundo, embrulhada num casaco petit gris riquíssimo", contaram no dia seguinte os jornalistas, chegou mesmo a cantar "não com a estridência do jazz, mas à meia voz tanguista - para não dar escândalo na pacífica travessa do Bairro Alto". C"est le Portugal, disse, "enchendo a minúscula sala com o seu riso alegre e travesso".
Os jornalistas não deixaram de a acompanhar até ao paquete e, perante o convite irrecusável de verem o interior da sua cabine, deliciaram-se com pormenores que só o fascínio justificava: "O camarote onde Josephine Baker viaja está literalmente cheio de flores. Há apenas o espaço para alguém ali se mexer. (...) Não há uma mesa à vista, nem mesmo um caixote. Mas Josephine, a vedeta que ganha milhões, não se prende com pequenas coisas. E é mesmo sobre um degrau da escada, numa posição de adorável simplicidade que nenhum fotógrafo teve a fortuna de surpeeender, que [nos] escreve umas palavras amáveis."
Baker a escrever, Baker a tricotar, Baker a sorrir e a mostrar "os grandes e lindos dentes, que eram uma ilha de brancura no mar vermelho dos seus lábios".
A sua relação com Lisboa, entre 1933 e 1960, começou no porto de Alcântara, passou pelas ruas do Bairro Alto, pelas flores que se vendiam na loja Paris em Lisboa, em pleno Chiado, pela livraria Barateira, subiu ao Teatro da Trindade e ao Largo da Misericórdia, foi até à Rua das Portas de Santo Antão, para um jantar de homenagem no Arcádia, onde hoje fica o restaurante Solmar, ao extinto Hotel Aviz, na Fontes Pereira de Melo, à casa do industrial Maxime Vaultier, na Rodrigues Sampaio, à Exposição do Mundo Português, em Belém, chegou a ir ao Estoril e acabou no aeroporto da Portela.
Mas, no jornal O Século de 30 de Março de 1941 (data em que Augusto Mayer a viu), aparece um poema assinado com as iniciais M.S. que não a poupa, nem ao seu espectáculo: "Mascavada na tez como ela é/ e em franciú mascarado, Josefina/ que da nossa brancura desafina/ e também desafina no couplet,/ Como aquela boneca que se vê/ nas garrafas de Rhum - bebida fina -/ surge no palco feita cantarina,/ e sem a gente perceber porquê/ Mas o público foi - enchente plena! -/ A fama de uma exótica pirueta/ vence na arte a concepção serena,/ E a ideia que ficou daquela treta, foi que, de novo, tinha ido à cena/ a famosa revista Ali à preta."
A má recepção dos espectáculos, especula-se, deveu-se à empresa Organarte, de um empresário russo que alugara o teatro ao lado de um edifício onde, diz-se, os alemães estavam instalados. Prometendo "um assombroso musical e artístico de todos os públicos", onde Baker apareceria nua, "não foram precisas mais que duas horas para a casa se passar completamente, ficando ainda muitos pedidos por atender". Mas o que se mostrou foi outra coisa. Disse o República que "quem o organizou tinha aí a Josephine Baker e, sem saber o que lhe fazer, andou à procura do pior que se podia arranjar, fosse o que fosse, para preencher aquele espaço de tempo que é costume durar o serão teatral. Foi a miséria das misérias". E o Século insiste: "Baker é uma vedeta que só o mau gosto, ou mais propriamente a depravação do mau gosto pode suportar."
Mesmo que, perante as críticas da noite de estreia, tenham sido alterados alguns números e feitas novas contratações, certo é que a razão para a presença de Baker em Lisboa não tinha muito a ver com espectáculos.
Uma espia disfarçada
O início da relação de Josephine Baker com a resistência francesa, começou em Paris, anos antes. "A sua primeira missão foi introduzir-se na Embaixada de Itália em Paris, por ocasião de um cocktail, e obter do adido militar informações sobre os planos do regime de Mussollini, o que conseguiu com facilidade. Ainda em Paris, na Embaixada de Portugal, ficou a par das negociações que a Alemanha efectuava em Lisboa para a reserva de uma doca seca destinada à reparação dos seus submarinos, informação prontamente transmitida à Armada Francesa." Quando chegou a Portugal, vinda de Tânger, anos mais tarde, a sua missão era outra.
Baker tinha uma missão encomendada pela resistência francesa, que se aproveitava do seu desejo de contribuição para a derrota dos alemães - que a detestavam e a faziam lembrar das proibições que a impediam de se apresentar nos Estados Unidos - para a fazerem passar mensagens. Precisava de obter um visto de entrada em Londres para o espião Jacques Abtley, já que este se encontrava bloqueado em Marrocos, uma vez que o consulado de Portugal em Casablanca se recusava a conceder-lho.
Baker contará nas suas memórias: "Acabada de desembarcar em Casablanca, tinha de apanhar o comboio para Tânger, com uma mala atafulhada de papéis de toda a espécie, de prospectos de teatro, mas entre as linhas havia uma outra coisa, escrita com água, vocês compreendem, a água simpática. Levava essa mala para Lisboa, era a minha primeira missão. Estava radiante e sabia-me sábia. Ah, sim! Sábia como a inocência."
A facilidade com que se podia disfarçar e a sedução que exercia nas mais diversas franjas do regime permitiam que circulasse, sem levantar suspeitas, por entre as festas nas embaixadas, os jantares nos hotéis e as estradas de Cascais. Os espectáculos, que depois de Lisboa foram para o Teatro Sá da Bandeira, no Porto, foram sendo prolongados. Baker usava a Livraria Barateira, perto do Teatro da Trindade, para fazer passar as suas mensagens, mas o visto nunca foi concedido. Baker acabou por partir.
Em 1958, quando regressou a Portugal, já a guerra tinha acabado e os seus objectivos eram outros. Tinha sido contratada pelo Casino Estoril para uma série de espectáculos. Chegou "sorridente, com uma saia azul e blusa branca, na cabeça um turbante colorido, nas orelhas duas argolas enormes". O Diário Popular garantia que "elegantíssima no seu recorte parisiense, comunicativa e intencional, alardeando um poder interpretativo que abrange todas as modalidades do music-hall, a grande vedeta trouxe-nos um vasto repertório que agradou sem reticências". Mas, mais uma vez, as razões eram outras.
Na imprensa dizia-se que queria adoptar uma criança portuguesa. Baker, que não podia ter filhos, adoptara, nos últimos anos, 12 crianças de várias nacionalidades e etnias. Chamava-lhe "A tribo do arco-íris". "Este meu pequeno mundo prova que não há diferenças raciais", contou ao Diário Popular. Era, segundo um jornalista, "a sua ONU de palmo e meio, sem votos, maiorias ou debates". Há fotografias que a mostram a visitar o orfanato da Misericórdia de Lisboa. Baker insistia em que nenhuma das crianças tivesse mais de um ano de idade "para não estranharem a mudança de ambiente". João Moreira dos Santos conta que não foi bem sucedida e socorre-se de uma frase do jornal República para o justificar: "Ela era uma negra. Que importa?"
Baker virá a Lisboa mais duas vezes. Uma delas, em 1958, em escala, vinda de Caracas, onde havia sido acusada de ter raptado uma criança. Equívoco que depressa se desfez, mas que não lhe granjeou uma nova criança para a sua tribo. Dois anos depois, virá à RTP, para uma emissão especial, para a qual pediu "a exorbitância de 25 contos" cantar Terra Seca, um poema onde dizia: "O negro vive sem esperança/ o negro nunca passa de um pobre negro./ (...) Porquê culpá-lo da cor da sua pele? Não é pecado ser-se somente um "preto"." Baker, mostram os registos, acompanhava os versos da canção com "olhares profundos para a cor da sua pele". E, depois, sob os olhares da polícia política, afirma: "Algumas vezes podemos chorar quando temos uma pele muito negra. Eu choro frequentemente... já chorei muito, mas tenho confiança em que chorarei cada vez menos. É verdade, porque somos todos irmãos, verdadeiros irmãos."
tiago.costa@publico.pt
VÍDEOS E IMAGENS
FILME MIX DE IMAGENS DE JOSEPHINE DANÇANDO
JOSEPHINE NUM NATAL COM OS SEUS FILHOS
JOSEPHINE EM LISBOA (?)
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