Entre os casos denunciados estão as detenções arbitrárias de 34 jornalistas nesse país do Médio Oriente e o assassinato de Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post que, em 2018, foi morto no consulado saudita na Turquia. O jornalista era um forte opositor da coroa.
“Estes jornalistas foram vítimas de assassinatos, tortura, violência sexual, coerção e desaparecimentos forçados”, lamentou Christophe Deloire, secretário-geral da Repórteres sem Fronteiras, numa conferência de imprensa esta terça-feira.
A RSF escolheu submeter a sua acusação na Alemanha porque as leis alemãs atribuem aos tribunais desse país jurisdição sobre crimes cometidos no estrangeiro, mesmo que não estejam ligados à Alemanha.
A organização não-governamental disse esperar que a acusação, centrada no príncipe herdeiro e líder de facto da Arábia Saudita e em quatro altos-funcionários, leve o procurador alemão a abrir uma “análise de situação”, processo que poderá depois originar uma investigação formal aos alegados crimes.
“A abertura de uma investigação criminal na Alemanha aos crimes contra a humanidade cometidos pela Arábia Saudita seria algo inédito”, declarou o diretor da RSF na Alemanha, Christian Mihr. “Pedimos ao procurador público que abra uma análise de situação que tenha em vista o lançamento de uma investigação formal e a emissão de mandados de detenção”.
A Repórteres sem Fronteiras acredita que a chamada de atenção para as dezenas de jornalistas sujeitos à violência saudita permite entender que todos os jornalistas desse país estão sob ameaça constante, especialmente se criticarem o Governo.
Relatório norte-americano acusa príncipe
Hatice Cengiz, noiva de Jamal Khashoggi que ainda esta semana tinha defendido a “punição sem demora” do príncipe herdeiro, já se ofereceu para fornecer provas à Justiça alemã e a qualquer outra eventual investigação ao homicídio do noivo. “O assassino não pode escapar impune, caso contrário isto vai voltar a acontecer”, alertou.
A acusação da RSF surge apenas alguns dias depois de os Estados Unidos terem divulgado um relatório dos serviços secretos que acusa Mohamed Bin Salman de ter aprovado a morte de Jamal Khashoggi.
“Concluímos que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita aprovou uma operação em Istambul para capturar ou matar o jornalista saudita Jamal Khashoggi”, avançou a CIA. “O príncipe herdeiro considerou Khashoggi uma ameaça ao reino e apoiou completamente o uso de medidas violentas, caso necessário, para o silenciar”.
Uma versão classificada do documento tinha já sido partilhada com membros do Congresso dos EUA no final de 2018, mas na altura a Administração Trump terá recusado divulgá-lo, apesar das exigências de legisladores e de ativistas dos Direitos Humanos.
Poucos dias antes da divulgação do relatório, o Presidente Joe Biden anunciou que passaria a comunicar diplomaticamente apenas com o rei saudita e não com o príncipe herdeiro, apesar de este ser considerado o líder de facto do país.
Penas de morte dos acusados foram anuladas
Jamal Khashoggi, jornalista saudita de 59 anos que residia nos Estados Unidos, era um forte crítico da família real do país de origem. A 2 de outubro de 2018 entrou no Consulado saudita em Istambul para recolher documentos necessários ao seu futuro casamento e nunca mais foi visto.
Na altura, a Arábia Saudita confessou que o jornalista morreu no edifício depois de as negociações para que regressasse ao país terem falhado. A Turquia acredita que foi estrangulado e desmembrado, apesar de nunca terem sido encontrados vestígios do corpo.
O assassinato despoletou reações a nível global e manchou a imagem do príncipe saudita, Mohammad bin Salman, que a CIA e vários governos acreditam ter orquestrado a morte do jornalista. As acusações foram sempre rejeitadas pela realeza.
No final de 2019, o procurador-geral da Arábia Saudita informou que cinco pessoas foram sentenciadas à morte devido ao envolvimento no caso do homicídio de Khashoggi e que outras três pessoas foram condenadas em penas de prisão de 24 anos.
Em setembro do ano passado, porém, a justiça saudita anulou as sentenças de morte e condenou os cinco sentenciados a 20 anos de prisão. As penas dos restantes foram reduzidas para entre sete a dez anos de prisão.
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