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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

O assassino que foi condecorado … e vários textos e documentos sobre o assassinato de catarina Eufémia



Existe um livro que, pela primeira vez, revela o teor do acórdão do julgamento do tenente Carrajola, que andou desaparecido durante anos. 

Uma obra onde são igualmente tornadas públicas peças processuais inéditas que fazem um pouco mais de luz, ou talvez nem tanto, sobre a personalidade de Catarina Eufémia e sobre os acontecimentos que levaram à sua morte em 19 de maio de 1954, em Baleizão. 

Uma investigação do jornalista Pedro Prostes da Fonseca, sob o título O Assassino de Catarina Eufémia, que, antes de mais, acaba por ser um testemunho fatual sobre o clima político e judicial do Estado Novo.
Sobre os acontecimentos que antecederam a morte de Catarina Eufémia e sobre o crime propriamente dito, muito pouco há a acrescentar. 
Após o 25 de Abril de 1974 multiplicaram-se os trabalhos jornalísticos sobre o assunto, as investigações, a recolha de depoimentos coevos, os livros, os documentários. 
No entanto, sempre existiu uma ponta do novelo que até hoje nunca tinha sido repuxada para a malha de um dos mais sangrentos e marcantes acontecimentos das lutas rurais em Portugal, durante o Estado Novo: como é que a “justiça” da época lidou com o autor dos disparos que vitimaram a ceifeira de Baleizão? 
Foi a julgamento? 
Sofreu condenação? 
O seu ato foi reprovado pelo regime?
Durante muitos anos se julgou que o tenente João Tomaz Carrajola nunca se tinha sentado no banco dos réus em consequência dos “acontecimentos” de Baleizão. 
Mais recentemente, alguns historiadores começaram a levantar a hipótese de ter existido julgamento, embora nunca tenham sido revelados os termos do respetivo acórdão e muito menos o teor da sentença. E são precisamente esses dois elementos fulcrais para a compreensão, não dos factos em si, mas do próprio ambiente político-judicial do salazarismo que  foram revelados pelo jornalista Pedro Prostes da Fonseca no livro O Assassino de Catarina Eufémia

Ao contrário do que hoje em dia poderia muito bem acontecer, a justiça foi rápida a atuar no caso do tenente Carrajola. Passados pouco mais de seis meses sobre a morte de Catarina Eufémia, o oficial da Guarda Nacional Republicana foi ouvido no 2.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, então instalado no Campo de Santa Clara. 
A sessão de julgamento, presidida pelo coronel João Arruda Pereira, teve início às 14 horas e ao final da tarde já estava publicada a sentença. 
Isto porque o coletivo de juízes prescindiu das testemunhas e limitou-se a identificar o réu e a ler as poucas peças processuais e alguns depoimentos resultantes dos interrogatórios feitos no terreno pelo capitão João Camilo Delgado. 
O curioso é que estes levantamentos de campo, que ocorreram logo após 19 de maio de 1954, revelam uma Catarina Eufémia “excessivamente politizada, instigadora, truculenta e extremamente perigosa. 
Não há dúvida que é uma imagem altamente deturpada e que foi montada para passar a ideia que o ato do tenente Carrajola até era justificável”, sustenta Pedro Prostes da Fonseca.Há uma teoria do jornalismo que diz: “queres chegar ao ladrão? Então segue o dinheiro”. Neste caso, Pedro Prostes da Fonseca não seguiu o dinheiro, mas antes o documento. Mesmo depois de se saber da realização, a 9 de novembro de 1954, de uma sessão de audiência ao tenente Carrajola onde foi proferida sentença sobre os disparos mortais no monte do Olival, nunca tal escritura veio a público. Antes do 25 de Abril, por razões óbvias. Depois da Revolução, porque se perdeu nas catacumbas dos arquivos militares. 
Até que há uns meses a esta parte, depois de muita persistência por parte de Prostes da Fonseca, no meio de quilómetros de papelada avulsa e não catalogada, reapareceu um pequeno volume de 13 páginas manuscritas em papel de 25 linhas. “Para lá da surpresa, fiquei exaltado com a descoberta”, revela o investigador.


















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Não será de estranhar que, num processo tão breve e sumário quanto este, o coletivo de juízes tenha absolvido o réu que, no entender dos magistrados, agiu “com a maior cautela, segurando a referida arma nas mãos, sempre com o fim de impedir que essa mulher continuasse a avançar naquela atitude provocante e ameaçadora, bateu levemente com o cano da pistola nas costas dessa mulher, sempre segurando a arma com as duas mãos e com grande cuidado e atenção, tendo porém sido disparados três tiros que atingiram a infeliz nas costas”, produzindo as lesões que a levaram à morte.
Mais concluíram os juízes que o “disparo prematuro e a consequente rajada” não se ficou a dever à conduta do tenente Carrajola, mas a “uma circunstância meramente acidental”. 
O que, “em tais condições, não se verificando assim que o réu haja praticado os factos puníveis que lhe eram imputados, o Tribunal, por voto unânime, julga a acusação improcedente e absolve o réu a quem manda em paz”. Pedro Prostes da Fonseca, após esbulhar em pormenor o acórdão, assume que se tratou de “criar uma nova narrativa sobre os factos, como agora se diz, alimentando farsa sobre farsa” e que o militar se livrou da prisão “graças a falsidades tiradas da cartola por um juiz subordinado ao regime”. E não se julgue que este livro, ou o seu autor, seja marcadamente militante. Antes pelo contrário.
O interesse primeiro de Prostes da Fonseca, para além de sistematizar num único volume toda a informação dispersa existente sobre o atentado de Baleizão, foi “dar a conhecer informações inéditas” sobre o desfecho de um processo que, da “forma pouco ortodoxa como foi conduzido”, acaba por espelhar o Portugal de então. 
No caso de tenente Carrajola, não apenas caiu a acusação de homicídio involuntário, como o próprio, quatro anos mais tarde, ainda viria a ser imposto cavaleiro da Ordem Militar de Avis, por proposta do ministro do Exército.
Só para ter uma noção da desproporção dos factos, Filipe Larotes, um dos soldados da GNR que acompanhou o tenente Carrajola na “diligência” ao monte do Olival, foi nesse mesmo ano, em outubro, detido por cinco dias porque “estando de sentinela, em Beja, abriu o portão e não só prestou incorretamente a continência”, como pela “forma embaraçada como se apresentou” deixou adivinhar “que não exercia uma vigilância perfeita como lhe competia o posto de serviço em que se encontrava”.
O regime de Salazar nunca fez publicidade a este julgamento e muito menos à sentença, “uma vez que, se calhar, teve medo que os populares se revoltassem contra esta inacreditável absolvição”, sustenta Pedro Prostes Pereira. Depois do 25 de Abril o processo “foi dado como desaparecido” e julgava-se mesmo que pudesse ter sido destruído durante a transição de regimes. 
O livro O Assassino de Catarina Eufémia, estampado pela Matéria-Prima Edições, tem prefácio do advogado Ricardo Sá Fernandes
Uma das mulheres erguia ao alto uma criança e gritava: “Mate a criança, mate a criança”. Destacando-se um passo ou dois mais da turba, completamente desvairada, pousou a criança que levava ao colo e depois de se erguer levou um sopapo do senhor tenente Carrajola. Com o sopapo, a mulher torceu o corpo, foi empurrada pelo senhor tenente e caiu, não se tornando a levantar.
Interrogatório a Fernando Nunes Ribeiro,  21 de maio de 1954
Sabendo agora que a tresloucada Catarina Eufémia era mulher de temperamento rebelde e turbulento e que fora de Quintos para Baleizão três ou quatro dias antes da tragédia, por conseguinte quando a sublevação deve ter sido começada a combinar, é sua convicção que a referida mulher se deslocara para Baleizão por iniciativa própria ou por instigação, para agitar e possivelmente dirigir o movimento.Interrogatório ao tenente Carrajola, 2 de junho de 1954
Centenas de mulheres ameaçavam todo o pessoal que se encontrava presente, chegando mesmo a apertarem-me o pescoço. Muitas mulheres agitavam foices e proferiam as maiores obscenidades, como “não queremos cá aquelas putas”; “cortamos as goelas àquelas putas que não hão de trabalhar aqui porque isto é nosso.
Interrogatório a José Vedor,  21 de maio de 1954
O povo tornou a invadir a propriedade gritando de tal maneira e fazendo gestos que pareciam pretos selvagens, tal como vi na fita do Gungunhana. O povo dirigia-se para o local onde as mulheres trabalhavam e onde se encontrava o senhor tenente, que começou a deslocar-se em direção à multidão, intimando-os bem alto a parar e a sair imediatamente da propriedade. 
O povo não obedecia e cada vez gritava e avançava mais e vi o senhor tenente apontar a arma para o ar e fazer muitos disparos. Apesar disso, continuaram a avançar mais, gritando e chamando o resto da população que, mais atrás, junto à estrada, estava concentrada, dizendo: “Venham dai’, venham dai’”. 
O senhor tenente continuava a avançar em direção à multidão e esta em direção a ele, até ao ponto de chegar junto da mulher que vinha na frente, dando-lhe nessa altura uma bofetada na cara.
Interrogatório a Artur Bagulho, 25 de maio de 1954


O ASSASSINO DE CATARINA TENENTE CARRAJOLA FALECEU EM 1964

Filha de camponeses sem terra, Catarina Eufémia nasceu, em 13 de Fevereiro de 1928, em Baleizão, no Alentejo
Sem escolaridade, sempre se dedicou ao trabalho nos campos.
Aos 17 anos, casou-se com António Joaquim (operário da CUF) e foram viver para o Barreiro.
Mais tarde após o marido ter sido dispensado da CUF, o casal regressou a Baleizão.
António Joaquim começou a trabalhar como cantoneiro, em Quintos e Catarina regressou aos campos.


Catarina Efigénia Sabino Eufémia (nascida a 13 de Fevereiro de 1928,
morta a tiro a 19 de Maio
de 1954) foi uma ceifeira alentejana analfabeta que, na sequência de uma greve
de assalariadas rurais, foi assassinada, aos 26 anos, pelo tenente Carrajola da GNR
em Monte do Olival, Baleizão, perto de Beja, Alentejo.


Catarina tinha três filhos, um dos quais de oito meses, que estava no seu colo no momento em que foi baleada.




À MEMÓRIA DE CATARINA EUFÉMIA, MILITANTE COMUNISTA ALENTEJANA
António Gervásio

Não conheci directamente Catarina Eufémia, mas acompanhei de perto a luta em que ela perdeu a vida. Segui as manobras e as provocações da PIDE e da GNR em torno do seu funeral. Conheci vários seus familiares.
Poucos dias depois deste cruel assassinato fui transferido para o distrito de Beja, como funcionário do Partido Comunista Português, sendo responsável pela organização. Vivi de perto todo esse crime do fascismo, o assassinato de Catarina.
Passaram-se 49 anos. Peço desculpa por repetir a descrição de acontecimentos conhecidos mas, às vezes, é bom relembrar a história.
Foi a 19 de Maio de 1954, no começo das ceifas, numa luta por melhores jornas, nas redondezas de Baleizão, onde o famigerado Carrajola, um tenente da GNR de Beja, num acto de ódio criminoso, assassinou Catarina com uma rajada de metralhadora. Por lutar por melhores jornas!
Os trabalhadores agrícolas de Baleizão estavam em greve, reivindicavam melhores jornas nas ceifas. A GNR tinha a aldeia cercada. Próximo dali, um rancho, arregimentado pelo agrário, «furou» a greve. Catarina e mais 14 companheiras romperam o esquema da GNR e foram ao encontro do grupo que ceifava. Foram interceptadas pelo tenente Carrajola que as questionou, cheio de ódio, sobre o que queriam elas. Catarina respondeu: «Quero pão para matar a fome aos meus filhos!» Em resposta, o criminoso Carrajola disparou uma rajada de metralhadora, matando Catarina...
Este bárbaro crime provocou profunda dor e revolta no Pais, em particular na região de Beja e na terra baleizoeira. O fascismo matava homens e mulheres por lutarem por Pão e Trabalho, pela Liberdade e pela Democracia.
Uma das fortalezas alentejanas da resistência antifascista, Baleizão, era onde o PCP, na clandestinidade, contava com forte influência e onde as mulheres comunistas tinham uma activa militância na luta revolucionária contra a ditadura salazarista, na luta pela Liberdade.
Há gente que não gosta do PCP e procura negar que Catarina fosse militante do Partido. 

É necessário dar luta contra essas mentiras. Catarina Eufémia era não só militante, desde 1953, como era também membro do Comité Local de Baleizão do PCP e um dos seus membros mais activos.
Catarina Eufémia tornou-se um nome querido e respeitado, não só entre os militantes comunistas mas entre muitos milhares de portugueses e portuguesas. Não é por acaso que, ao longo destes 49 anos, largas centenas de pessoas dos vários cantos do País vão todos os anos, em Maio, ao comício do Partido em homenagem à camponesa de Baleizão.
O nome de Catarina está gravado na longa história do nosso Partido. 

Catarina é uma mártir da resistência antifascista e um símbolo da coragem na luta sem tréguas contra a ditadura, pelo Pão, pelo Trabalho, pela Liberdade e pela Democracia em Portugal.



Alentejo, 1 de Fevereiro de 2002

* Dirigente do PCP na clandestinidade, nos anos 50, no Alentejo

«CATARINA MORREU COMO DEVE SABER MORRER UM MEMBRO DO PARTIDO»

Álvaro Cunhal
Maio de 1974



Discurso de Álvaro Cunhal no primeiro comício em Baleizão após a Revolução de Abril de homenagem a Catarina Eufémia, a 19 de Maio de 1974:
«É com profunda emoção que aqui, nestas terras onde viveu Catarina Eufémia, vemos unidas as massas trabalhadoras alentejanas na homenagem àquela que se tornou o exemplo e símbolo da trabalhadora de vanguarda e da mulher comunista.
Catarina morreu como deve saber morrer um membro do Partido. Morreu à frente das massas, encabeçando a luta de classe, defendendo os interesses vitais dos trabalhadores. 

Enquanto viva, Catarina serviu com a sua actividade a classe trabalhadora. Morta, continuou a servi-la pelo seu exemplo, inspirando sucessivas gerações no espírito de combatividade e de abnegação.
Catarina tornou-se uma lendária heroína popular, orgulho do glorioso proletariado rural alentejano, orgulho de todos os trabalhadores portugueses, orgulho do Partido.

O sacrifício de Catarina não foi em vão. Da terra portuguesa começam a brotar flores das plantas que Catarina regou com o seu sangue. Começam a alcançar-se objectivos pelos quais lutou e deu a vida Catarina.
Catarina lutou pela liberdade e a liberdade foi alcançada. 
Os outros ideais por que Catarina, a militante comunista, lutou, serão também alcançados. 
Chegará o dia em que a Reforma Agrária entregará a terra dos grandes latifúndios àqueles que a trabalham. Chegará o dia em que no Alentejo não mais haverá senhores e escravos. Sempre lutámos, lutamos e lutaremos para a conquista do poder pelos trabalhadores, para liquidar a exploração do homem pelo homem, para construir em Portugal a sociedade socialista. 
Nada e ninguém nos desviará deste caminho e caberá ao Povo Português dizer a última palavra. Caberá ao Povo Português escolher e construir o regime social e político em que deseja viver. Temos confiança em que o Povo português escolherá, finalmente, o socialismo.

Estes grandes objectivos não nos devem porém desviar dos objectivos essenciais imediatos. No momento presente, as tarefas fundamentais são liquidar completamente o fascismo, consolidar e alargar as liberdades, pôr fim à guerra colonial, prosseguir a democratização da sociedade portuguesa, realizar eleições livres e instaurar um regime democrático escolhido pelo próprio povo. 
Todas as nossas forças e energias se devem concentrar para alcançarmos estes objectivos e impedir que o fascismo volte.

Esta grande manifestação é prova da unidade e da força invencível dos trabalhadores alentejanos. 
Ela confirma que o glorioso proletariado rural alentejano tem um importante papel a desempenhar na construção da nova sociedade portuguesa. Esta manifestação é também - pela presença fraternal dos militares - uma prova da aliança das massas populares com as Forças Armadas.

Catarina caiu às balas de um oficial fascista. Mas hoje o Movimento das Forças Armadas restituiu o brio e a honra à farda dos soldados e marinheiros.

Aqui vemos connosco oficiais e soldados, filhos do povo, irmanados com o povo. Que jamais se quebre esta aliança, de que hoje depende o futuro. Unidos prossigamos o combate!
Connosco está Catarina, estão todos aqueles que sacrificaram a vida pelo bem do povo trabalhador e pela liberdade.

Não deixemos mais que levante cabeça o fascismo que assassinou Catarina. Prossigamos unidos e confiantes na defesa dos legítimos interesses dos trabalhadores, no caminho da paz e da democracia.
O Partido Comunista Português, o partido de Catarina Eufémia, é uma criação do povo trabalhador e existe para servi-lo. Nós, comunistas onde quer que estejamos, nos locais de trabalho ou no Governo, não pouparemos esforços e daremos a vida se necessário, na defesa dos interesses, as aspirações, dos objectivos do povo trabalhador!

Viva a unidade da classe operária e das forças democráticas!
Viva a aliança das massas populares com as Forças Armadas!
Avante para novas vitórias!»



in «Avante!» de 24 de Maio de 1974http://www.pcp.pt/



Durante o funeral a brutalidade manteve se, a GNR dispersou à bastonada a multidão revoltada.

Nove camponeses foram presos e depois foram julgados e condenados a dois anos de prisão.


Para evitar romarias subversivas, por ordem da GNR, o corpo de Catarina não foi sepultado em Baleizão, mas em Quintos.


Em 1974, depois do 25 de Abril, os restos mortais de Catarina foram transladados de Quintos para Baleizão.



CHAMA-SE CATARINA O ALENTEJO A VIU NASCER

VÍDEO

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