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quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Porque é que Carlos Silva ainda gosta de Ricardo Salgado?



Pedro Tadeu

Do ponto de vista de carácter o líder da UGT demonstra ser um homem recto: Carlos Silva, ao contrário de muitos aduladores de Ricardo Salgado - o homem que se afundou com o BES - repete publicamente em tribunal e à comunicação social palavras elogiosas ao banqueiro, que está presentemente a ser julgado por três crimes de abuso de confiança na utilização de 10 milhões de euros.


Durante décadas Ricardo Salgado foi galanteado pelos maiores empresários de Portugal. Desde 1991 até 2013 ele foi publicamente homenageado por quase todos os líderes de governos, pelos Presidentes da República, pelos ministros das Finanças, da Economia e pelos governadores do Banco de Portugal. Foi reverenciado por inúmeros diretores de jornais e tvs, colunistas e jornalistas de economia. Foram disputados o seu favorecimento e a sua "cunha" pelos mais diversos atores da vida pública portuguesa.


Assim que caiu em desgraça, não só todos abandonaram Ricardo Salgado como, pior, muitos desses antigos iconoclastas da família Espírito Santo passaram a liderar a multidão de invetivadores do líder da família.


Carlos Silva não é desses e, à saída do tribunal, disse isto aos jornalistas sobre o antigo patrão: "Elogiei e continuarei a elogiar enquanto for vivo, não tenho nada de me arrepender em relação ao tempo em que estive no banco e em que acompanhei as reuniões da comissão de trabalhadores e depois no setor bancário. Sou apenas um intérprete de uma esmagadora maioria de trabalhadores que entendiam que se sentiam bem no banco, que eram compensados pelo esforço e que olhavam para Ricardo Salgado com respeito e admiração".


Do ponto de vista de carácter pessoal, repito, está aqui uma pessoa que se recomenda. Do ponto de vista de alguém que é líder de uma central sindical, do ponto de vista, portanto, do carácter institucional que hoje em dia Carlos Silva incorpora na sua individualidade, tal elogio é incompreensível.


Vou dar, apenas, três exemplos.


O BES, então o maior banco privado português, transformado em Novo Banco numa operação com custos para os contribuintes na ordem dos sete mil milhões de euros (até agora...), prejudicou e prejudica milhões de trabalhadores portugueses - muitos deles certamente filiados na UGT - que pagam mais impostos ou recebem menos salário também por causa dos custos públicos e para a economia provocados pelos erros (e eventuais crimes) de Ricardo Salgado.


Os trabalhadores do BES, que Carlos Silva representou enquanto membro da comissão de trabalhadores do banco e, depois, como sindicalista até chegar ao topo da UGT, foram utilizados por Ricardo Salgado como instrumentos de venda de produtos financeiros a pequenos investidores, cujas garantias e segurança de rendibilidade não eram aquelas que o patronato mandou os seus funcionários publicitar - e assim alguns milhares de clientes (alguns serão filiados na UGT?...) foram enganados e perderam as suas poupanças. Muitos destes trabalhadores do BES foram diretamente acusados pelos defraudados como autores de supostas vigarices.


Outra consequência da gestão de Ricardo Salgado para os trabalhadores que Carlos Silva representou no banco ou representa na UGT foi este: no processo de passagem do BES para o Novo Banco e na reestruturação que este entretanto efetuou, milhares perderam o emprego.


Carlos Silva, líder da UGT, pode elogiar Ricardo Salgado, cujos prejuízos estão a ser pagos por milhões de trabalhadores portugueses?


Carlos Silva, líder da UGT, pode elogiar Ricardo Salgado, que utilizou os trabalhadores do banco como instrumentos de concretização prática de erros clamorosos, de desonestidades agora evidentes e, até, de possíveis crimes?


Carlos Silva, líder da UGT, pode elogiar Ricardo Salgado que, além de arruinar a sua própria reputação, arruinou também a reputação profissional de milhares de trabalhadores do BES?


Carlos Silva, líder da UGT, pode elogiar Ricardo Salgado que, com as suas asneiras, atirou para o desemprego milhares de trabalhadores do BES?


Que Carlos Silva diga ao tribunal, factualmente e com rigor, aquilo que sabe sobre o que se passava no BES quando lá trabalhou é apenas um dever.


Que Carlos Silva dê opinião ao tribunal sobre Ricardo Salgado sem tirar ilações das consequências da ação concreta do seu antigo patrão é... bizarro.


O indivíduo Carlos Silva, admirador do banqueiro Ricardo Salgado, conversa com o sindicalista Carlos Silva, defensor dos trabalhadores?


Jornalista



 www.dn.pt 

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