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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

OS HOMENS ACOBARDAM-SE, MAS OS MELROS, NÃO




António Mota (in facebook)

OS HOMENS ACOBARDAM-SE, MAS OS MELROS, NÃO
1.
Os homens acobardam-se, mas os melros, não.
São uns valentes os melros. Chegam aos limites, num combate duro contra a escravidão, Chegam a matar, chegam a morrer, chegam a matar-se, e a matar os seus. Recusam a prisão e, se tiver que ser, abrem as asas num último e irreversível vôo de libertação. Acobardam-se os homens, mas os melros não.
2.
Os machos, vaidosos, exibem seu fato de penas, de preto azeviche lustroso, e seu bico vário concentra o espanto do amarelo vivo arribado. São muito vistosos, cumprindo a regra, quase sagrada, que a natureza concedeu aos machos, mas aos homens não, esses convencidos, que se distraíram, e, preguiçosos, perderam o brilho e a graça dos machos. Ficaram vulgares. E gostaram. Mas adiante, que ainda me batem.
3.
As fêmeas, porém, numa discrição cuidada, usam vestimenta preta, um tanto baça, tons fugidios de indizível refulgente castanho. E não precisam de exibir o bico, despido de ostentações coloridas, seguras que estão dos seus predicados para chamar os machos. 
E foi esta a bênção com que a natureza brindou o tudo que é fêmea. E as mulheres também. Mas estas, espertas, e alteraram tudo, deixando os homens na incerteza sempre, que só elas sabem. Mas adiante, antes que me.
4.
Onde quer que estejam, e estão em todo o lado, gostam sempre os melros de humidade amena e de relva tenra . É aí que brincam, dançam e namoram Brincam rente ao chão, em campo aberto, entre penedias, escondidos nos bosques, no meio dos jardins , e nos bancos destes. 
São uns brincalhões, os meltos.Brincam saltitando e, se mais agitados, movem-se aos sacões, cauda alevantado. E dizem que os homens, às vezes, também.
5.
Brincam aos amores, fazem corridinhas entre a erva, chegam a deixar-se nela, dizem, e brincando buscam um prazer que é seu, que é esgravatar minhocas, e que oferecem, bico contra bico, a quem. Perdem-se por elas. Para as encontrar, correm Seca e Meca, e apartam a relva, e fazem buraco, só por causa delas. É um tempo danado, o tempo dos melros, quando enamorados. 
E não só o deles. É o que me dizem.
6.
E que bem que cantam. E que melodia. E que harmonia. Na mais delicada surdina e doce. Na frase assobiada e desafiante. No secreto pio em semicolcheia. Seriam os melhores, não fosse a mania daquela pressa à toa, que termina abrupta. Ainda se fossem incipientes poetas, com pressa de publicar. Mas não. Lembram-me o Camilo. O que escrevia. O génio da alma em fogo escrita à velocidade da bala dum bacamarte. O nosso Dostoiévski. Os melros e o Camilo seriam os melhores. Mas, em frente.
7.
Audazes são os melros e ousados. Não fogem à luta, quando tem que ser. Por causa do campo de jogo que é seu, da relva que é sua, do buraco que é seu, da minhoca que é sua, da casa que é sua, da família sua, da mulher que é sua e dos filhos seus. Chegam aos limites, oh, homens enfezados de matilhas escravas em cidade. Lembrai-vos do melro e da bandeira de Guerra Junqueiro.
8.
Os homens acobardam-se. Mas os melros, não.
São uns valentes os melros. Chegam aos limites, num combate duro contra a escravidão, Chegam a matar, chegam a morrer, chegam a matar-se, e a matar os seus. Os homens acobardam-se. Mas os melros, não.

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