Estamos vivendo numa sociedade do cansaço.
Dormir pouco, acordar já cansada(o), sair de casa às pressas, enfrentar o trânsito para ir ao trabalho, muitas vezes em um estado zumbítico com fones no ouvido. Passar o dia sobrecarregada(o), lidando com e-mails, mensagens, tarefas, projectos, reuniões, problemas. Na volta para casa, novamente o trânsito. E, chegando, ainda tem que ir ao mercado, enfrentar filas, preparar o jantar, colocar a roupa para lavar, guardar a roupa limpa, lavar a louça, fazer a lição da escola com os filhos, dar uma geral na casa, bem de leve, e quando perceber já passou da hora considerada “ideal” para ir dormir. Sexo? De vez em quando, quando não estivermos tão exaustos (talvez na sexta?). Ler um livro? Idem. Fazer um curso, estudar um idioma, praticar um hobby? Difícil, para não dizer impossível. E, assim, muitas pessoas vivem, no melhor dos cenários, o que incluiria conseguir pagar todas as contas e ainda sobrar algum dinheiro para investir, comprar brinquedos tecnológicos prazerosos ou até mesmo fazer uma viagem diferente nas férias. Esse suposto privilégio não é uma realidade para aqueles que passam pela mesma rotina mas não têm sequer dinheiro suficiente para pagar todas as contas num mesmo mês.
“Se o indivíduo é o único responsável por seu destino, a sociedade não lhe deve nada; em compensação, ele deve mostrar constantemente seu valor para merecer as condições de sua existência. A vida é uma perpétua gestão de riscos que exige rigorosa abstenção de práticas perigosas, autocontrole permanente e regulação dos próprios comportamentos, misturando ascetismo e flexibilidade.”
(Dardot e Lanval, no livro “A nova razão do mundo”, 2016)
Pode ser que a sua realidade seja diferente. E, se for, que bom. Considere-se privilegiada(o). Porque a regra geral no mundo do trabalho hoje é viver à beira da exaustão. Isso não acontece só numpaís. É no mundo todo.
E é claro que eu poderia trazer neste post pesquisas e referências académicas para aprofundar todos esses temas, mas não é o foco deste blog (ao menos, não por enquanto). Essa pequena introdução serviu apenas para eu trazer um “conselho” que tenho dados aos meus amigos nos últimos meses, e que fiz uma anotação para trazer para você também, aqui no blog.
Meus amigos e alguns colegas sempre desabafam comigo sobre como têm coisas a fazer e sobre como “não dão conta”. Minha abordagem para lidar com esse problema (e que aplico principalmente a mim mesma, quando me sinto assim) é: não dá para organizar tralha. Logo, o problema é o volume, mas o volume vem da falta de clareza. Ter clareza significa 1) reconhecer o volume e 2) diminuí-lo, deixando em andamento apenas aquilo que realmente precisa estar em andamento, doa a quem doer (e às vezes dói na gente mesmo, facto).
Eu sei que é difícil assumir que abrigou coisas demais para fazer. De modo geral, todos nós vivemos hoje em uma era em que é possível fazer o que a gente gosta, dentro ou fora do trabalho.
Mas essa oportunidade trás consigo a sobrecarga embutida, sem que a gente perceba, e ela logo se instaura, fantasiada de paixões. É um mix de surpresa e de frustração quando a gente descobre que fazer o que gosta pode estar nos sobrecarregando. Pode até fazer com que a gente deixe de gostar daquilo (me refiro a trabalho e hobbies aqui, não necessariamente a trabalho apenas).
Quando isso acontece, a vontade de “largar tudo”, “tocar o f*-se”, é enorme. Por isso, eu trago para você o conselho mais valioso que uso para mim mesma e para os meus amigos quando se sentem assim. O conselho é: se estiver cansada(o), descanse – não desista.
Se estiver cansada(o), descanse. Não desista.
É muito fácil e aparentemente libertador pensar em desistir. Parece que todos os problemas vão desaparecer em um passe de mágica, mais ou menos assim como surgiram. Mas chutar o balde nem sempre é a melhor solução para você. E o que eu estou encorajando é que você busque a sua melhor solução, não a mais fácil (nesse caso, o mais fácil pode se revelar péssimo). Se a melhor solução for realmente desistir de algo, tá tudo bem. Mas essa decisão precisa ser tomada direitinho, e não quando você estiver stressada(o) e, muitas vezes, sem conseguir pensar direito a respeito.
Já vi muitas pessoas se livrarem de coisas importantes na vida porque a tralha ao redor as deixou um pouco cegas para a realidade. A tralha nos confunde. Ela pode nos fazer achar, equivocadamente, que aquilo que realmente importa é apenas desejável. Para lidar com o obrigatório, nos desfazemos daquilo que nos faz bem e importa de verdade. O que isso nos torna? Seres sobreviventes. Tirando o prazer da vida, só nos resta lidar com o cinza, e talvez (e muito provavelmente) o cinza fosse o problema.
Tem regra certa? Fórmula mágica? Não, não tem. Uma coisa é certa: cansados, exaustos, não tomamos boas decisões. Por isso, se estiver se sentindo assim, resista à tentação de desistir do que pode ser importante para você. Descanse. Pare tudo o que está fazendo e vá dormir um pouco, ver um filme, dar uma volta. Se estiver cansada(o), descanse. Não desista. Descansada(o), você saberá tomar melhores decisões, nem que seja amanhã.
vidaorganizada.com
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