Mais de metade dos estudantes universitários estão em burnout, ou seja, numa situação de exaustão prolongada que causa desgaste físico, mental e emocional. A maior incidência é observada na área das ciências biológicas, seguindo-se, por ordem, as áreas das ciências exatas, ciências da saúde e ciências sociais e humanas. O estudo foi elaborado pelo Professor João Marôco do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) baseado num inquérito realizado a 1066 estudantes universitários.
A Síndrome de burnout, ou esgotamento profissional, foi pela primeira vez identificada pelo psiquiatra e psicoterapeuta Herbert Freudenberger em 1974, que publicou um estudo baseado na observação do estado físico e emocional dos funcionários de uma clínica de apoio social, onde Freudenberger trabalhava. Em geral, a síndrome de burnout está, em larga medida, associada ao trabalho de executivos, médicos e professores, que estão em constante contacto com várias pessoas e enfrentam grandes exigências profissionais.
O impacto económico do esgotamento profissional não pode ser ignorado. Quem se sente desgastado física e emocionalmente perde interesse e motivação. A produtividade baixa, o que cria ansiedade e angústia, uma sensação de culpa e frustração, criando-se um ciclo vicioso de mais stress, desmotivação e baixa produtividade.
MAS PORQUÊ É QUE OS ESTUDANTES ESTÃO EM “STRESS PROFISSIONAL”?
Porque vivem em constante stress. Uma grande parte dos estudantes deslocados enfrenta uma situação residencial difícil, sobretudo nas grandes cidades, onde as rendas são proibitivas e as condições das casas precárias. Enquanto docente do ensino superior, oiço frequentemente queixas de alunos, algumas muito sérias, que envolvem “bullying psicológico” por parte dos senhorios. Estes, frequentemente ameaçam subir a renda ou, alternativamente, colocar mais um estudante no quarto.
Para além do alojamento, existe o stress inerente à atividade estudantil. Os estudantes vivem num estado de comparação permanente, medindo constantemente as suas falhas e sucessos em relação aos outros. Para muitos estudantes, a perceção do sucesso individual é distorcida pela perceção do sucesso dos outros, e a felicidade é sempre relativa. Para entender melhor o que isso significa, imagine, por exemplo, que o seu patrão lhe dá um bónus de produtividade. Fica feliz, certo? Por um lado, sentirá reconhecimento pelo seu trabalho. Por outro, começará a pensar no que fazer com o dinheiro extra e essa antecipação dar-lhe-á uma sensação de bem-estar. Imagine, agora, que ao falar com o seu colega de trabalho, se apercebe que o bónus que recebeu foi inferior. O que sente? Provavelmente, frustração, irritação e sensação de injustiça. Este “carrossel emocional” é desgastante e é preciso encontrar ferramentas emocionais para “o apanhar” sem sequelas.
É verdade que a comparação com os outros não é apenas característica do ensino universitário. Por exemplo, no último ano do ensino secundário, a comparação é muito evidente, já que todos os estudantes se reduzem a um número - a média, que servirá para ditar a entrada no ensino superior. Há, no entanto, uma diferença. No ensino secundário, os estudantes lutam pela admissão num curso superior. Existe alguma incerteza sobre a admissão em determinado curso, mas esta incerteza é em grande medida controlada pelo esforço do estudante. No ensino superior, também se luta por uma média, a média de final de curso, e luta-se por um lugar no mercado de trabalho. No entanto, a incerteza sobre o futuro é muito maior. Os estudantes sentem ter pouco controlo porque existe uma aleatoriedade cada vez maior no que respeita à relação entre saídas profissionais e o esforço investido em conhecimento formal. A sensação de perda de controlo sobre o futuro causa stress e ansiedade e consequentemente desmotivação e fraco desempenho académico.
Cada vez mais, os estudantes universitários são confrontados com o facto de que a média não é suficiente. É preciso investir em soft skills e saber vender o seu potencial e talento. Há estudantes a fazerem cursos de teatro não porque ambicionem representar, mas apenas para aprender algumas técnicas que podem ser úteis em entrevistas de trabalho. Há alunos a fazerem voluntariado, não porque sejam altruístas ou pela causa em si, mas porque é importante ter estas atividades no currículo. Há quem invista em aprender mais línguas estrangeiras apenas porque o mercado de trabalho é cada vez mais global. E, não é por acaso, que em escolas de economia e gestão, disciplinas optativas de espanhol, por exemplo, sejam mais populares do que algumas disciplinas especificas da área da escola.
As universidades têm de criar um ambiente de ensino e crescimento, de competição saudável, de mérito e excelência, mas também devem capacitar os estudantes de ferramentas do foro psicológico que os ajudem a lidar melhor com a adversidade, comparação e incerteza, senão os estudantes em stress permanente serão muito provavelmente trabalhadores em stress permanente, com as consequências económicas que daí virão.
É importante que o Governo não feche os olhos aos resultados deste estudo e que tome medidas de combate ao desemprego para jovens recém-licenciados e que ponha como prioridade a resolução do problema da habitação e arrendamento acessível para jovens.
Por último, importa referir que, apesar do estudo ter sido baseado em inquéritos e declarações para medir o burnout, não me parece que os resultados estejam exacerbados. Existem estudos que mostram que a população jovem tende a subestimar a sua condição física e psicológica para “não dar parte fraca”. Portanto, se os estudantes revelaram estar desgastados, muito provavelmente, estão mesmo.
expresso.pt
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