Grupos nitidamente fascistas têm aumentado suas atividades no país europeu, que é visto erroneamente pela esquerda como uma exceção no continente onde a extrema-direita ressurge
Outdoor do Partido Nacional Renovador, parabenizando Jair Bolsonaro. Foto: PNR
Por Eduardo Vasco
Quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente de maneira fraudulenta no final de 2018, um minúsculo partido chamou a atenção dos brasileiros por parabenizar o candidato fascista. E era um partido português. O outdoor do Partido Nacional Renovador dizia: “Parabéns Brasil. Adeus esquerda, corrupção, violência, marxismo cultural, ideologia de gênero, subsidiodependência… agora falta em Portugal.”
O seu presidente, José Pinto Coelho (que se considera monarquista), publicou, em outubro daquele ano, um artigo no qual afirmava que o Brasil “está mesmo muito mal e em contínua degradação, caminhando a passos largos para se tornar numa Venezuela gigante ou cair na guerra civil (…) após quase vinte anos de socialismo de Lula e Dilma”. Em outro artigo, chamava os dois ex-presidentes e Fernando Haddad de “bandidos vermelhos” que formavam uma “corja vermelha”.
O PNR foi fundado no ano 2000 e agregou antigos membros de organizações de extrema-direita que haviam sido dissolvidas. De lá para cá, mesmo estando à margem da política nacional, teve diversos problemas com as autoridades, como apreensão de armas nas residências de seus integrantes, processos judiciais por fazer apologia ao fascismo e condenações por racismo e por assassinato de um dirigente do Partido Socialista Revolucionário e de um imigrante cabo-verdiano.
Profundamente moralista e demagógico, tem um programa e uma propaganda tipicamente fascistas: ataca o socialismo e o liberalismo, o “sindicalismo partidarizado” e as greves, defende a natalidade de portugueses (assim como os nazistas defendiam a reprodução em massa de alemães arianos) ao mesmo tempo em que rejeita a imigração, advoga pela família e a vida, pede o fortalecimento da repressão e das forças armadas, denuncia a corrupção do regime e exalta o passado de Portugal.
Esse último ponto vale um destaque especial. A restauração defendida pelo PNR é tão reacionária que idealiza o famigerado Império português e suas colônias de ultramar. Em janeiro de 2019, Pinto Coelho homenageou os “verdadeiros heróis” de Portugal, aqueles que lutaram na “Guerra do Ultramar” contra a independência das colônias africanas entre os anos 1960 e 1970. Assumindo-se publicamente como um partido de extrema-direita, o PNR ainda critica em seu programa os “mais de 40 anos de desgovernação”, referentes ao período democrático do país, após a queda da ditadura fascista. Seus dirigentes compareceram esses dias ao túmulo de António de Oliveira Salazar para homenagear “o Grande Português”, como disse Pinto Coelho.
Esse partido tem ligações externas também com alguns dos principais agrupamentos de extrema-direita europeus, como o AfD da Alemanha, o Reagrupamento Nacional da França, a Liga da Itália, o Partido da Liberdade da Áustria e o Partido da Liberdade da Holanda.
Embora o PNR ainda tenha uma participação nula na cena institucional da política portuguesa, ele apresentou um relativo crescimento no número de votos desde sua fundação, chegando a um pico de mais de 27 mil nas eleições legislativas de 2015 e de 16 mil nas eleições europeias de 2019 (ambas com 0,5% dos votos).
Mas ele não é a única e tampouco a principal organização de extrema-direita de Portugal. Em abril do ano passado, foi fundado um novo partido, denominado CHEGA. Apenas seis meses depois, em outubro, elegeu seu líder, André Ventura, para o parlamento.
Ventura foi membro do Partido Social Democrata (PSD) de 2001 a 2018. Como a política portuguesa sofreu uma séria mudança devido à Revolução dos Cravos, motivada pela forte pressão da classe operária, nenhum partido conseguiria alguma popularidade se se autointitulasse de direita ou defendesse o antigo regime, por isso a direita portuguesa adotou demagogicamente as denominações de “social” e “democrata”, embora não tenha nenhuma política social e não seja minimamente democrática em sua essência. O PSD, na verdade, é um partido de direita, tanto quanto o PSDB brasileiro ou o PP espanhol. Como sempre ocorreu na história, os partidos da direita tradicional são os grandes berços dos políticos fascistas. André Ventura, um fascista enrustido, é filho do PSD. A burguesia, como de costume, choca o ovo do fascismo e o prepara para nascer quando a situação social está insustentável. O Portugal de hoje está numa situação dessas, embora pareça que não.
O crescimento do fascismo é fruto direto da crise capitalista de 2008. Portugal foi um dos países mais afetados pela crise, indo quase à bancarrota. As imposições da Troika (FMI, BCE e Comissão Europeia) forçaram um regime brutal de exploração dos trabalhadores portugueses e também da pequena-burguesia, com a entrega total da economia nacional aos grandes bancos alemães e franceses. Isso resultou em uma explosão social com a intensificação da polarização política, abatendo os partidos tradicionais e radicalizando a esquerda – com o crescimento do PCP e do Bloco – e a direita – com o aparecimento do PNR e do CHEGA.
A “Geringonça” – governo minoritário do PS apoiado extra-oficialmente pelo PCP e pelo BE – foi uma tentativa da burguesia de apaziguar a situação, fazendo algumas concessões aos trabalhadores. Mas as últimas eleições deixaram o PS (um partido de esquerda historicamente super direitista) sozinho no governo para voltar a aplicar uma política neoliberal contra o povo. A extrema-direita certamente se aproveita dessa situação, em que a esquerda, ao invés de agir de forma independente da burguesia, apenas fomenta as ilusões com o regime burguês e acaba sustentando esse mesmo regime, perdendo apoio popular.
O CHEGA não se apresenta tão radicalmente fascista como o PNR, mas tem muitas semelhanças com ele. Denuncia a atual constituição portuguesa como tendo uma suposta orientação “marxista e marxizante”, apoia políticas anti-imigração e o endurecimento das penas, mas, ao contrário do PNR, que se diz contra o “liberalismo selvagem” (de maneira demagógica apenas), tem um programa econômico claramente neoliberal.
Concorreu às eleições europeias do ano passado como parte da coligação BASTA!, composta também pelo Partido Popular Monárquico e pelo Partido Cidadania e Democracia Cristã.
Além desses partidos, há outras organizações de extrema-direita que vêm se multiplicando nos últimos anos, como o Movimento Nacional Socialista, Nova Ordem Social, Portugueses Primeiro, Nova Portugalidade, Lisboa Nossa, Escudo Identitário e Misanthropic Division Portugal.
Eles têm apoio principalmente da juventude das classes média e alta e a pauta principal é contra os imigrantes, que, pregam os fascistas, roubam as oportunidades de emprego dos jovens portugueses. Esses grupos têm realizado manifestações conjuntas em algumas oportunidades e têm vínculos internacionais com nazistas de vários países europeus, como o Aurora Dourada (Grécia), CasaPound (Itália), NPD (Alemanha) e NRM (Suécia). Uma característica comum aos grupos e elementos fascistas de Portugal é a posse e tráfico de armas.
Os trabalhadores portugueses e suas organizações de classe certamente olham com preocupação o que acontece no Brasil, que caminha a passos largos para a implementação de uma ditadura fascista. Aqui, a esquerda não se preocupou (e continua não se preocupando) com o aparecimento de um número cada vez maior de grupos fascistas, mesmo que eles tenham sido fundamentais para o golpe de 2016 e para a eleição fraudulenta de Bolsonaro e de centenas de políticos de extrema-direita. Alguns esquerdistas pequeno-burgueses, ao invés de organizarem a luta, fugiram covardemente do País – inclusive para Portugal, supostamente com um governo socialista.
Felizmente, a população brasileira tem disposição de enfrentar Bolsonaro e o fascismo e comitês Fora Bolsonaro e de Autodefesa começam a se formar no bojo das organizações populares. Mesmo que ainda no início, esse é o caminho para combater os fascistas: a organização da classe operária e dos demais setores oprimidos, e não a crença nas instituições burguesas cada vez mais dominadas pela extrema-direita.
A mesma rota deve ser traçada pelos nossos irmãos portugueses. Não se pode acreditar que os fascistas não passam de meia dúzia de gatos pingados. Se forem livres para se organizar e se articular, o apoio e financiamento da burguesia os transformará em milhares de leões e, quando a esquerda abrir os olhos, já será tarde demais. Fará a mesma coisa que fez a esquerda brasileira: irá fugir do país e os que ficarem tentarão acordos inúteis com os partidos de direita acreditando que eles irão impedir a ascensão do fascismo.
O confronto contra os fascistas deve ser levado a sério. E deve ser duro. Os trabalhadores portugueses devem se organizar imediatamente para abaixar a cabeça dos fascistas onde quer que ela se levante. Já sabem como é sofrer sob uma ditadura fascista (que durou meio século), e por isso não querem voltar a ter a mesma experiência. A Revolução de Abril não conseguiu enterrar o fascismo graças à traição da esquerda oportunista que não levou a revolução até o fim. Agora que os fantasmas salazaristas voltam a assombrar Portugal, é necessário varrer os fascistas do mapa de uma vez por todas – eles e seus criadores, os partidos tradicionais da direita burguesa.
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