Olho novamente para a agenda do telemóvel.
Os dias no calendário desfilam, agora vertiginosamente, comparativamente com a pacatez com que cresciam no mês passado.
A minha filha está quase a entrar na escola.
Terminou a silly season e agora recomeçamos a sério. Mesmo a sério!
E as nossas crianças ainda mais a sério (e como é que se pede a uma pequena criança que comece a sério?)
Em todos os outros anos anteriores tínhamos a pseudo (in)segurança de podermos sonhar ao que íamos.
Imaginarmos que controlamos as coisas traz-nos segurança. E a representação da entrada na escola trazia uma certa paz e muitas vezes algum alívio e alegria a miúdos e graúdos.
Mas o mundo transfigurou-se.
Objetivamente, para pior, em vários sentidos, noutras dimensões para muito melhor.
Tudo depende dos sentidos que queremos dar aos sentidos.
A muitos de nós, foi-nos permitido ter mais tempo.
Tempo que nos permitiu fruir de uma muito maior proximidade física com os nossos entes queridos.
De reforçar a certeza inequívoca acerca da vontade indómita de os proteger sobre todos os medos, acima de todas as coisas.
Pudemos ter espaço para refletir melhor e objetivar a nossa hierarquia de prioridades.
Também não me canso de sorrir quando revejo a forma como passámos, em Sociedade, a ressignificar algumas coisas tão invisíveis (para alguns) anteriormente.
Ainda não lográmos resolver a fórmula da equação que permita decifrar a diferença entre o valor pago ao futebolista do clube preferido e o das profissões menos “visíveis”, mas sabemos hoje bastante melhor quem são os nossos verdadeiros heróis.
Teremos certamente bem presente quem continuou a trabalhar, quando o medo nos paralisou a todos. Quem continuava a abrir os supermercados, as farmácias, os postos de combustível, quem distribuía alimentos, quem vivia dentro de um fato asséptico, de olhos postos no nada, personificado por um vírus invisível (com perigo efectivo para a sua própria vida, mas nunca abdicando de cuidar e de tratar dos seus semelhantes).
Foram esses que nos provaram que podemos vencer qualquer medo, que podemos ser mais fortes que os nossos piores fantasmas.
Seguindo estes exemplos, cumpre-nos agora a responsabilidade de continuarmos a ser os heróis que sempre quisemos ser para os nossos filhos. De digerirmos e transformarmos a angústia para lhes devolvermos uma imagem responsável, securizante e encorajadora da sua nova realidade escolar.
E não nos iludamos! Nunca as crianças desejaram tanto voltar à escola.
Nunca no consultório ouvi tantos relatos de crianças e jovens que desejam sair deste registo eminentemente domiciliário, para regressarem às rotinas que deixaram de poder ter.
Assim, saiba a escola aproveitar este movimento para se redescobrir e transformar de acordo com a motivação e necessidade dos seus alunos.
Assim, saibam os professores adaptar-se à especificidade das circunstâncias atuais num contexto tão exigente.
Assim, saibam os pais respeitar o espaço e o tempo que os professores precisam para o fazer.
Assim, saibam as crianças continuar a ser crianças!
www.tribunaalentejo.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário