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terça-feira, 29 de setembro de 2020

Covid-19. “Basta fecharem duas unidades de cuidados continuados por falta de pessoal para lançar o caos em hospitais do SNS”

 

O presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados, José Bourdain, está cansado. Todas as semanas envia cartas ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e ao Parlamento alertando-os para as dificuldades que o sector atravessa, numa altura em que, por contraditório que isso posso parecer, a taxa de ocupação destas unidades nunca foi tão baixa. Perante o anúncio da criação de milhares de novas camas feito esta terça-feira por António Costa, José Bourdain diz que o investimento não será suficiente e pede cautela


No início da pandemia, José Bourdain, presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados (ANCC), classificou o comportamento da tutela em relação ao sector como "repugnante", devido à falta de apoio. Passado meio ano, diz que não mudou de opinião. Apresenta resultados, como o reduzido nível de infeção nestas unidades e a capacidade para receber doentes transferidos dos hospitais, mas queixa-se de subfinanciamento e de uma grave falta de enfermeiros. Não vê com otimismo a promessa de criação de mais 5.500 camas de cuidados continuados que faz parte do Plano de Recuperação e Resiliência apresentado esta terça-feira em Lisboa pelo primeiro-ministro em conjunto com a presidente da Comissão Europeia.









Logo no início da pandemia, as unidades de cuidados continuados queixaram-se de uma dramática falta de equipamento de proteção individual e o Ministério da Saúde prometeu que passaria a fornecer-vos máscaras. Recebeu-as?

Nenhuma. E, das 30 unidades que fazem parte da associação, apenas uma terá recebido este material. Mais nenhuma. Até acredito que as tenha recebido por engano, porque não houve qualquer explicação para este tratamento diferenciado. O que temos recebido veio através de donativos de algumas autarquias e da confederação do sector.

As unidades de cuidados continuados já foram publicamente elogiadas pela tutela devido ao baixo índice de infeções verificadas, quer em utentes, quer em funcionários. Como conseguem alcançar estes resultados?

Deve-se a sermos verdadeiros hospitais de retaguarda e, na prática, unidades de saúde de segunda linha. Antes da pandemia já fazíamos controlo de infeções e isolávamos os doentes. Os nossos profissionais tinham formação e estavam habituados a estas situações. Tínhamos protocolos que apenas tiveram de ser adaptados. Mas, sobretudo, é preciso compreender que nos lares de idosos não há profissionais de saúde e quem os dirige, em geral, são técnicos da área social, sem capacidade para elaborar planos de contingência. No entanto, a culpa não é destas pessoas, que não foram preparadas para a gravidade da situação atual. O problema é a falta de condições com que se deparam. Este Governo está a transformar as unidades de cuidados continuados em hospitais baratos e os lares de idosos em unidades de cuidados continuados de segunda categoria.

Quantos infetados, sejam utentes sejam funcionários, existem atualmente entre as vossas associadas?

Zero. Que eu saiba, à data desta terça-feira, não há ninguém infetado. Já tivemos alguns casos no início da pandemia, mas estão resolvidos.

Os vossos funcionários são regularmente testados?

Não. Na altura em que resolveram fazer testes ao pessoal dos lares, esqueceram-se de nós. Os testes que foram feitos deveram-se à iniciativa individual de alguns diretores de unidades de cuidados continuados ou das respetivas autarquias.

E serão vacinados contra a gripe?

Nesta segunda-feira recebemos um email informando que esta semana chegariam as vacinas contra a gripe.

Porque é que diz que as unidades de cuidados continuados funcionam como hospitais de retaguarda do SNS? Estão a receber as pessoas das chamadas camas sociais, ou seja que estão nos hospitais sem precisarem de cuidados médicos?

Na verdade, nunca a nossa taxa de ocupação foi tão baixa quanto atualmente. As pessoas têm alta e as vagas que são abertas não estão a ser preenchidas. Outras estão a ser transferidas para lares de idosos. O Ministério da Saúde está a transferir menos utentes dos hospitais, o que é curioso, porque temos alguns hospitais sobrecarregados e outros que estão às moscas. A minha interpretação é que o Governo quer ter camas disponíveis para os doentes covid e daí ter hospitais mais vazios, evitando o internamento de doentes não-covid. E, simultaneamente, não ocupa as unidades de cuidados continuados, até porque a legislação prevê que, quando estas unidades têm taxas de ocupação inferiores a 85%, a tutela não tem de pagar as camas que estão vazias. Assim, consegue também poupar custos. Já temos algumas unidades nesta situação. Mas continuamos a funcionar como hospitais de retaguarda, porque as pessoas que nos enviam estão demasiado debilitadas e a precisar de cuidados hospitalares - e não de acompanhamento de cuidados continuados.

Há muito que se queixa de subfinanciamento. Do que está a falar em concreto?

É um problema de longa duração. Na prática, algumas unidades têm prejuízos de milhares de euros. Por exemplo, uma unidade de 30 camas gera prejuízos mensais da ordem dos 15 mil euros. Há que ter em conta que a atualização à taxa da inflação não cobre a atualização do salário mínimo nacional.

Qual é o vosso problema mais grave, o subfinanciamento ou a falta de pessoal especializado?

Os dois, mas talvez a falta de enfermeiros seja ainda mais grave, porque pode implicar o encerramento de algumas unidades. Há instalações a funcionar sem enfermeiros, o que não deveria acontecer. A falta deste profissionais no sector deve ser da ordem dos 60%. A tutela diz que é responsabilidade dos diretores contratar os recursos humanos necessários, mas eu respondo que é responsabilidade do Governo haver no mercado profissionais para serem contratados. Mas, para isso, seria necessário produzir legislação para resolver a falta de enfermeiros, seja com o regresso temporário às 40 horas semanais seja facilitando a importação de enfermeiros no exterior.

Como prevê que as unidades vão enfrentar o inverno?

Não faço ideia. Já alertei o Presidente da República, o primeiro-ministro e o Parlamento para a gravidade da situação, e todas as semanas envio-lhes cartas a solicitar audiências. Se tivermos unidades que tenham de fechar portas por falta de pessoal, haverá hospitais do SNS a entrar numa situação caótica. Bastam duas ou três.

No início da pandemia classificou como repugnante a atitude do Governo para com o sector. Mantém a opinião?

Sim, mantenho. Nós e os lares somos os bodes expiatórios do que corre mal, sobretudo os lares, que já mereceram ataques públicos da ministra da Saúde. Mesmo quando dizem que devemos ser responsáveis pela contratação de enfermeiros, querem o quê? Que façamos o milagre da multiplicação dos profissionais?

Mas o sector foi alvo de um anúncio importante no âmbito do Plano de Recuperação e de Resiliência, apresentado esta terça-feira, na presença da presidente da Comissão Europeia, e que passa por um investimento de 200 milhões de euros e 8.000 camas, sendo 5.500 especificamente de cuidados continuados.

Não acredito nisso. Primeiro, estas camas são aguardadas desde 2016. Depois, é preciso não esquecer que esta verba da Comissão Europeia vem substituir o dinheiro que não veio do Orçamento do Estado, permitindo ao Governo alcançar o melhor défice das contas públicas da democracia portuguesa. Fiz contas simples aos custos conhecidos para a construção de unidades de cuidados continuados e os 200 milhões de euros serão insuficientes. Serão necessários no mínimo 500 milhões para abrir as camas anunciadas. O Governo deve estar a contar com a participação das entidades promotoras para completar o investimento necessário. Mas estas, para avançar, precisarão de recorrer a empréstimos bancários. Quem vai querer assumir este risco?

Este número de 5.500 camas resultou do diálogo com as instituições?

Não e nem sei se serão necessárias tantas camas. Temos nove mil camas atualmente. É um número atirado para o ar. Estamos em contato com a Escola Nacional de Saúde Pública, que está disponível para realizar um estudo sobre as necessidades reais, mas o Governo não autoriza a sua realização. Antes de avançar, defendo que se faça uma avaliação prévia.


expresso.pt

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