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"A Opinião" de Fernanda Câncio, na Manhã TSF.
Causou espanto a notícia, dada pela TVI, de que a Universidade Católica beneficia, desde 1971, de uma disposição, reiterada em 1990 pelo Governo de Cavaco Silva, que a isenta de impostos, taxas municipais e até custas judiciais.
Esta última isenção, aliás, está a dar-lhe bastante jeito: em 2015, o fisco acordou para a vida e decidiu cobrar os impostos em atraso. E a Católica, catolicamente, foi para tribunal.
A história é fascinante por vários motivos. Desde logo, por mostrar como em 2019, e apesar de a Constituição desde 1976 determinar a separação entre Estado e religiões, a Igreja Católica continua a arrogar-se o estatuto de religião oficial e muitos a reverenciá-la como tal.
SOM ÁUDIO
É o caso de Cavaco Silva, que, entrevistado pela TVI, não teve pejo em dizer que isentou a Universidade Católica de impostos por ser católica.
Mas o ex-primeiro-ministro e ex-Presidente não está só. Não é por acaso que até hoje este assunto não era público, e que, apesar do furo da TVI, continuamos a saber muito pouco.
Nomeadamente, não sabemos, porque o fisco não quis esclarecer a quanto orça a alegada dívida em cobrança; nem se tal dívida justifica que se gaste tempo e recursos para a cobrar, quando se pode levar ao Parlamento a anulação da cláusula e acabar com a brincadeira.
Pode-se alegar que se a cláusula for anulada se reconhece que estava em vigor. Mas a verdade verdadinha é que os partidos, à excepção talvez do BE, não querem "afrontar a Igreja".
Foram-lhe assim permitindo privilégios e prebendas. E a dita nunca se faz rogada, jamais manifestando cristã preocupação por ficar menos para quem precisa. A Concordata de 1940, que equivalia os padres a funcionários públicos, permitia-lhes não pagar impostos, isentando também todas as propriedades da igreja, para fins religiosos ou não, de IMI. Isto só mudou em 2004, com a nova concordata. E ainda em 2002 o então cardeal patriarca exigia mais dinheiro do Orçamento do Estado para financiar templos católicos, dizendo tratar-se de "uma obrigação do Estado".
Não pode, pois, espantar o braço de ferro da Católica para não pagar impostos - já em 1995 tinha exigido ao Estado que se responsabilizasse pela segurança social dos seus docentes. Alegava, para tal, ter estatuto de universidade pública, invocando o facto de ao seu reitor ser permitido (inexplicavelmente, diga-se) assento no conselho de reitores das universidades portuguesas - onde todos os outros são de instituições públicas.
Um parecer da Procuradoria Geral da República acabou com esta pretensão. Mas é óbvio que não convenceu nem a universidade nem a igreja sua dona de que não têm um direito divino ao que é público.
Daí que não possa deixar de se saudar a posição de Marcelo. O primeiro ocupante do cargo a assumir a sua pertença a uma religião no site da Presidência arrumou o assunto. Bastou dizer que a Católica, à imagem das outras universidades privadas e como instituição de utilidade pública, tem direito a isenção de IRC. Quando a pedir, naturalmente.
*a autora não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990
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