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Álvaro Cunhal foi preso pela terceira vez no dia 25 de Março de 1949. A 5 de Maio do ano seguinte sentou-se no banco dos réus do lisboeta Tribunal da Boa Hora, acusado de crimes contra o Estado. Um momento que o PCP considera “particularmente marcante”, assinalando o dia em que o seu líder histórico passou de acusado a acusador, denunciando o regime fascista e a as suas práticas.
“Uma memorável intervenção na qual, com notável lucidez e coragem, procedeu ao julgamento e condenação do regime fascista”, afirmou nesta terça-feira Jerónimo de Sousa numa declaração na Internet.
Cunhal (1914-2005) não foi o primeiro militante comunista a usar o tribunal para denunciar o regime, mas a sua longa intervenção - um verdadeiro manifesto - acabou por mudar a forma de os comunistas se comportarem em tribunal.
Até aí, os militantes e funcionários do PCP negavam sempre a sua ligação ao partido. A partir de Maio de 1950, caso o acusado percebesse que as provas do seu envolvimento com o partido eram inegáveis, passaria a usar o julgamento para denunciar os perpetrados pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e para defender e divulgar publicamente o partido.
Numa altura em que o PCP se prepara para assinalar o 100.º aniversário, Jerónimo de Sousa recordou Cunhal como a “personalidade ímpar e revolucionário de corpo inteiro” que “nesse exemplo de firmeza e dignidade protagonizado no Tribunal da Boa Hora, enfrentando os juízes fascistas, passando de acusado a acusador, e que constitui um testemunho da personalidade de um homem em luta – uma luta travada nas severas e violentas condições da prisão fascista”.
“Fechado numa cela onde o Sol não entrava e a luz de vigília estava acesa 24 horas sobre 24 horas, sem lápis nem papel, ele memorizou a sua longa intervenção e, em pleno tribunal, sentou o regime salazarista no banco dos réus, protagonizando um dos mais significativos actos de resistência ao regime fascista e de confiança no futuro da luta de libertação do nosso povo”, afirmou o secretário-geral do PCP.
Lembrou ainda as palavras finais de Cunhal no tribunal da Boa Hora: “Vamos ser julgados e certamente condenados. Para nossa alegria basta saber que o nosso povo pensa que se alguém deve ser julgado e condenado por agir contra os interesses do povo e do País, por querer arrastar Portugal a uma guerra criminosa, por utilizar meios inconstitucionais e ilegais, por empregar o terrorismo, esse alguém não somos nós, comunistas.
O nosso povo pensa que, se alguém deve ser julgado por tais crimes, então que se sentem os fascistas no banco dos réus, então que se sentem no banco dos réus os actuais governantes da nação e o seu chefe, Salazar.”
Em tempos de pandemia da covid-19, Jerónimo de Sousa alertou que se vive uma “situação difícil”, em que “os perigos são imensos”: “Este é um momento para afirmar que a luta não está, nem pode ficar de quarentena.”
Álvaro Cunhal foi condenado a quatro anos de prisão maior celular, seguido de oito anos de degredo. A 3 de Janeiro de 1960 foge, com outros comunistas, do Forte de Peniche. No ano seguinte é eleito secretário-geral do PCP.
A peça "Um Dia os Réus Serão Vocês: O Julgamento de Álvaro Cunhal" sobe ao palco do Teatro Municipal Joaquim Benite.
No ano que marca o centenário do nascimento de Álvaro Cunhal (1913-2005), o espectáculo lembra esta figura histórica, baseando-se na defesa que o líder comunista apresentou para si próprio em Maio de 1950. Uma ideia original do recentemente falecido Joaquim Benite, com encenação e dramaturgia de Rodrigo Francisco e participação de Luís Vicente, João Farraia e Manuel Mendonça. Até 28 de Abril, no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, com sessões às 21h30, domingo às 16h. O bilhete custa 13€, sujeito a desconto. A peça segue depois para Faro, de 1 a 4 de Maio, e Portimão, a 5. M/12
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