No dia em que se comemorou os 75 anos da capitulação da Alemanha nazi, a Casa Branca publicou um comunicado onde a União Soviética e o seu papel determinante na vitória dos Aliados foi ocultado. Em resposta, o Governo russo acusou os Estados Unidos de "distorcer" os factos históricos e anunciou que pretende manter "uma conversa séria" com as autoridades norte-americanas.
Na véspera das celebrações, o Governo dos Estados Unidos emitiu uma declaração do secretário de Estado, Mike Pompeo, em conjunto com os ministros dos Negócios Estrangeiros da Bulgária, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Roménia e Eslováquia.
A declaração tornou-se de imediato alvo de críticas dado que não fez qualquer menção aos 27 milhões de mortes da União Soviética durante a guerra contra a Alemanha nazi, nem reconheceu o contributo da URSS para a vitória dos Aliados.
“Embora maio de 1945 tenha trazido o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa, não trouxe liberdade para toda a Europa. A parte central e oriental do continente permaneceu sob o domínio dos regimes comunistas durante quase 50 anos. Os países bálticos foram ilegalmente ocupados e anexados e um controlo férreo sobre as outras nações cativas foi imposto pela União Soviética usando força militar esmagadora, repressão e controlo ideológico”, lê-se primeiramente no documento, sem nenhuma referência à libertação da Europa do regime nazi.
“Hoje estamos a trabalhar juntos em direção a uma Europa forte e livre, onde prevalecem os direitos humanos, a democracia e o Estado de Direito. O futuro deve basear-se nos factos da História e da justiça para as vítimas dos regimes totalitários. Estamos prontos para o diálogo com todos os interessados em seguir estes princípios”, conclui a declaração.
Mais tarde nesse mesmo dia, a Casa Branca publicou um tweet onde o papel da União Soviética na derrota da Alemanha nazi foi, uma vez mais, ocultado: “No dia 8 de maio de 1945, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha venceram os nazis”.
Moscovo promete uma “conversa séria”
A Rússia não ficou indiferente a estas mensagens da Casa Branca e considerou-as uma “tentativa de distorcer” a História.
“Na véspera do dia sagrado, as autoridades americanas não tiveram coragem nem vontade de, pelo menos, prestar homenagem ao papel inegável e aos colossais sacrifícios que o Exército Vermelho e o povo soviético fizeram em nome de toda a humanidade”, disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros em comunicado, acrescentando que as declarações dos EUA foram “extremamente cruéis”.
O documento sublinha que a atitude do executivo norte-americano “é claramente discordante da declaração assinada em 25 de abril pelos presidentes Vladimir Putin e Donald Trump”, onde são evidenciados os “esforços conjuntos dos nossos países na luta contra um inimigo comum”.
“Presumimos que os factos reais da História não possam ser ignorados”, lê-se ainda no documento, onde é acrescentado que a “Rússia e os EUA, apesar das divergências, podem, com base no respeito mútuo e na consideração dos interesses uns dos outros, dar uma resposta comum aos crescentes desafios do nosso tempo”.
“Pretendemos manter uma conversa séria sobre este assunto com as autoridades americanas”, conclui o comunicado.
“Ignorância profunda” ou “insulto calculado”?
O aparente “esquecimento” sobre o papel da URSS na luta contra o nazismo por parte dos EUA não é surpreendente para a maioria dos especialistas.
Peter Kuznick, professor de História e diretor do Instituto de Estudos Nucleares da American University, considera que esta atitude dos EUA é reflexo da cultura norte-americana:
“O problema é que isso é o que a maioria dos americanos aprende na escola e nas redes sociais. Se perguntar aos norte-americanos quem venceu a Segunda Guerra Mundial, a maioria dirá que foram os EUA”.
O professor Kuznick, citado pelo meio de comunicação russo RT, acrescentou que muitos norte-americanos têm “uma profunda ignorância sobre os acontecimentos históricos”.
Já Jim Jatras, ex-diplomata dos EUA, acredita que a mensagem da Casa Branca tenha sido intencional. “É um insulto calculado, um desprezo contra a Rússia moderna”, disse Jatras, considerando que reflete o desejo de Washington de se apresentar como o único líder mundial. “Eles [norte-americanos] têm uma atitude imprudente relativamente a insultar outros países”, concluiu.
Jatras argumenta ainda que muitos norte-americanos são fascinados por “mitos históricos” que apenas agravam as situações. “Eles [mitos] são todos muito perigosos porque a maneira como as pessoas percebem a História vai moldar a forma como agem no mundo no presente e como se comportarão no futuro. Perpetuar esse tipo de mitos é muito irresponsável”, sublinhou o ex-diplomata.
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