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sexta-feira, 4 de junho de 2021

O futuro da TAP não está decidido

 




















O futuro da TAP não está decidido

Desde Março de 2020 que a TAP está a passar por um dos momentos mais difíceis da sua história. Os efeitos da pandemia no sector da aviação civil foram devastadores em todo o mundo, reflectindo-se na fragilização financeira das empresas.

Se tudo correr bem, a pandemia vai passar e o tráfego aéreo vai recuperar em breve. Mas isto não garante que a vida da TAP vá ser mais fácil nos próximos tempos. Até porque os problemas da empresa já vinham de trás. Em parte, eles são resultado de opções políticas e de gestão. Em parte, decorrem das transformações que afectam o sector há vários anos.

De facto, a indústria da aviação comercial tem vindo a transformar-se desde muito antes da pandemia. Primeiro foi a liberalização do espaço aéreo e o aumento da concorrência. Depois, o 11 de Setembro e o que ele implicou na redução da procura e nas preocupações acrescidas de segurança. Seguiu-se um período de grande instabilidade no preço do petróleo. Por fim, a emergência e disseminação das empresas low cost.

Todos estes desenvolvimentos já tinham levado as empresas de transporte aéreo a repensar as suas estratégias, reflectindo-se em aspectos como a sua participação em alianças internacionais ou o planeamento de rotas e voos.

Muitas empresas começaram a substituir estratégias de conquista de quota de mercado pela avaliação da rentabilidade e/ou do valor estratégico das rotas. Muitos grupos decidiram criar, ao lado das empresas principais, companhias mais pequenas, que competem mais directamente com as low cost, de modo a assegurar o controlo de algumas ligações cruciais.

A anterior gestão da TAP teve uma aposta algo distinta. Resolveu expandir muito a companhia, adquirindo aviões e estabelecendo novas rotas, esperando aproveitar o crescimento de novos mercados intercontinentais, apostando na TAP como empresa-chave na relação entre esses mercados e a Europa. Há quem acredite que essa estratégia poderia ter funcionado, se não tivesse acontecido a pandemia. Na prática, ela traduziu-se em elevados níveis de endividamento da empresa, ainda antes da chegada do covid-19, que tornaram ainda mais difícil enfrentar a crise actual.

Por se encontrar já numa situação financeira delicada, a TAP não pôde beneficiar do mesmo regime de apoio público que outras companhias receberam no último ano, tendo sido sujeita a um exigente plano de reestruturação, condicionado pela Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia. Esse plano de reestruturação, que ainda não está concluído e de que não se sabe ainda a sua inteira extensão, é hoje o principal factor de perturbação interna na empresa - impondo cortes de salários, postos de trabalho e muito mais.

Ainda antes da pandemia, o sector da aviação estava já a ser pressionado por outras dinâmicas. 
Por exemplo, o tema da descarbonização, com implicações nos custos e na pressão para a substituição do transporte aéreo pelo ferroviário em médias distâncias. Ou o desenvolvimento das tecnologias digitais, com a crescente incorporação de inteligência artificial em várias dimensões da gestão das companhias e alterações diversas na relação com clientes. Todas aquelas transformações, mais ou menos recentes, impõem às empresas de aviação a necessidade de perceberem as tendências, de inovarem e de capacitarem os seus trabalhadores. 
A questão para a TAP não é, pois, saber se tem ou não de se adaptar. A questão é saber se consegue fazê-lo i) preservando o seu papel estratégico para a economia e a sociedade portuguesa e ii) valorizando as pessoas que nela trabalham.

O papel estratégico da TAP tem a ver com a ligação às comunidades de emigrantes portugueses espalhadas pelo mundo, mas vai muito além disso. Tem a ver também com a relevância da TAP para o desenvolvimento do turismo e com o seu poder de arrastamento de outras empresas nacionais, contribuindo assim para criar emprego, valor e inovação na economia portuguesa.

Para que a TAP cumpra aqueles papéis é fundamental assegurar a permanência de um hub em Lisboa. 
Na verdade, sem TAP não há hub, mas sem hub também não há TAP. É por isso crucial que o Estado português mantenha uma influência decisiva na condução dos destinos da empresa, pois é a única forma de garantir a permanência do hub em Portugal. O estatuto público da TAP é condição necessária para que a TAP cumpra a sua função estratégica, mas não é condição suficiente. Para tal terá de ser bem gerida e devidamente escrutinada.

Um risco que a TAP hoje enfrenta decorre do próprio processo de reestruturação. A TAP só será relevante se mantiver uma dimensão adequada, seja ao nível da frota como de recursos humanos. Há hoje o risco que Bruxelas imponha tamanhos cortes para aprovar o plano de reestruturação que acaba pondo em causa a viabilidade da empresa. Não basta, pois, que a TAP seja pública. É preciso que o Estado português se bata para evitar que a capacidade da TAP seja reduzida ao ponto da irrelevância.

O estatuto público da TAP também não é condição suficiente para que a empresa respeite e valorize aqueles que nela trabalham. Sabemos que não foi assim no passado. Sabemos também que o processo de reestruturação em curso se tem traduzido em atropelos frequentes à dignidade das pessoas.

Ter um representante dos trabalhadores no Conselho de Administração não impede por si só a má gestão, nem garante que a dignidade das pessoas é respeitada – até porque esse representante será apenas um membro não executivo num grupo de 11 pessoas.

Há que ter também presente que o representante dos trabalhadores no Conselho de Administração não se substitui aos sindicatos nem à comissão de trabalhadores. O Conselho de Administração não é, nem poderia ser, o espaço onde tem lugar a negociação entre representantes de trabalhadores e a gestão de empresa. Também não é o espaço privilegiado de reivindicação e protesto.

O representante dos trabalhadores do Conselho de Administração tem dois papéis principais. Primeiro, enriquecer o processo de decisão estratégica da empresa com a visão dos trabalhadores e dos seus representantes. Segundo, melhorar o acesso dos trabalhadores e dos seus representantes a informação sobre a gestão da empresa, de modo a que possam guiar a sua acção de forma mais consequente e eficaz.

O novo representante dos trabalhadores no Conselho de Administração precisa, por isso, de ter uma visão global da empresa; de compreender as dinâmicas pelas quais o sector da aviação está a passar; de perceber como essas transformações podem afectar a vida de quem ali trabalha e o que pode ser feito para valorizar as competências existentes; e de estar acima das rivalidades internas entre organizações representativas dos trabalhadores.

Isto implica ter a disponibilidade e a capacidade para dialogar com os diferentes sectores e níveis hierárquicos da empresa, para analisar as tendências da indústria e avaliar as suas implicações, para encontrar apoio especializado para preparar as discussões técnicas mais exigentes e para comunicar de forma eficaz as suas posições dentro e fora do Conselho de Administração.

Não será tarefa fácil. Todos esperamos que seja bem-sucedida.

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