A Mocidade Portuguesa, extinta com o 25 de abril, foi criada, em 1936, por António de Oliveira Salazar, com o objetivo de inculcar na juventude o “sentimento de ordem, do gosto da disciplina e do culto do dever militar”.
Era uma organização nacional, que abrangia obrigatoriamente toda a juventude, escolar ou não, e que acabou por se estender dos 7 aos 25 anos, para “estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do caráter e a devoção da pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina e no culto de dever militar” (art.º 1 – Regulamento da Mocidade Portuguesa).
A Mocidade Portuguesa, copiada dos modelos fascistas italianos, tinha estatutos, estrutura nacional e sinais exteriores de filiação. Os principais eram a farda (camisa verde, calção castanho, bivaque castanho escuro e um cinto com a letra S, que, embora se referisse a “Servir”, tinha a tradução popular de “Salazar”), braço direito estendido como saudação romana, e hino (“Lá vamos, cantando e rindo/levados, levados sim…”) cantando durante os desfiles ao estilo das paradas militares.
Os filiados agrupavam-se em escalões: Lusitos, dos 7 aos 10 anos; Infantes, dos 10 aos 14 anos; Vanguardistas, dos 14 aos 17 anos; Cadetes, dos 17 aos 25 anos. Os dois primeiros grupos eram os únicos de filiação obrigatória.
Mas, como a Mocidade Portuguesa tinha a seu cargo atividades desportivas, culturais e de ordem social (cantinas, pousadas, colónias de férias, concessão de bolsas de estudos, subsídios de assistência, centros médicos com assistência gratuita aos filiados) e chegou a lançar centros extraescolares para não estudantes (de formação profissional, desportivos, para vela, voleibol, futebol, ténis, hipismo, natação, pugilismo, aviação com e sem motor e campismo) a maioria da juventude acabava por estar nela integrada. Logo em outubro de 1937, Carneiro Pacheco, ministro da Educação Nacional, para conseguir universalizar esta organização, determinava que até os estabelecimentos de ensino particular passassem a receber gratuitamente alunos pobres, desde que tivessem “bom aproveitamento, exemplar conduta moral e estivessem filiados na Mocidade Portuguesa”.
Apesar do seu manto educacional, muitos consideravam a Mocidade Portuguesa na mesma linha das juventudes fascistas e hitlerianas, apontando, nomeadamente, o discurso do ministro, de 24 de maio de 1936, que definia o seu objetivo principal: “Dar a primeira formação, no sentido do vigor físico da raça, da retidão do caráter e da consciência nacional”.
Quando, a 25 de abril de 1974, 38 anos depois de ter surgido, os seus dirigentes entregaram as chaves da Mocidade Portuguesa ao vitorioso Movimento das Forças Armadas, já muitos poucos ou quase ninguém lhe atribuía a importância de que se revestiu nos anos 40 e 50.
Era uma organização nacional, que abrangia obrigatoriamente toda a juventude, escolar ou não, e que acabou por se estender dos 7 aos 25 anos, para “estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do caráter e a devoção da pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina e no culto de dever militar” (art.º 1 – Regulamento da Mocidade Portuguesa).
A Mocidade Portuguesa, copiada dos modelos fascistas italianos, tinha estatutos, estrutura nacional e sinais exteriores de filiação. Os principais eram a farda (camisa verde, calção castanho, bivaque castanho escuro e um cinto com a letra S, que, embora se referisse a “Servir”, tinha a tradução popular de “Salazar”), braço direito estendido como saudação romana, e hino (“Lá vamos, cantando e rindo/levados, levados sim…”) cantando durante os desfiles ao estilo das paradas militares.
Os filiados agrupavam-se em escalões: Lusitos, dos 7 aos 10 anos; Infantes, dos 10 aos 14 anos; Vanguardistas, dos 14 aos 17 anos; Cadetes, dos 17 aos 25 anos. Os dois primeiros grupos eram os únicos de filiação obrigatória.
Mas, como a Mocidade Portuguesa tinha a seu cargo atividades desportivas, culturais e de ordem social (cantinas, pousadas, colónias de férias, concessão de bolsas de estudos, subsídios de assistência, centros médicos com assistência gratuita aos filiados) e chegou a lançar centros extraescolares para não estudantes (de formação profissional, desportivos, para vela, voleibol, futebol, ténis, hipismo, natação, pugilismo, aviação com e sem motor e campismo) a maioria da juventude acabava por estar nela integrada. Logo em outubro de 1937, Carneiro Pacheco, ministro da Educação Nacional, para conseguir universalizar esta organização, determinava que até os estabelecimentos de ensino particular passassem a receber gratuitamente alunos pobres, desde que tivessem “bom aproveitamento, exemplar conduta moral e estivessem filiados na Mocidade Portuguesa”.
Apesar do seu manto educacional, muitos consideravam a Mocidade Portuguesa na mesma linha das juventudes fascistas e hitlerianas, apontando, nomeadamente, o discurso do ministro, de 24 de maio de 1936, que definia o seu objetivo principal: “Dar a primeira formação, no sentido do vigor físico da raça, da retidão do caráter e da consciência nacional”.
Quando, a 25 de abril de 1974, 38 anos depois de ter surgido, os seus dirigentes entregaram as chaves da Mocidade Portuguesa ao vitorioso Movimento das Forças Armadas, já muitos poucos ou quase ninguém lhe atribuía a importância de que se revestiu nos anos 40 e 50.
VÍDEO
noseahistoria.wordpress.com
restosdecoleccao.blogspot.com /2014/05/mocidade-portuguesa-feminina.html
Mocidade Portuguesa Feminina
A organização nacional denominada “Mocidade Portuguesa”, formalmente instituída pelo Decreto-Lei nº 26.661, de 19 de Maio de 1936, pretendia abranger a juventude do «Império Português» e os núcleos de portugueses no estrangeiro.
A “Mocidade Portuguesa Feminina” (MPF), foi regulamentada através do Decreto-Lei n.º 28 262, de 8 de Dezembro de 1937 , definida como «secção feminina da organização nacional Mocidade Portuguesa (M.P.F.) a cargo da Obra das Mães pela Educação Nacional (O.M.E.N.)».
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De acordo com o texto deste diploma, esta organização «cultivará nas filiadas a previdência, o trabalho colectivo, o gosto da vida doméstica e as várias formas do espírito social próprias do sexo, orientando para o cabal desempenho da missão da mulher na família, no meio a que pertence e na vida do Estado.»
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Em Dezembro de 1937 é nomeada Comissária Nacional da MPF Maria Baptista dos Santos Guardiola - professora de matemática, reitora do “Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho” e uma das três primeiras deputadas portuguesas - encabeçando a direcção da MPF, influenciando definitivamente a organização. Ao mesmo tempo seriam também nomeadas outras comissárias nacionais adjuntas: Maria Luísa Saldanha da Gama Vanzeller, médica que tinha sido dirigente de organizações femininas da “Acção Católica”, depois deputada e vice-presidente do “Instituto Maternal”, e Fernanda Almeida d'Orey, ex-dirigente do escutismo feminino e mãe de muitos filhos, ao contrário das maioria das dirigentes solteiras da MPF. Em 1947, seria também destacada para o comissariado nacional Aurora David, professora católica.
O primeiro número do Boletim mensal da “Mocidade Portuguesa Feminina” de 13 de Maio de 1939
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As datas charneira do início da "Mocidade Portuguesa Feminina" foram: 1938, quando a organização saiu pela primeira vez a conhecimento público; o ano de 1942, quando a vida associativa escolar foi atribuída às Mocidades; e, depois de cinco anos de reforço da obrigatoriedade de filiação e de hegemonia das Mocidades, 1947, quando as actividades das duas organizações de juventude foram integradas nos planos escolares.
Curso para graduadas em 1939
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O facto de a "Mocidade Portuguesa Feminina" ter tido uma implantação quase exclusivamente escolar explica e estreita subordinação da periodização da vida às relações que manteve com a Escola e o Ministério da Educação Nacional. Por outro lado , a "Mocidade Portuguesa Feminina" organizou separadamente as jovens e actuou de forma independente da "Mocidade Portuguesa", com programa, vida autónoma e direcção própria.
Exposição de trabalhos manuais e textéis efectuados pela “Mocidade Portuguesa Feminina”
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Visita da MPF ao “Museu Nacional de Arte Antiga”
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“Mocidade Portuguesa Feminina” nas boas vindas ao regresso do General Carmona, da viagem às colónias em 1939
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A 6 de Julho de 1966 foi feita “Membro-Honorário da Ordem da Instrução Pública”. Em 8 de Novembro de 1971, através do Decreto-Lei 484/71, o ministro José Veiga Simão deu início ao princípio do fim das Mocidades ao transformá-las em «associações nacionais de juventude abertas á adesão voluntária». Três anos depois, a “Mocidade Portuguesa Feminina” foi extinta, juntamente com a “Mocidade Portuguesa”, a “Legião Portuguesa”, a “Acção Nacional Popular” e a “PIDE/DGS”, pelo Decreto-Lei 171/74, de 25 de Abril.
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BIbliografia: "A Mocidade Portuguesa Feminina nos Dez Primeiros Anos de Vida (1937-47)” de Irene Flunser Pimentel - Instituto de História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa
A “Mocidade Portuguesa Feminina” (MPF), foi regulamentada através do Decreto-Lei n.º 28 262, de 8 de Dezembro de 1937 , definida como «secção feminina da organização nacional Mocidade Portuguesa (M.P.F.) a cargo da Obra das Mães pela Educação Nacional (O.M.E.N.)».
De acordo com o texto deste diploma, esta organização «cultivará nas filiadas a previdência, o trabalho colectivo, o gosto da vida doméstica e as várias formas do espírito social próprias do sexo, orientando para o cabal desempenho da missão da mulher na família, no meio a que pertence e na vida do Estado.»
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Em Dezembro de 1937 é nomeada Comissária Nacional da MPF Maria Baptista dos Santos Guardiola - professora de matemática, reitora do “Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho” e uma das três primeiras deputadas portuguesas - encabeçando a direcção da MPF, influenciando definitivamente a organização. Ao mesmo tempo seriam também nomeadas outras comissárias nacionais adjuntas: Maria Luísa Saldanha da Gama Vanzeller, médica que tinha sido dirigente de organizações femininas da “Acção Católica”, depois deputada e vice-presidente do “Instituto Maternal”, e Fernanda Almeida d'Orey, ex-dirigente do escutismo feminino e mãe de muitos filhos, ao contrário das maioria das dirigentes solteiras da MPF. Em 1947, seria também destacada para o comissariado nacional Aurora David, professora católica.
O primeiro número do Boletim mensal da “Mocidade Portuguesa Feminina” de 13 de Maio de 1939
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As datas charneira do início da "Mocidade Portuguesa Feminina" foram: 1938, quando a organização saiu pela primeira vez a conhecimento público; o ano de 1942, quando a vida associativa escolar foi atribuída às Mocidades; e, depois de cinco anos de reforço da obrigatoriedade de filiação e de hegemonia das Mocidades, 1947, quando as actividades das duas organizações de juventude foram integradas nos planos escolares.
Curso para graduadas em 1939
O facto de a "Mocidade Portuguesa Feminina" ter tido uma implantação quase exclusivamente escolar explica e estreita subordinação da periodização da vida às relações que manteve com a Escola e o Ministério da Educação Nacional. Por outro lado , a "Mocidade Portuguesa Feminina" organizou separadamente as jovens e actuou de forma independente da "Mocidade Portuguesa", com programa, vida autónoma e direcção própria.
Exposição de trabalhos manuais e textéis efectuados pela “Mocidade Portuguesa Feminina”
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Visita da MPF ao “Museu Nacional de Arte Antiga”
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“Mocidade Portuguesa Feminina” nas boas vindas ao regresso do General Carmona, da viagem às colónias em 1939
A 6 de Julho de 1966 foi feita “Membro-Honorário da Ordem da Instrução Pública”. Em 8 de Novembro de 1971, através do Decreto-Lei 484/71, o ministro José Veiga Simão deu início ao princípio do fim das Mocidades ao transformá-las em «associações nacionais de juventude abertas á adesão voluntária». Três anos depois, a “Mocidade Portuguesa Feminina” foi extinta, juntamente com a “Mocidade Portuguesa”, a “Legião Portuguesa”, a “Acção Nacional Popular” e a “PIDE/DGS”, pelo Decreto-Lei 171/74, de 25 de Abril.
BIbliografia: "A Mocidade Portuguesa Feminina nos Dez Primeiros Anos de Vida (1937-47)” de Irene Flunser Pimentel - Instituto de História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa
Fardas de um mal fardado
De há muito que embirro com fardas. Ficou-me desde que fui (mal) fardado pela primeira vez. Acho que a farda tira ao comum mortal a sua diferente identidade e torna-o demasiado parecido com outros tantos, sempre demais. E será para isso mesmo que existem e servem – transformar o indivíduo numa peça de uma instituição, ostentando a fidelidade obediente como valor.
O certo é que a maior parte dos miúdos passam por uma fase em que adoram fardas. Seja de bombeiro, de polícia ou músico de banda. Provavelmente porque os fardados lhes aparecem como adultos especialmente vocacionados para mandarem mais, até que os adultos. Talvez porque gostassem de ser adultos com super autoridade para escaparem à autoridade dos adultos que neles mandam.
Também tive a minha fase de adorar fardas e sonhar com o dia em que tivesse direito a uma. A minha grande oportunidade surgiu cedo, quando tinha os meus dez anos. Na altura, era obrigatório pertencer-se à Mocidade Portuguesa e logo a partir dos dez anos de idade. Todos os sábados havia instrução para-marcial (aprendi cedo a marcar passo) e mais umas tretas de actividades desportivas e lúdicas. Lá consegui que me comprassem a fardeta: calções e meias altas castanhas, camisa verde com emblema, bivaque na cabeça e cinto castanho com uma fivela branca com o enorme S metálico incrustado a simbolizar a fidelidade a Salazar. Farda nova enfiada, saí orgulhoso rua fora a entornar vaidade naquela minha novíssima qualidade de cidadão fardado. Claro que esperei e ansiei por olhares de inveja e espanto dos míseros passantes reduzidos à condição de anónimos e inferiores civis.
Vivia então o Barreiro uma altura em que a repressão estava na exacta medida da energia das lutas operárias por melhores condições de vida. Eu não sabia na altura, mas o Barreiro (assim como a Marinha Grande) eram vilas operárias sob ocupação militar (entregue à GNR). Não sabia nada disso, não queria saber e não entenderia se isso me explicassem. O que sabia é que o Barreiro era, como a maioria, uma terra de fardas – uma série de bandas de musica, os bombeiros, os escuteiros, os GNRs por tudo quanto era sítio, mais as fardas de ganga do pessoal das fábricas. E, em terra com fardas, eu tinha a minha, a de lusito. Que, é claro, achava mais catita que todas as outras.
O meu orgulhoso e inaugural desfile fardado não teve grande sucesso. Pior, foi um verdadeiro fiasco. A malta graúda assomava às portas das tabernas, desatava a rir-se, chamava-me piolho verde e, pior, escarnecia-me nas costas com olha mais um que é da bufa. Naquela terra com fardas, não entendi porque é que a minha farda merecia aquele tratamento, bem longe dos desejados suspiros de admiração e inveja. Bom, o certo é que rapidamente conclui que não ganhava nada com o negócio de me fardar na miragem de conseguir olhares com palmas. Encurtei o trajecto. E respirei de alívio ao desfardar-me. E disse para comigo: fardas nunca mais!. Longe estava de suspeitar que a farda me havia de vestir outra vez, mais um tanto de vida passado, sem poder despegá-la da pele. Verde, outra vez verde, era a farda. E pelo pior uso que se pode fazer de uma farda, o da guerra. No cú pior das cús das guerras do meu tempo de usar farda, o da Guiné.
caminhosdamemoria.wordpress.com
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Decreto-lei de 1941 estipula que o traje de banho das senhoras deve ter “calção justo à perna”. Para os homens “fato inteiro”
FOTO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE CASCAIS - COLEÇÃO HOTEL PALÁCIO
Em 1940, Portugal recebeu milhares de refugiados em fuga de uma Europa que era mais tolerante nos costumes, mas estava em guerra. As mulheres estrangeiras fumavam, usavam saias curtas e iam sozinhas paras os cafés, deixando muitos homens portugueses embasbacados com tanta modernidade. No ano seguinte, para prevenir alegados atentados ao pudor nas praias, Salazar legislou sobre o que os fatos de banho devem esconder. E porque estamos em plena época balnear, o Expresso republica este texto sobre o tamanho dos maillots noutro tempo..
Ditadura e regulamentação da liberdade no vestir andam muitas vezes de mão dada, e Portugal não escapou a nenhuma delas. Em maio de 1941, o ministro do Interior, Mário Pais de Sousa, dois anos mais novo do que António Salazar e conterrâneo do ditador, decidiu prevenir o aparecimento de gente com o corpo excessivamente à mostra nas praias nacionais, antes que os portugueses, mas sobretudo as mulheres, adotassem os trajes de milhares de refugiados estrangeiros que cruzavam as nossas fronteiras.
É neste contexto de contacto com novos hábitos e costumes, de mulheres que fumavam e se sentavam sozinhas nas esplanadas, que o Governo decreta que “nos termos da Constituição, pertence ao Estado zelar pela moralidade pública e tomar todas as providências no sentido de evitar a corrupção dos costumes. Factos ocorridos durante a última época balnear mostraram a necessidade de se estabelecerem (...) as normas adequadas à salvaguarda daquele mínimo de condições de decência que as conceções morais e mesmo estéticas dos povos civilizados ainda, felizmente, não dispensam”.
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Mulheres em fato de banho, homens vestidos, e um com roupa de país árabe, numa praia da zona do Estoril
FOTO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE CASCAIS - COLEÇÃO HOTEL PALÁCIO
O decreto diz que só será permitido “usar e vender fatos de banho que não contrariem as condições mínimas oficialmente fixadas e tornadas públicas” que o “uso dos fatos de banho é restrito às praias, piscinas e outros locais destinados à prática de natação, sendo rigorosamente proibido ostentá-los fora desses lugares”. O legislador acrescentou estar atento “às exigências do desporto de natação”.
A lei não mencionava as características dos fatos de banho − que serão descritas em editais posteriormente afixados nas zonas balneares... e que aí permaneceram durante largas décadas, sobrevivendo alguns, para amostra, depois do 25 de Abril de 1974, quando já tinham prescrito pelo uso.
LEI VISAVA HOMENS E MULHERES
Ao contrário da tentativa de regulamentação que o governo do Presidente da França, François Hollande, tentou impor recentemente − e que foi vetada pelo tribunal − o decreto-lei do ministro Pais de Sousa impunha limitações de traje de banho a homens e mulheres: os homens poderiam mostrar as costas até à cintura, as mulheres só até 10 centímetros acima da cintura. O fato de banho delas tinha de ter um saiote que cobrisse em pelo menos um centímetro a parte de baixo do calção justo à perna, enquanto o calção deles teria de ter um comprimento de perna mínimo de dois centímetros, e tapar a barriga, podendo ser inteiro ou de duas peças, conforme se lê no edital de julho de 1952, da capitania de Cascais, que reproduzimos.
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Estes editais permaneceram afixados nas praias portuguesas durante décadas. A partir dos finais da década de 1950 os incumpridores eram muitos e já não eram incomodados com multas
ARQUIVO A CAPITAL
Apesar de os homens serem visados pelas normas do traje de banho, e de a fiscalização ter sido efetiva − com recurso a fita métrica − a repressão sobre a forma de vestir das mulheres − ou pelo menos uma fortíssima pressão social − era uma das maiores preocupações da Mocidade Portuguesa Feminina (MFP), que em conjunto com a OMEN [Obra das Mães pela Educação Nacional], iniciara a campanha pela “moralização das praias” em 1936.
A historiadora Irene Flunser Pimentel, no livro “Organizações Femininas do Estado Novo”, lembra que a este caldo de MFP e OMEN “se juntou a imprensa católica, que acusou a ‘judiaria’ e o protestantismo pela difusão da ‘pornografia, nudismo e satã sensualidade’. A recorrência dos artigos sobre o ‘pudor’ nas praias e expressões para afugentar as troças que recaíam sobre as filiadas que usavam o fato de banho regulamentar da Mocidade são reveladores de que a austeridade e o moralismo da MPF não encontravam, no entanto, grande adesão entre as jovens das classes média e alta. Num artigo sobre a praia do Estoril, a articulista elogiou o fato de banho da MPF e apelou às leitoras para abandonarem o ‘maillot feio e impróprio’ ’’, acrescenta Pimentel, transcrevendo o apelo da articulista do artigo publicado no Boletim da MPF de julho de 1939:
Jovens vestindo o modelo de fato de banho da Mocidade Portuguesa Feminina, que procurava moldar e propagandear um ideal de mulher do Estado Novo
BOLETIM MPF, JULHO DE 1941, HEMEROTECA MUNICIPAL DE LISBOA
“Tende personalidade e coragem para afirmar essa personalidade não vos acanhando de aparecer corretas, mas sabendo dar alegremente o exemplo. A vossa influência pelo exemplo pode ser enorme. [...] Raparigas da Mocidade, o vosso dever é reagir contra tudo o que é mau. Se vos criticarem, que importa? [...] Vesti com orgulho o fato de banho da Mocidade: ele fala por vós e diz aos que vos veem quem vós sois: verdadeiras raparigas alegres e saudáveis – mas puras”.

Detalhe da primeira página do Diário de Notícias de 11 setembro de 1940
ARQUIVO BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL
Por oposição à campanha de propaganda da MPF, em setembro de 1940, o “Diário de Notícias” colocou na primeira página uma foto com duas mulheres em fato de banho e escrevia: “Portugal é a praia ocidental da Europa, onde se falam agora todas as línguas e se encontram mulheres de todo o tipo de beleza”.
A chegada das refugiadas estrangeiras abanou e arejou um Portugal cinzento e fechado sobre si próprio, e pôs (alguns) os homens portugueses em alvoroço e a hierarquia religiosa em alerta.
No seu livro “Recordações de um Caminheiro” − citado por Irene Pimentel em “Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial” − o escritor, dramaturgo e advogado antifascista Alexandre Babo recorda as "esplanadas da Avenida ou do Rossio” onde se viam “franceses, belgas, holandeses, judeus dos mais remotos lugares”.
O autor também se refere a uma das pastelarias mais famosas da Lisboa de então: “À Suíça, no Rossio, já chamavam o ‘Bompernasse’, [numa alusão às pernas das mulheres que passeavam pela zona parisiense de Montparnasse]”, porque por ali “predominavam as mulheres (...) fumando em público. (...) Tudo isto era murro na boca do estômago do provincianismo nacional. (...) Aquela gente aparentava outros hábitos, mais livres, mais naturais e abertos (...) sem olharem (elas) de soslaio os machos, sentadas nos cafés, nas cervejarias, nos passeios públicos, o que até então era apanágio exclusivo dos homens e de algumas poucas mulheres.”
ROSSIO ERA CONHECIDO POR ‘BOMPERNASSE’
À pastelaria “Suíça”, no Rossio, já chamavam o ‘Bompernasse’, [numa alusão às pernas das mulheres que passeavam pela zona parisiense de Montparnasse]”, porque por ali “predominavam as mulheres (...) fumando em público
Também a escritora e jornalista francesa Suzanne Chantal − que mais tarde se casaria com um português − escreveria em 1940 no “Diário de Notícias”, que “nunca tinha visto tantos homens juntos ao mesmo tempo numa praça pública e nem uma única mulher” e que compreendia a “razão por que Portugal” tinha “um nome masculino”. No seu romance “Deus não Dorme”, Chantal descreve o escândalo que os hábitos das estrangeiras provocaram entre algumas portuguesas que, por vezes, mostravam incompreensão pela situação dos refugiados: “Querem que a gente tenha pena deles. Passam ali os dias inteiros sem fazer nada. Estas estrangeiras! (...) Passeiam-se sem meias, sem chapéu. Trazem bâton nos lábios e não têm camisa. Uma vergonha! Um mau exemplo para as nossas filhas”.
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Banhistas numa praia da linha do Estoril
FOTO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE CASCAIS - COLEÇÃO HOTEL PALÁCIO
No que toca às sanções aplicadas às pessoas que desafiaram a lei dos fatos de banho, pouco depois de entrar em vigor, o matutino “O Século” de 13 de outubro de 1941 noticia que seriam julgados nesse dia na polícia marítima “alguns banhistas, principalmente senhoras, que transgrediram o regulamento” e que tinham sido “autuados” na véspera nas praias dos arredores de Lisboa.
SE FOSSE HOJE... MULTA ULTRAPASSAVA OS 2000 EUROS
No livro “Judeus em Portugal”, a historiadora Irene Pimentel conta que um diplomata jugoslavo “foi abordado por dois polícias à civil, por estar em tronco nu, na areia, e intimado a ir à polícia, no Terreiro do Paço, para ser multado em 3000$00, por ofensa ao regulamento do vestuário para banhos de mar. Acabou por ser perdoado, mas aconselhado a vestir-se ‘sobretudo quando saísse da água’ ”. O Expresso fez as contas e concluiu que 3000$00 em 1941 equivalem a 2028 euros atuais.
Refira-se ainda, a título de curiosidade, que de acordo com a informação disponível no Diário da República, o decreto-lei de 1941 não foi alterado nem revogado. Interpelada a Autoridade Marítima Nacional, informa que “se ainda não foi revogado expressamente, pode-se considerar a sua revogação tácita, atendendo ao facto de hoje, pelo menos em Portugal, as pessoas trajarem biquínis ou fatos de banho, ou calções de banho, uns mais curtos, outros mais longos (para os nudistas existem praias especificas), sendo que não existe qualquer punição pelo facto de se usar biquínis reduzidos, ou fazer-se topless”.
O Estado Novo sempre tentou controlar a exposição do corpo, nomeadamente nos cartazes de cinema, que “pintavam as costas” desnudas das atrizes de Hollywood, e “retocavam os decotes”, como lembra o historiador António Costa Pinto: “Se há algo que caracteriza o regime de Salazar é ter regulamentado e aplicado as visões mais conservadoras da igreja católica sobre a moral e os bons costumes”.
Acresce dizer, que os refugiados que passaram por Portugal só passavam dias inteiros sem aparentemente fazerem nada porque estavam praticamente impedidos de trabalhar, e limitados no espaço geográfico em que se podiam movimentar. Na verdade, não eram turistas mas pessoas em fuga em busca de um porto seguro que os salvasse da guerra e perseguições nazis.
ESTE TEXTO FOI INICIALMENTE PUBLICADO NO DIA 31 DE AGOSTO DE 2016.
expresso.pt
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