No mais grave ataque a um avião civil até então, no dia 3 de julho de 1988, um navio dos Estados Unidos derrubou um Airbus da Iran Air, matando todas as 290 pessoas a bordo, entre elas 57 crianças. À entrada do Golfo Pérsico, no Estreito de Ormuz, um míssil foi disparado do cruzador americano “Vincennes”, que confundiu a aeronave, no radar, com um caça F-14. No dia seguinte à derrubada do seu avião comercial, o Irão, em represália, ameaçou atacar os interesses dos EUA em todo o mundo. Já o presidente americano, Ronald Reagan, lamentou a “terrível tragédia”, ressalvando, contudo, que o Airbus voava em direção ao cruzador e não atendeu às repetidas advertências para se desviar, e as baterias do barco seguiram as normas de rotina, disparando para protegê-lo de um possível ataque.
Em comunicado urgente enviados a todas as embaixadas e consulados dos EUA, o Departamento de Estado alertou para possíveis retaliações dos iranianos. O líder religioso do Irã Aiatolá Khomeini declarou guerra total ao "Grande Satã". No Líbano, militantes do grupo xiita Hezbollah saíram às ruas gritando lemas antiamericanos.
Duas semanas após o ataque, investigação do Pentágono admitiu que o avião iraniano foi abatido por vários erros cometidos pela tripulação do cruzador americano. Segundo os investigadores, não foi constatado defeito na sofisticada tecnologia do radar a bordo do navio de guerra dos EUA. Teerã recebeu dos Estados Unidos uma indemnização de 101 milhões de dólares.

O capitão do USS Vincennes, William C. Rogers, diz ter ordenado os disparos contra o Airbus por ter se confundido ao achar que se tratava de um caça iraniano do tipo F-14 Tomcat prestes a atacar o navio. Rogers alega que nenhum indício permitia identificar o voo da Iran Air como civil, já que o avião estaria voando sob um perfil de identificação usado tanto por pilotos comerciais como militares. Além disso, o Airbus decolara de uma pista usada com frequência pelos F-14 Tomcat da República Islâmica.

Militares a bordo do USS Vincennes dizem ter feito dez tentativas de contato emergencial com o comandante iraniano. Mas sete delas ocorreram na frequencia de comunicação militar, inexistente no Airbus, e três no modo emergencial civil, no qual mensagens não têm destinatário certo, podendo estar dirigidas a qualquer outro avião nas redondezas. Nenhum diálogo foi tentado pelo sistema padrão do tráfego aéreo global, pelo qual o comandante conversava normalmente _em inglês_ com torres de controle da região.

Investigações também provaram que o avião estava em trajetória ascendente, contrariando relatos de oficiais americanos de que o aparelho estava voando para baixo, na posição clássica dos ataques aéreos.

A diplomacia iraniana chamou o acidente de “ato bárbaro” e “atrocidade”. Teerã disse que é impossível se tratar de um erro e denunciou o padrão de dois pesos duas medidas dos EUA, que mantinham o hábito de condenar ataques cometidos por Estados contra aviões civis mas até hoje não pediram perdão ao Irã. Em 1996, a Corte Internacional de Justiça obrigou o governo americano a indenizar famílias em cerca de USD 300 mil por vítima.

Os EUA sempre mantiveram a versão de que o incidente foi fruto de um erro causado pelo inerente estresse de uma tripulação confrontada a um cenário de guerra. O governo americano disse ter lamentado “a perda de vidas inocentes” mas nunca assumiu a responsabilidade pela tragédia, cuja repercussão acelerou o fim da guerra Irã-Iraque, meses depois. Os EUA homenagearam com pompa todos os tripulantes do USS Vincennes. O capitão Rogers ganhou até a medalha da Legião do Mérito, uma das mais importantes honrarias militares no país.

A visão americana do ocorrido foi resumida nas palavras do então vice-presidente George Bush, em entrevista à revista Newsweek concedida em agosto de 1988: “Eu nunca pedirei desculpas pelos EUA. Nunca. Não ligo para os fatos”.

EUA e Irão: cronologia da hostilidade

Em 2004, manifestantes queimam bandeira dos EUA em Teerã
Morte do general iraniano Qassim Soleimani pelos EUA acirra tensões entre Washington e Teerã, cujas relações vêm se desgastando desde a década de 1950. Reveja os principais acontecimentos envolvendo os dois países.
19 de agosto de 1953: O chefe de governo do Irã, Mohammed Mossadegh, é derrubado, com a colaboração dos serviços secretos dos Estados Unidos e do Reino Unido, com o fim de evitar a estatização das jazidas de petróleo do país. Nos anos seguintes, Estados do Ocidente apoiam o xá Reza Pahlevi, que governa de forma absoluta.
16 de janeiro de 1979: A Revolução Islâmica força o xá a deixar o Irã. Sob o líder xiita aiatolá Khomeini, é fundada a República Islâmica. Em novembro, estudantes iranianos invadem a embaixada americana em Teerã, tomando como reféns 63 funcionários diplomáticos.
4 de abril de 1980: Os EUA suspendem as relações diplomáticas com o Irã. Em setembro, tropas do presidente iraquiano, Saddam Hussein, invadem o sudoeste do país, o Ocidente fica do lado do Iraque na guerra que dura até 1988.
20 janeiro de 1981: Os 52 reféns restantes são libertados da embaixada americana em Teerã.
1987-88: Na guerra com o Iraque, diversos ataques iranianos contra petroleiros resultam em combates entre tropas do Irã e dos EUA. Em julho de 1988, um navio de guerra americano abate um avião de passageiros iraniano, matando 290 ocupantes. Washington alega que a aeronave fora confundida com um veículo militar.
29 de janeiro de 2002: Na sequência dos atentados de 11 de setembro de 2001, o presidente americano, George W. Bush, classifica o Irã, Iraque e Coreia do Norte como “Eixo do Mal”. Em dezembro, ainda durante os preparativos para a invasão americana do Iraque, Washington expressara suspeita de que o Irã pudesse desenvolver armas atômicas.
Janeiro de 2006: O Irã divulga a retomada do enriquecimento de urânio para seu programa nuclear. Os EUA temem que Teerã planeje desenvolver bombas atômicas. Segundo a imprensa, em caso de guerra, Bush considera empregar armas “táticas” contra o país asiático. Em maio, o Irã ameaça rescindir o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.
Agosto de 2013: O novo presidente iraniano, Hassan Rohani, deseja o fim das sanções econômicas e acata as exigências da comunidade internacional de uma redução drástica do programa nuclear nacional.
14 de julho de 2015: Em Viena é fechado o Acordo Nuclear com o Irã. Agora, o país terá que limitar drasticamente seu programa nuclear. Em contrapartida, as sanções econômicas são abolidas. No Irã, o acordo é festejado.
2016-18: O novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anuncia repetidamente que quer rescindir o Acordo Nuclear. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) confirma regularmente que o Irã se atém aos termos do acordo.
8 de maio de 2018: Trump encerra unilateralmente o Acordo Nuclear internacional com o Irã, apesar dos veementes protestos também da União Europeia. Ele ameaça os países que continuam a importar petróleo do Irã com sanções drásticas.
22 de julho de 2018: Em resposta, o presidente Hassan Rohani ameaça bloquear as rotas de exportação de petróleo no Golfo Pérsico. Rohani acusa Trump de tencionar destruir o Irã com suas sanções. O chefe de Estados iraniano ameaça os EUA com “a mãe de todas as guerras”. O Irã já anunciara anteriormente ter iniciado os preparativos para o enriquecimento de urânio.
7 de agosto de 2018: O governo dos EUA restabelece as sanções contra o Irã. Entre outras coisas, fundos são congelados e o comércio de matérias-primas é proibido. Em novembro, as sanções são endurecidas.
25 de setembro de 2018: Para salvar o acordo nuclear com o Irã, a União Europeia quer criar um mecanismo através do qual as sanções dos EUA contra Teerã possam ser contornadas, anuncia Federica Mogherini, chefe da diplomacia da UE. Mas a instituição acaba não sendo eficaz.
8 de abril de 2019: Washington classifica a Guarda Revolucionária Iraniana como organização terrorista. É a primeira vez que os EUA adotam esse passo contra uma organização estatal estrangeira. Como reação, o governo em Teerã declara os EUA “promotor estatal do terrorismo”.
13 de junho de 2019: Os EUA culpam o Irã por duas explosões de petroleiros no Golfo de Omã. Em maio, os Estados Unidos já haviam acusado o regime em Teerã de estar por trás de ataques a dois petroleiros sauditas. Trump aumenta maciçamente a presença das tropas americanas na região do Golfo e, alguns dias depois, via Twitter, ameaça aniquilar o Irã.
20 de junho de 2019: A Guarda Revolucionária do Irã abate um drone americano sobre o Golfo Pérsico. O governo em Washington nega a alegação de que o veículo aéreo não tripulado invadira o espaço aéreo iraniano. Trump cancela no último minuto um já anunciado ataque de retaliação.
4 de julho de 2019: A Marinha britânica detém na costa de Gibraltar um petroleiro iraniano que teria violado as sanções da UE. O Grace 1, que navegava com bandeira do Panamá, é suspeito de fornecer petróleo iraniano à Síria.
7 de julho de 2019: Expira um ultimato estabelecido pelo Irã para uma retirada parcial do Acordo Nuclear. O país anuncia então não pretender mais se ater ao limite de 3,67% de enriquecimento de urânio estabelecido no tratado.
19 de julho de 2019: Em represália à apreensão do petroleiro iraniano Grace 1 perto de Gibraltar, a Guarda Revolucionária do Irã retém o petroleiro de bandeira britânica Stena Impero no Estreito de Ormuz.
18 de agosto de 2019: Gibraltar liberta o petroleiro iraniano Grace 1. O britânico Stena Impero é libertado em 23 de setembro.
26 de agosto de 2019: Durante a conferência do G7 na França, o presidente francês, Emmanuel Macron, tenta em vão mediar uma cúpula entre EUA e Irã.
3 de novembro de 2019: O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, se declara novamente contra negociações com os EUA. Conversas não trariam melhorias, diz ele.
3 de janeiro de 2020: comandante da Força Quds iraniana, general Qassim Soleimani, é morto num ataque com drones dos EUA perto do aeroporto da capital iraquiana, Bagdá. O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, ameaça com uma “vingança implacável”.