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sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

O PAU ROXO



Jose Guerreiro para CASTRO VERDE

O PAU ROXO


por José Francisco Colaço Guerreiro

Em cada vinte de Janeiro, lá acorria toda a vizinhança deste lugar para rezas e pagamento de promessas anuais feitas ao santo mártir. Fitas, azeite e depois velas de muitos tamanhos e feitios, lá ficavam em ação de graças pelos benefícios vindos através das suplicas . Muitos fregueses, fazem freguesia e a freguesia encanta os comerciantes que à margem da fé, mas aproveitando-se dela, lá iam também para armar a esparrela .
Ao redor de Castro , em lugares definidos por razões ocultas, erguem-se capelas, igrejinhas que resistem há muitos séculos ao esmeril do tempo e ao esquecimento dos devotos que as ergueram e branqueavam de cal pelo menos uma vez em cada ano, por ocasião da festa do patrono respetivo.
A escolha do sítio onde foram implantadas resulta ,na maioria dos casos, da preexistência no mesmo lugar de altares ou simples práticas de culto a divindades que os povos de antanho reconheciam como suas protetoras, antes da vinda e acampamento dos cristianos.
Assim foi em S. Pedro das Cabeças, assim terá também sido em S.Martinho e quem sabe se o não foi igualmente em S. Sebastião,aqui à saída da vila, quando se toma a antiga estrada dos Geraldos, direito ao olival.
Certo é que em 1510,segundo as crónicas, esta ultima capela, feita de pedra e barro e com altar de taipa, coberta por telha vã e habitada por um só santo esculpido em pau, estavam já, ela e o morador a ceder ao peso dos anos, mostrando sinais evidentes da antiguidade de ambos.
Em cada vinte de Janeiro, lá acorria toda a vizinhança deste lugar para rezas e pagamento de promessas anuais feitas ao santo mártir. Fitas, azeite e depois velas de muitos tamanhos e feitios, lá ficavam em acção de graças pelos benefícios vindos através das suplicas . Muitos fregueses, fazem freguesia e a freguesia encanta os comerciantes que à margem da fé, mas aproveitando-se dela, lá iam também para armar a esparrela .
Deste jeito ou doutro idêntico , nasceu naquele lugar um arraial, um mercado, uma feira.
Lugar de fé e de venda.
Arredia da vila, a meia ladeira de um cerro, em sítio descampado como também convinha para o maior negócio que ali se fazia.
Porcos aos milhares, gordos com a bolota de todos os montados das redondezas, para ali convergiam e aguardavam que os negociantes os comprassem às varas.
Ao redor do santo estendia-se um mar de lombos pretos, deitados, arriados pelo peso das arrobas de carne postas na engorda e pelo cansaço das léguas andadas no caminho. No ar , misturava-se um cheiro intenso com um grunhido ensurdecedor. Os porcariços andavam numa fona, despejando gorpelhas de palha e saquilhadas de cevada no chão. Depois corriam com os caldeirões para as bicas para encherem os maceirões de água que não aturavam .
È tempo de matança e também a gente das redondezas mais desafogada vinha ao santo comprar o que no chiqueiro não tinha. Depois lá iam a caminho de casa atrás de um porco ,seguro por uma corda laçada na pata.
Mas nesta ocasião, é tempo de plantio de arvoredo. Tudo o que numa horta convém ter, aqui ainda se encontra. Também para os quintais ,as laranjeiras e os limoeiros é sempre bom ter. Para dispor nas leiras, braçados de cebolinho .Para a vinha ou para pôr num alegrete, vende-se o bacelo de qualidade.
Nesta ocasião, vendiam-se calendários, almanaques, bordas d´água e pagelas com décimas feitas a propósito da ultima desgraça ou de alguma marotice intemporal.
À abrigada da igrejinha, estendiam-se toldos onde várias carroças serviam de venda e despejavam garrafões e garrafões do novo. Depois à vinda, ao levantar da feira, desfilavam bebedeiras de ladeira a baixo, homens sem negócio que iam de gangão e algibeiras vazias.
Mas neste dia come-se pau roxo.
Vende-se aqui e no Santo Amaro em Almodôvar, não vi noutra banda.
Cenouras grandes e tintas como a beterraba. Eram aos montes ,agora são contrabando, mas mesmo assim, a feira ainda é delas.
Compra-se uma ou duas, por graça. Os moços já não gostam e os mais velhos não têm dentes que as rilhem. Nesta maré era o petisco corrente nas tabernas. Em casa comiam-se cruas, às rodelas, com o mesmo jeito dos rábanos e havia quem as cozesse e temperasse com vinagre. Guardavam-se também para o tarde em frasquinhos como os picles.
O "santo", "feira de S.Sebastião" ou "feira do pau roxo" porque antecede o Entrudo, faz em Castro a abertura desta quadra.
A moçada aproveitava para fazer o abastecimento de estalinhos, bombas, bichaninhas, pedorreiras, serpentinas e papelinhos.
Compravam-se bisnagas de água e com as bicas mesmo ali à mão, mesmo que não chovesse, voltavam da feira como pintos.
De casa muitas vezes já se traziam bexigas de porco ,sopradas e atadas com linha de meia.Com um alfinete na ponta, penduravam-se à socapa nas costas dos passantes. Eram os "rabos".Também se faziam de papel recortado. E punham-se escritos da mesma maneira Tinha graça. Toda a gente ria.
Embora sem porcos, sem tanta promessa nem tanto pau roxo, o" santo" ainda é hoje um mercado de tradição onde lado a lado com a venda de cassetes se compram chocalhos e coleiras para o gado ,vendem-se farturas mas também se encontra o que faz falta para plantar na horta.


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