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sábado, 18 de janeiro de 2020

18 de Janeiro de 1934 - A revolta da Marinha Grande





      
 18 de Janeiro de 1934, na Marinha Grande
O dia em que o povo tomou o poder
Gustavo Carneiro

Estava-se no início de 1934. Com o mudar do ano, entra em vigor o Estatuto Nacional do Trabalho, fascista, e os sindicatos livres eram oficialmente proibidos, dando origem a outros, subjugados ao poder corporativo. Por todo o País, os trabalhadores combatem a fascização dos sindicatos e convocam para 18 de Janeiro uma greve geral revolucionária, com o objectivo de derrubar o governo de Salazar. A insurreição falha, mas na Marinha Grande os operários vidreiros tomam o poder. Apenas por algumas horas, é certo, pois a repressão esmagaria a revolta. No resto do País, esperavam-se acções iguais, mas em nenhum outro lado se repetiu o gesto dos operários marinhenses. Apesar de fracassada, a revolta dos trabalhadores vidreiros fica na história como um momento alto da resistência ao fascismo. E deixou sementes, que germinaram numa manhã de Abril, precisamente quatro décadas depois.


Contrariamente ao que sucedeu nas restantes localidades no dia 18 de Janeiro de 1934, na Marinha Grande os objectivos da greve geral revolucionária foram cumpridos: os operários tomaram o poder.


Cercada a vila e cortados os acessos, os trabalhadores marinhenses ocuparam os Correios e o posto da GNR. Foi decretado o Soviete. Segundo recorda o antigo dirigente comunista Joaquim Gomes, «por umas horas, quem mandou na Marinha Grande foram os trabalhadores». Durante este curto período de poder operário, tudo se passou de forma extremamente civilizada e ninguém foi molestado, lembra.
Quando foram capturados os agentes da GNR e o chefe da estação de Correios, foi de imediato chamado um médico para lhes dar assistência. «Podia acontecer-lhes alguma coisa. Não propriamente ferimentos, mas algo do ponto de vista psicológico.»
A contrastar com a atitude humanista dos operários, a brutalidade das forças repressivas foi imensa.
Derrotado o levantamento popular, começaram as perseguições e as capturas aos dirigentes sindicais, na sua maioria comunistas. Na noite de 18 e nos dias seguintes, varreram toda a região, casa a casa.
Nem o Pinhal de Leiria ficou por varrer. 
Joaquim Gomes estava preso quando se deu o levantamento, por dirigir as lutas dos aprendizes vidreiros, ocorridas meses antes. Passados setenta anos, não esquece a brutalidade empregue contra os presos do 18 de Janeiro. «Quando regressavam dos interrogatórios, vinham irreconhecíveis. Só os reconhecíamos pelas roupas, pois as feições estavam bastante deformadas. Só começavam a voltar ao normal cerca de três dias depois», recorda. «Quando os víamos chegar, ficávamos assustados, claro. Mas também nos crescia a raiva.»
O que aconteceu na Marinha Grande deveria ter acontecido também em várias outras localidades operárias do País: na margem Sul do Tejo, no Algarve e no Alentejo. Mas nestes locais, a greve geral revolucionária pouco passou de paralisações, confrontos com a polícia e acções de agitação e sabotagem. Os anarquistas, que tinham, nessas localidades e no País, uma influência decisiva no movimento operário e sindical, «descuravam a ligação às massas e não asseguraram as ligações necessárias» ao sucesso da insurreição. Os ferroviários, exemplifica Joaquim Gomes, garantiram que paralisavam, mas os comboios circularam. Mesmo alguns mal preparados bloqueios feitos nas linhas revelaram-se infrutíferos. Esta malograda insurreição nacional valeu de Bento Gonçalves, então secretário-geral do PCP, a designação de «pura anarqueirada». Joaquim Gomes concorda. Desde que se exclua a Marinha Grande, onde as coisas não se passaram da mesma maneira. 

Não foi obra do acaso


Para Joaquim Gomes, não é por acaso que o levantamento operário de Janeiro de 1934 tem na Marinha Grande uma dimensão diferente da que assumiu noutras localidades. A fascização dos sindicatos era, na terra do vidro, apenas a gota de água que fez transbordar toda uma luta, que se vinha já desenvolvendo. «O número de greves e manifestações era espantoso» lembra. «Não sei se houve alguma outra zona do País em que as lutas atingissem o grau que atingiu na Marinha Grande naquela época.» Eram os aprendizes, cujas paralisações paravam a produção; eram as manifestações de protesto pela prisão de dirigentes sindicais, o que acontecia frequentemente; eram ainda as de júbilo, aquando da sua libertação. Uma das greves, recorda o comunista, durou nove meses, durante os quais os operários das outras fábricas asseguraram o rendimento aos grevistas. «Não conheço nenhuma situação semelhante», afirma Joaquim Gomes. 
Este estado permanente de luta que se vivia na Marinha Grande inicia-se no começo dos anos 30, com a grave crise que afectou o sistema capitalista e muito particularmente a indústria vidreira: aumentou a exploração, os dias de trabalho foram reduzidos, algumas empresas foram temporariamente encerradas. Esta situação é acompanhada por um incrível reforço da organização do PCP na Marinha Grande, o que contrastava com outros locais, onde esta era ainda muito débil. «Na Marinha Grande, a influência comunista era muito superior a qualquer outra, socialista ou anarquista», recorda Joaquim Gomes. Até ao 18 de Janeiro, havia células do Partido em todas as fábricas e as Juventudes Comunistas tinham também muita força, sobretudo entre os aprendizes. 

Começar de novo

Com as prisões efectuadas e com o sindicato fechado, a organização dos vidreiros sofreu um revés.
Mas não muito duradouro. «Saí da prisão em Março, com 17 anos, e fui logo recrutado para o Comité Local da Marinha Grande do PCP», afirma Joaquim Gomes. A tarefa principal era reconstruir a organização do Partido e restabelecer as ligações com os camaradas. «Uns foram presos, e outros tiveram medo… e não era caso para menos. Mas depois, viram as coisas a crescer e voltaram», destaca. Poucos meses depois, as organizações nas empresas estavam novamente a funcionar. Para o comunista, «foi extraordinária a rapidez com que se refizeram as células do Partido nas fábricas».
Na sua opinião, a estrutura do PCP na Marinha Grande chegou a ser desmantelada pela repressão nos dias que se seguiram à rebelião, mas a influência do Partido «não morreu a 18 de Janeiro». 
Outra das coisas que a violência fascista não matou foi a solidariedade dos marinhenses para com os seus presos. Grupos de jovens iam à saída das fábricas recolher contribuições para apoiar as famílias dos prisioneiros, que ficavam sem salário. Este movimento cresceu de tal forma que nem conhecidos salazaristas, que se opuseram ao movimento revolucionário, deixavam de dar a sua contribuição. «Ninguém queria ficar de fora», recordou.

O 18 de Janeiro na imprensa operária da época
Uma revolta contada ao minuto


No número dois da série ilegal de O Proletário, jornal da CIS – Comissão Inter-Sindical, editado entre Março e Julho de 1934, publica-se uma entrevista com «um dos dirigentes do Partido Comunista e do Sindicato Vermelho Vidreiro da Marinha Grande» envolvido no levantamento de 18 de Janeiro. Conta este dirigente que «pelas 2 horas do dia 18, fizemos a distribuição das nossas forças de choque. Tudo se fez de uma maneira organizada. Os nossos camaradas distinguiam-se por uma braçadeira vermelha com a foice e o martelo. Um grupo numeroso seguiu a cortar as comunicações. Ao mesmo tempo, três outros grupos marchavam a ocupar, simultaneamente, os Paços do Concelho, a estação telegráfica e o quartel da GNR. As armas eram apenas o que se tinha podido arranjar; algumas espingardas caçadeiras, duas pistolas e umas cinco bombas».
Foi no posto da Guarda que se concentrou a resistência. «Porém, já todos os pontos estratégicos da vila se encontravam nas nossas mãos. Por outro lado, já toda a massa operária da Marinha Grande estava na rua, apoiando os poucos homens armados que possuíamos. O quartel ficou completamente bloqueado e foram dados quinze minutos à força para se render. Recusou. Desencadeou-se o ataque.
Duas horas de tiroteio e veio a rendição. A força foi desarmada e o comandante solicitou-nos que impedíssemos possíveis vinganças. Lembra-se de dezenas das suas vítimas que andavam pelas ruas... Concordámos em que o melhor meio de os salvaguardar contra isso, seria conservá-los prisioneiros, sob a guarda de camaradas de confiança. Por isso os conduzimos para uma fábrica de vidros. Mas repara: apenas os que temiam represálias para ali foram. Dois, por exemplo, não temeram represálias, seguiram para as suas casas e ninguém lhes fez mal.» Vencida a GNR, cessou toda a resistência. «Às cinco horas da manhã toda a Marinha Grande estava nas mãos do proletariado e milhares de trabalhadores percorriam a vila vitoriando o nosso Partido», afirmou.
O ataque das forças da repressão começou mais tarde, e com recurso a todos os métodos. «A pouca distância da Marinha Grande, ouvimos passos de muita gente próximo de nós. A pergunta de “Quem vem lá?” respondeu-nos um arrogante “Forças do Governo!” e uma descarga. Caiu um camarada ferido. Ripostámos e durante alguns minutos se estabeleceu um nutrido tiroteio. Sentíamos que a força atacante se afastava. Avançámos. Tinham abandonado os feridos, na estrada. Mas, entretanto, entrava a artilharia em acção.»
A tudo o fascismo recorreu. «Era loucura prolongar a resistência. Pouco mais de vinte possuíamos armas de fogo. O Governo opunha-nos artilharia, cavalaria, infantaria, metralhadoras... e até um avião que já voava sobre a vila, para regular o tiro da artilharia!» Os trabalhadores retiraram «em boa ordem para o pinhal. Porém, só cerca das onze horas os “heróicos” mantenedores da ordem entraram na Marinha Grande. Decidimos dividir-nos em pequenos grupos de quatro a cinco, e abandonar a luta procurando iludir o cerco. Ainda isto se fez de um modo organizado. Os camaradas que têm dinheiro dividem-no pelos que o não têm. Há gestos admiráveis de camaradagem. Um camarada que possuía 600 escudos fica apenas com setenta, dividindo o resto pelos camaradas! Abraços... comoção e separámo-nos...»

Não esquecer e prosseguir


A revolta de 18 de Janeiro de 1934 permanece bem viva na memória dos marinhenses, sobretudo dos operários vidreiros. Numa praça da cidade, um monumento não deixa esquecer o levantamento operário, tal como muita da toponímia da cidade.
Promovidas pelo Sindicatos dos Trabalhadores da Indústria Vidreira (STIV), as comemorações dos 70 anos da insurreição dos vidreiros têm o seu ponto alto no próprio dia 18, com uma intervenção do secretário-geral da CGTP, Carvalho da Silva, no fim de uma romagem ao cemitério de Casal Galego, com deposição de flores na campa dos revoltosos. Mas as comemorações já começaram. Desde o dia 5, e até ao dia 18, muitas iniciativas assinalam a passagem da sétima década sobre a revolta. Entre debates e colóquios – sobre a história do movimento e sobre os ataques que se colocam actualmente aos trabalhadore –, muitas são as iniciativas. A música estará também presente, através do grupo de percussão «Tocándar», os «Gaitafolia», o grupo instrumental «Hynotic Session», e os bem conhecidos Manuel Freire e Paulo de Carvalho. 
Também o PCP recorda a data. Através de um comunicado da Comissão Concelhia da Marinha Grande, os comunistas destacam o papel do proletariado marinhense e do PCP na luta contra a ilegalização dos sindicatos pelo governo fascista de Salazar. 
Para os comunistas, também hoje o Governo procura «reduzir a pó os direitos de quem trabalha e das suas organizações de classe», através do pacote laboral, da lei da Segurança Social e das leis dos partidos e do seu financiamento. «Na evocação dos 70 anos do 18 de Janeiro, a resistência e a luta estão na ordem do dia», considera a concelhia comunista. «Hoje como em 1934, para os trabalhadores e para o nosso povo, só há um caminho: resistir, lutar, vencer.»

Artigo publicado na Edição Nº1572 de "O Avante!"


Revolta dos Marinheiros - Um marco da luta contra o fascismo 




Acto político de resistência 


Há 70 anos, eclodiu nos navios Bartolomeu Dias, Afonso de Albuquerque e Dão, fundeados no Tejo, uma sublevação de marinheiros. 

Na sua preparação tiveram papel determinante os comunistas e a Organização Revolucionária da Armada (ORA), com intensa intervenção política, num momento em que o fascismo procurava consolidar-se e a resistência democrática ganhava ímpeto. 
Era objectivo dos revoltosos passar a barra com os três navios e, uma vez ao largo, fazer ao Governo de Salazar, um ultimato, para que fossem libertados e reintegrados 17 camaradas, punidos após uma expedição do Afonso de Albuquerque a Espanha, em Agosto, pouco depois de ali ter eclodido a guerra civil. «Fomos a Málaga, Alicante e mais uns portos buscar emigrantes portugueses» e houve «problemas a bordo, porque havia ordens para não desembarcarmos, quando atracávamos em portos republicanos, ao passo que podíamos desembarcar nos portos fascistas. Aí, a malta decidiu que não descia em porto nenhum», contou ao Avante! (N.º 17, de 8 de Setembro de 1974) o camarada Joaquim Gomes Casquinha, que ia a bordo e mais tarde participou na revolta. 

Chegados a Lisboa, ocorreram as expulsões e as detenções. 
Meses antes, tinham sido presos 30 marinheiros, entres os quais todos os dirigentes da ORA. Admitindo que o ultimato ao regime fascista falhasse, os revoltosos previam dirigir os navios para Angra do Heroísmo, onde aqueles seus camaradas estavam detidos, para os libertarem. 


A revolta acabou por mostrar que uma forte resistência perturbava a consolidação do fascismo no País.
«Afonso de Albuquerque» encalhado na praia de Algés, após ter sido atingido
«Afonso de Albuquerque»


A situação e as circunstâncias 


«Criava-se justificada esperança de fazer frente com êxito ao fascismo», afirmou Álvaro Cunhal na intervenção que em 1998 proferiu na sessão de homenagem aos marinheiros tarrafalistas, traçando primeiro o quadro em que a revolta teve lugar. Hitler tomara o poder em Janeiro de 1933 e preparava a guerra; a Itália fascista desencadeara a guerra na Abissínia. Em Portugal, o golpe militar de 1926, que se lançara na repressão do movimento operário, institucionalizara o regime fascista em 1933, ilegalizando logo depois os sindicatos - o que conduzira à insurreição de 18 de Janeiro de 1934 na Marinha Grande. 

Por seu lado, a Internacional Comunista, no seu VII Congresso realizado em 1935, «apontara como objectivo central do movimento comunista e de todas as forças democráticas a luta contra o fascismo e a ameaça que fazia pesar sobre o mundo». 


«Na concretização desta orientação», afirmou Álvaro Cunhal, «uniram-se as forças democráticas, constituíram-se, ganharam as eleições e formaram governo Frentes Populares em França e Espanha. Criava-se justificada esperança de fazer frente com êxito ao fascismo.» 


Em Portugal, cujo regime colaborava com Hitler e Mussolini e apoiava abertamente os fascistas espanhóis que preparavam o golpe contra a República, o PCP sofria um rude golpe. Bento Gonçalves, secretário-geral, que participara no VII Congresso da Internacional Comunista, fora preso após o seu regresso ao País, conjuntamente com todo o Secretariado, com graves repercussões a nível de direcção do Partido. 


«No campo democrático», recordou Álvaro Cunhal, «fervilhavam, por influência das vitórias antifascistas em França e em Espanha, ideias de um golpe armado para derrubar o fascismo. Os camaradas consideravam estar em condições de desempenhar em tal caso um importantíssimo papel, tomando conta do Afonso de Albuquerque e de outros navios de guerra.»




O contratorpedeiro «Dão» onde se deu uma tentativa de revolta

A Organização Revolucionária da Armada 


A Organização Revolucionária da Armada - ORA -, foi uma organização política do Partido Comunista Português. A sua criação e desenvolvimento tem origem no reforço do trabalho partidário que resultou da reorganização do Partido de 1929 e a sua influência na Armada ultrapassava largamente as fronteiras partidárias. Da ORA emergiram destacados dirigentes do PCP, tais como Manuel Guedes, que foi membro do Secretariado do Partido.




Manuel Guedes, que aderiu ao Partido em 1931, tornou-se, logo a seguir, um dos principais dinamizadores da constituição da ORA, pois era marinheiro da Armada, onde se alistara como voluntário quase ao mesmo tempo que o golpe militar de 1926 precipitava o País na ditadura fascista. No momento da Revolta, Manuel Guedes encontrava-se preso em Espanha, para onde fugira com Pires Jorge (também ele, mais tarde, membro do Secretariado do PCP), depois de se ter evadido a caminho do tribunal. 

Os fascistas espanhóis, ao tomarem Cáceres, onde os camaradas se encontravam presos, entregaram-nos à Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), e Manuel Guedes permaneceu preso até 1940, vindo depois a participar activamente na reorganização do Partido de 1940-41. 


Nos tempos da ORA, Manuel Guedes foi um grande impulsionador do jornal O Marinheiro Vermelho, que chegou a difundir 1500 exemplares no seio da Armada. 
A ORA desenvolveu um intenso trabalho de agitação na Marinha, que viria a culminar no 8 de Setembro. Na sequência das mortes, das prisões e das deportações a organização foi desmantelada pelo fascismo. 

Antes do seu final trágico, a Organização Revolucionária da Armada chegou a ser a mais forte organização do PCP e os seus membros atingiram a dada altura 20 por cento do total dos efectivos partidários.




O jornal «O Marinheiro Vermelho» teve tiragens de mil exemplares, chegou a ultrapassar os 1500 e, em média, 700 jornais eram integralmente pagos. 
«O nosso jornal saiu com um dia de atraso porque, como a polícia proibiu a venda de tinta ao público, tivemos que a fabricar.» Nota no N.º 8 de «O Marinheiro Vermelho»


Repressão e solidariedade 


Sobre os marinheiros envolvidos na revolta abateu-se a feroz repressão do fascismo. 
Os bombardeamentos contra os navios sublevados e a perseguição dos revoltosos fizeram, no dia 8 de Setembro, doze mortos. 
Na Marinha foi desencadeada uma limpeza contra elementos considerados de pouca confiança. 


Foram presos e demitidos 208 marinheiros, dos quais 82 foram condenados; 44 foram enviados para a fortaleza-prisão de Angra do Heroísmo, 4 ficariam no forte de Peniche e 34 fizeram parte do primeiro contingente de 150 primeiros presos políticos enviados para o campo de concentração do Tarrafal. A maioria destes, com penas que iam de 16 a 20 anos, saiu apenas quando o Tarrafal foi encerrado, em 1954, mas cinco dos marinheiros acabaram por sucumbir ao «campo da morte lenta». 


Por parte da população, houve comoventes manifestações de simpatia e solidariedade para com os marinheiros. 
Álvaro Cunhal, ao relatar o seu encontro com o único camarada da ORA que, estando na revolta, conseguiu escapar à prisão, «o camarada Armindo, mais conhecido como o "Peru"», sendo «grande nadador, atravessara o Tejo a nado até perto do Porto Brandão e, como me contou, abordara um barco de pescadores», que «só o içaram para bordo quando lhes disse ser um marinheiro da revolta».


António Diniz Cabaço, que mais tarde seria preso, contou ao Avante! (N.º 17, de 8 de Setembro de 1974) como, depois de ir numa baleeira até ao Olho de Boi, foi ajudado por pescadores, que perceberam que «você é um dos barcos que se revoltaram, fique aqui que vamos fazer uma caldeirada». 

Na mesma entrevista, João Faria Borda relata que «até mesmo nos outros barcos, que receberam ordens para nos atacarem, o pessoal recusou-se a disparar».


Marinheiros da Revolta conduzidos à prisão


 Doca do Bom Sucesso.
Entrada dos marinheiros nas camionetas da polícia. 
A foto correu mundo mas não apareceu em nenhum jornal português da época.


Um estímulo para a luta 


«Como muitas vezes aconteceu na luta revolucionária, e certamente assim voltará a acontecer, o que perdura no longo historial do que ousaram "tomar o céu de assalto" não é o sentido e o amargo da derrota, mas o significado da ousadia, a abnegação, a entrega total à causa da liberdade dos que mais não aspiravam do que servir o povo, e os ensinamentos que se extraem desses acontecimentos para o prosseguimento da luta», escreveu Domingos Abrantes num artigo de O Militante deste mês de Setembro, passados 70 anos sobre a Revolta 
dos Marinheiros. 


Com efeito, a revolta, preparada e decidida por um número significativo de militares da Armada - marinheiros, grumetes e cabos - estava destinada à derrota. 


Mas os camaradas da ORA, que haviam exposto a situação à Direcção do Partido, «viam com impaciência estar o governo a tomar medidas que ameaçavam seriamente a ORA», conforme conta Álvaro Cunhal: «Encaravam mesmo a possibilidade de, na parada da Marinha de Guerra que costumava realizar-se na baía de Cascais e à qual Salazar e membros do governo assistiam a bordo do Afonso de Albuquerque, tomarem conta do navio e prenderem Salazar, os ministros e acompanhantes. Tal operação inserida numa revolta de outras unidades militares poderia ser determinante. Mas, sendo isolada, apresentava-se cheia de justificadas dúvidas. De qualquer forma, era muito arreigada nos camaradas a determinação de uma revolta, dando um ultimato ao governo antes que o governo conseguisse destruir a ORA.» 


Ao recordarmos e saudarmos os participantes na Revolta dos Marinheiros - de que tão poucos sobrevivem hoje - lembramos também as palavras de Álvaro Cunhal quando se cumpria o 60.º aniversário do acontecimento: 


«Lembrança e gratidão para aqueles que pela sua acção heróica foram presos, torturados, mortos no Tarrafal, Lembrança e gratidão para aqueles que não chegaram a viver no 25 de Abril a conquista da liberdade pela qual lutaram.»


Marinheiros da revolta de 1936 
readmitidos nos quadros da Marinha 
após o 25 de Abril de 1974

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