Maio, maduro maio: tradições algarvias
Os romanos festejavam entre 30 de abri e 3 de maio as “floralias”, a festa dos cereais e das flores. O festival romano era dedicado a Flora, a deusa das frutas e flores, e celebrava a fertilidade do solo, dos animais e das pessoas. Na Grécia, o Protomagia assinalava o auge da floração e, por isso, faziam-se coroas de flores e ramos verdes. Na tradição celta, o festival Beltane celebrava-se na primeira noite do mês, com danças à volta da fogueira.
Mayas. […] em Roma se celebrava com ramos, hervas, e capellas de flores no mes de Mayo, por ser o tempo em que as plantas saõ mais viçosas […] Mayas ainda hoje se usaõ em Portugal nos Domingos e dias Santos do mês de Mayo, pondo se em algumas ruas humas mesas, cubertas com alcatifas, ou outros pannos, e se assenta em cada huma dellas huma menina, ou moça, bem vestida, que pede dinheiro às pessoas que passaõ. (Bluteau, 1716, p. 372)
Já a Primavera vai adiantada, as flores estão viçosas e alegram os campos, germinam as colheitas na terra depois das águas de abril. Maio é o mês das flores. Dá o nome a umas pequeninas conhecidas como «maias», nome popular da giesta, uma planta campestre, de ramos longos e delgados e flores amarelas e que, por esta altura cobre os campos.
Mas, «Maio» ou o «Burro» são entidades nocivas, cujo malefício se pretende conjurar com uma oposição de flores ou a manducação de certas espécies: as castanhas, os milhos, os figos, que mais garantia contra a fome. No Algarve, os figos secos, acompanhados de aguardente de medronho eram postos sobre a mesa para atacar o maio. “Maio” era nome impronunciável. Nomeava-se como “o mês que se segue a abril”, ou ficava-se em suspenso sem lhe dizer o nome, ou substituindo-o por “Burro” ou “Carrapato”. Nalguns sítios, avisa-se para não deixar o maio entrar: “cuidado, não deixes o maio entrar!”. Em Monchique, come-se o bolo do tacho, preparado com farinha de milho, açúcar amarelo, mel, banha, chocolate, erva-doce, canela, aguardente, café e azeite e «ataca-se o maio», comendo uma fatia de bolo, logo pela manhã, com um copo de aguardente, «para o Maio não entrar».
Por isso, também, na noite antes de nascer o primeiro dia de maio, prendiam-se, nas manitas das portas, um raminho de giestas, penduravam-se nas ombreiras das portas ou janelas, atavam-se às ferraduras que, à entrada das casas e nas cortes do gado, nos prometiam boa sorte, punham-se em todos os lugares onde se queria esconjurar o mal. Tinha de ser à noite, para que, ao nascer do dia, o maio, não entrasse. A tradição terá a ver com o relato apócrifo e popular da Fuga para o Egipto: quando os soldados de Herodes procuravam Jesus, para o matar, foram avisados de que a Sagrada Família morava numa casa junto a uma giesteira e com a porta enfeitada por giestas; porém, quando chegaram à aldeia, todas as casas tinham ramos de giesta nas portas e não conseguiram encontrar o Menino. Daí que, na véspera do maio, à noite, se coloquem os ramos de giestas nas portas para não deixar o diabo entrar. Os ramos eram um esconjuro contra o mal e reflete ancestrais ritos de fertilidade para o novo ciclo agrícola.
Manda a tradição que ainda hoje, no 1 de maio, se procurem as giestas pelos campos, em grandes festas de grupo, geralmente, em burricadas, e que terminam invariavelmente com um piquenique. Era obrigatório o tacho de griséus, porque é o dia em que se comem os primeiros do ano: apanhavam-se e descascavam-se de madrugada para se manterem macios. É o “des-maio”. Além de se enfeitar portas e janelas com flores e giestas, todos punham um raminho de giestas, preso à blusa ou nos cabelos e as raparigas enfeitavam também um menino que representava o Maio Moço e passeavam-no pelas ruas fazendo grande ruído. Faz-se barulho, também, para afugentar o mal.
Inicialmente, as Maias eram meninas donzelas vestiam-se de branco e traziam coroas de flores. Sentavam-se às portas das casas ou nas açoteias e em frente delas se cantava-se e dançava-se um baile de roda, sem que elas pudessem reagir, nem sequer esboçar um sorriso ou pestanejar. Cantava-se “”O meu Maio moço / Ele lá vem / Vestido de verde / Que parece bem”. Aquela cujo baile tivesse mais gente era eleita a Maia da Aldeia (Medina, 2014).
[No Algarve] Em quasi todas as casa é costume arranjar-se uma grande boneca de centeio, farelo e trapos, que depois vestem de branco e cercam de flores. Chamam-lhe a Maia. A boneca é colocada sempre no meio da casa e de modo que seja vista por todas as pessoas que passam pela rua. Vem a noite, e começam os bailes em redor do mono, cantando as raparigas uma infinidade de cantigas. (Dâmaso, 1981, p. 33)
Que parece bem.As Maias são também bonecas de e palha de centeio e trapos, em torno das quais se dançava durante toda a noite do primeiro dia de maio e agora se colocam à porta de casa ou ao longo dos caminhos. No Algarve, mantém-se a tradição, com os bonecos isolados ou em casal, enfeitados com flores, sentados e a segurar no regaço ramos e frutos da região. Atualmente, cumprem o objetivo de crítica social, exposta em verso, nos cartazes que os acompanham, e representação da vida quotidiana.
Referências bibliográficas:
Bluteau, R. (1716). Vocabulario portuguez e latino …(v. 5). Lisboa: na Officina de Pascoal da Sylva.
Dâmaso, Reis (1881). Tradições poéticas do Algarve. In A vanguarda, n.º 47. Cit. in Vasconcelos, José Leite de. (1938). Opúsculos (v. 5). Lisboa: Imprensa Nacional.
Medina, L. (2014, 9 maio). Os Maios no Algarve. In Algarve meu Algarve (blogue). Acedido em http://algarvemeualgarve.blogspot.com/2014/05/os-maios-no-algarve.html
Bluteau, R. (1716). Vocabulario portuguez e latino …(v. 5). Lisboa: na Officina de Pascoal da Sylva.
Dâmaso, Reis (1881). Tradições poéticas do Algarve. In A vanguarda, n.º 47. Cit. in Vasconcelos, José Leite de. (1938). Opúsculos (v. 5). Lisboa: Imprensa Nacional.
Medina, L. (2014, 9 maio). Os Maios no Algarve. In Algarve meu Algarve (blogue). Acedido em http://algarvemeualgarve.blogspot.com/2014/05/os-maios-no-algarve.html
amusearte.hypotheses.org
Sem comentários:
Enviar um comentário