São Bartolomeu de Messines é a terrinha que me viu nascer, há setenta e oito anos.
Situada no barrocal algarvio, entre a serra e o litoral, com todas as condicionantes de abertura ao exterior e arejamento social – apenas quebradas, desde finais do século XIX, pelo Caminho de Ferro –, sempre padeceu, ao longo dos tempos, como reflexo desse facto, de um reduzido nível médio cultural das suas gentes, especialmente os mais idosos, afirmação que faço, a contragosto e sem qualquer conotação menos positiva.
Dito de outro modo, Messines foi sempre, pelas razões que atrás refiro, uma terra quase parada no tempo, onde os costumes e termos utilizados se perpetuaram, século após século, com praticamente muito poucas alterações.
Como é do conhecimento comum, é nitidamente árabe a sua matriz longínqua, desde logo, pela designação, Mussiene, que foi atribuída por algumas tribos berberes – tribos que integraram parte do exército invasor, composto, segundo nos dizem as crónicas, por 100 cavaleiros, 400 guerreiros e cerca de 7000 homens daquelas tribos, exército chefiado pelo general Tarik ibn Ziyad, também ele berbere –, as quais se terão instalado, pouco depois da invasão da Península, em 711, na zona virgem que ali encontraram, na falda sul do cerro, como abrigo para as nortadas.
Designamos o seu cimo por Penedo Grande, um mítico local aprazível e de recolhimento, onde apenas se ouve o brando marulhar das folhas das árvores, sopradas pela fresca brisa, que nos envolve e afaga, mesmo nos mais quentes dias do ano, onde nos é oferecida uma visão deslumbrante da longínqua serra, onde o silêncio convida à meditação e onde, muito provavelmente, o nosso poeta João de Deus criou alguns dos seus mais belos poemas, inspirado na comunhão com a beleza natural circundante.
Berbere (do gr. bárbaros, estrangeiro, designação que os Gregos davam, depreciativamente, a todos os que não falassem a sua língua) era nome comum a várias tribos de etnias diferentes., habitantes do Magrebe, que foram convertidas ao Islão, no âmbito da formação do Império Árabe.
As tribos ditas árabes, a outra componente dos invasores da Península Ibérica, são de etnia semita – tal como os Hebreus – e, maioritariamente, originárias das regiões desérticas da Península Arábica.
Viviam, antes da formação do Império Árabe, basicamente, do pastoreio e do comércio, praticando um regime de vida nómada, pelo que eram, genericamente, designados por Beduínos (do ár. badawî, habitante nómada do deserto), os quais haveriam de vir a constituir a base do exército de Maomé, na expansão político-religiosa inicial do Islamismo.
Antes da conversão ao Islão, as tribos beduínas eram politeístas e adoravam diversas divindades, cujos ídolos estavam reunidos num templo chamado Kaaba, situado no centro de Meca, seu principal centro religioso.
Contrariamente aos Beduinos, as tribos berberes não são semitas e têm origens em várias etnias distintas, englobando Tuaregues, Cabilas e outros povos do Sahará (do ár. saharâ, deserto).
O que une, pois, Árabes e Berberes é apenas o facto de professarem a mesma religião, o Islamismo.
Pelo facto de terem sido os primeiros a iniciar a invasão da Península, em 711, chefiados pelo general Tarik ibn Ziyad, os Berberes achavam-se – e com alguma razão – com maiores direitos do que os Árabes, cujas tribos chegaram, apenas no início do ano seguinte, integrando um grande exército muçulmano, comandado pelo general Musa ibn Nusair, governador árabe da África, que veio consolidar e expandir a conquista começada por Tarik.
No entanto, os Berberes foram empurrados para o interior da península, além de que ficaram com terras mais pobres.
Este facto levou a que, desde o início, as relações entre Berberes e Árabes corressem constantemente mal.
As desavenças entre as duas facções tornaram-se frequentes e constituiram um dos motivos que esteve no começo da desunião do ocupante, com manifesto benefício para as forças cristãs.
Era tamanho o mal-estar reinante entre as duas forças muçulmanas que fazia esquecer o ódio comum que ambas professavam contra os cristãos.
Estes, ao contrário, constituíam um grupo coeso e compacto.
Os Beduínos – ramo ocupante mais poderoso – ou, mais propriamente, os Árabes consideravam-se superiores aos Berberes, os quais tratavam com alguma displicência, um pouco mais do que como “carne para canhão”, como costuma dizer-se.
A subalternização praticada pelos Árabes, face aos Berberes, constituiu, desde o início da invasão da Península, razão de graves dissensões, que seguiram o seu caminho, com todas as consequências daí advenientes, designadamente, divisões e enfraquecimento dos invasores.
O episódio, ocorrido em 750, em que forças berberes – que tinham sido colocadas, no centro de Portugal e da Galiza – foram evacuadas, pelo facto de se terem revoltado, é um dos exemplos visíveis da animosidade existente entre Árabes e Berberes.
Este longo processo de desavenças várias levou à balcanização do Califado de Córdova – o período árabe mais áureo, na Península Ibérica –, em Taifas (do ár. tâ‘ ifa, partido, facção), pequenos emirados ou reinos, que se digladiavam mutuamente e constituiu o princípio do fim do domínio árabe.
Apenas como nota lateral, permita-se-me referir que foi notável e impressionante a facilidade com que, em pouco mais de sete anos, os Árabes lograram ocupar a quase totalidade da Península, num quase passeio, apoderando-se do que viriam a apelidar de Sharq-al-Andalus, “Oriente da Ibéria”, abrangendo toda a vasta zona do sudeste da Península – onde floresciam as notáveis cidades de Sevilha, Córdova e Granada – e Gharb-al-Andalus, “Ocidente da Ibéria”, que correspondia, aproximadamente, à Lusitânia Romana, que, durante séculos, teve a sua capital em Silves, a princesa da poesia árabe, celebrada pelo rei-poeta Al-Mutamid, que, nas varandas do palácio da sua alcáçova, compunha e declamava belos poemas, nas longas tardes frescas de Verão, nos braços de doces “gazelas”, de cabelos esvoaçantes da cor do ébano e olhos negros faiscantes de desejo.
À relativa facilidade de penetração e instalação das força e cultura árabes não foi alheia a tolerância que os novos senhores mostraram para com os usos e costumes locais, admitindo a prática do culto para as populações submetidas, mas uma tolerância que, humilhantemente, tinha de ser comprada, mediante o pagamento de um imposto, a jízia (do ár. jizya, tributo).
Apesar de tudo, o “invasor” foi visto, como uma espécie de libertação, face ao peso opressivo e tirano visigótico dos senhores da guerra.
A primeira cidade tomada, em território europeu, foi a de Algeciras, assim como os rochedos da costa, hoje conhecidos como Rochedos de Gibraltar, que tomaram o seu nome do do comandante berbere, Tarik.
Daí, que Gibraltar signifique, literalmente, djabal al-Tarik, montanha de Tarik.
Simbolicamente, logo que pisou solo europeu com o seu exército, Tarik ordenou que fossem queimadas as embarcações, que havia utilizado na passagem do Estreito, a fim de impedir qualquer retorno, assinalando, com essa atitude, a sua determinação na invasão.
Lamentavelmente, os vestígios materiais da longa permanência muçulmana ficam aquém das expectativas, principalmente porque a política cristã de reconquista foi a de “terra arrasada”, o que mostra a brutalidade goda.
Cada localidade tomada aos Árabes era destruída e os objectos e construções queimados em fogueiras que ardiam durante dias.
Restaram alguns elementos que atestam este período da vida muçulmana entre nós, principalmente nas muralhas e castelos, bem como no traçado de ruelas e becos de algumas cidades do sul do país.
A extensão dos domínios muçulmanos pelo Mediterrâneo prejudicou o comércio da Europa Ocidental com o Oriente, visto que este mar tinha deixado de ser o antigo “Mare Nostrum” para passar a uma espécie de “Mare Islamicum”, sob o domínio muçulmano, o qual apenas viria a terminar, já sob o Império Otomano – também ele obediente ao Islão –, bem mais tarde, em 1571, com a derrota das forças turcas, na decisiva batalha naval de Lepanto.
O domínio do Mediterrâneo pelos Árabes foi um dos factores que contribuiu para o isolamento dos reinos bárbaros cristãos, que se voltaram mais ainda para uma economia agrícola e rural, o que contribuiu para a formação do Feudalismo e para a estagnação da Europa, durante grande parte da Idade Média.
Da Índia, que sofreu as invasões muçulmanas, os Árabes adoptaram os trabalhos dos extraordinários matemáticos indianos e de lá trouxeram:
– O sistema de numeração ocidental actual, que substituiu a romana.
– A novidade dos números negativos.
– A noção do zero.
A noção do zero (ou nada) foi um passo gigante no desenvolvimento da álgebra (do ár. al-jabr, a ‘redução’, disciplina que representa as grandezas, através de letras chamadas incógnitas).
O termo ‘álgebra’ tinha, originalmente, entre os Árabes, o significado do trabalho cirúrgico de recolocação de ossos quebrados ou deslocados.
O sentido de ‘redução’, como significado árabe para álgebra, pode ser exemplificado na pequena equação x + 2 = 5, em que “x” é uma incógnita, cujo valor se pretende conhecer.
Como se sabe, numa equação, quando se muda um valor de um dos termos para o outro, o sinal do valor é invertido.
No caso, mudando “+2” para o outro termo a equação ficará x = 5 – 2, pelo que o valor de x = 3.
Concluindo, ocorreu, de facto, uma ‘redução’ da equação.
Com os Persas, os Árabes aprenderam a conhecer melhor o céu e os astros.
Em contacto com os Chineses, conheceram e mostraram ao ‘mundo conhecido’ novas medicinas, a pólvora, o papel e a bússola.
Também a cartografia – desde logo, aproveitada pelo nosso sagaz rei D. João II – muito haveria de ser útil aos navegadores portugueses, assim como o astrolábio, introduzido pelos Árabes e utilizado para medir as distâncias das rotas marítimas, assim como na técnica de navegação pelas estrelas.
Foi igualmente notável o seu legado, no campo da química e da arquitectura.
A influência árabe foi particularmente importante na vida rural e nas pescas, sendo determinantes o desenvolvimento de novas técnicas de regadio – nora, azenha, levada, cegonha –, assim como a introdução de novas plantas, como o limoeiro, o cânhamo, a amoreira, o algodoeiro, a cana-de-açucar, a laranjeira, a amendoeira, provavelmente, o arroz, o desenvolvimento da cultura da oliveira, da alfarrobeira e a plantação de grandes pomares – são famosos os figos, laranjas e uvas do nosso Algarve –, que reforçaram a vocação agrícola da região mediterrânea e, com particular destaque, da Península Ibérica.
Na indústria, criaram as técnicas do fabrico do mosaico, cerâmica e vidro.
Os característicos terraços que encimam as tradicionais casas de Olhão – as tipicas açoteias (do ár. as-sutayya, mirante, terraço) – são mais uma herança da permanência árabe entre nós, assim como as técnicas dos trabalhos em couro e em metal, além do hábito da ornamentação das varandas com ferro forjado.
A ocupação islâmica não provocou alterações na estrutura linguística da língua portuguesa, que se manteve latina, mas contribuiu com varias centenas de vocábulos, sobretudo substantivos referentes a realidades empíricas do dia-a-dia, como vestuário, mobiliário, agricultura, pesca, instrumentos científicos e utensílios diversos.
Dignitários árabes do Al-Andalus do século XIII
Porém, paralelamente, aos que tecem loas à grandeza da Civilização islâmica, sem passar à fieira da crítica os verdadeiros factores que estiveram na sua origem, co-existe a teoria de que o que mostraram como criações suas, o usurparam aos povos que invadiram.
Na sua caminhada imparável, a primeira vaga de conquista islâmica absorveu as terras cristãs até ao Nordeste da Arménia, África do Norte, Península Ibérica, até Poitiers e a Itália, até aos Alpes.
Ultrapassaram a Pérsia e chegaram à Índia.
Deste modo, os muçulmanos estiveram em contacto com as civilizações mais prestigiosas.
Contudo, o sentimento de superioridade das tribos beduínas conquistadoras e uma certa arrogância narcísica foram postos a dura prova quando as suas conquistas se depararam com civilizações brilhantes, submetidas pela força, tendo como consequência uma humilhação constante imposta pelos Árabes aos dhimmis (pessoas não muçulmanas, vivendo numa sociedade muçulmana e tributadas para poderem manter a sua liberdade de culto e tradições).
Um dos princípios básicos do Islão está enraizado no dogma da perfeição da Ummah, conceito que o vincula à aspiração consagrada de vir a dirigir o mundo inteiro com a sua fé como lei.
Ummah é a comunidade dos muçulmanos, independentemente de sua nacionalidade, laços de sangue e poderes políticos que os governam.
O termo é sinónimo de ummat islamiyya, ‘a nação islâmica’.
O conceito é muito diferente do de ‘Igreja’ (do lat. ecclesia, assembleia dos fiéis, entre os cristãos) porque a Igreja é o Corpo de Cristo Jesus, o Filho de Deus, para os cristãos.
Aqui, a Ummah é, ao mesmo tempo, um conteúdo humano (os fiéis), político (a nação islâmica) e espiritual (comunidade de muçulmanos).
Desde o início do século XX, esse termo foi adoptado pelos diversos nacionalismos do mundo árabe para designar ‘a nação islâmica’.
A esta visão religiosa sectária de sociedade não é alheia a formação dos chamados Estados religiosos árabes, em que a xária (do ar. xarî ‘ a, fonte, bebedouro) é a verdadeira Constituição, que rege o dia-a-dia dos cidadãos, até nos seus mais pequenos actos, num controlo mental permanente e total, que para um cristão poderia tornar-se insuportável.
Hoje em dia, o termo renasceu e passou a ser amplamente usado por movimentos político-religiosos pan-islâmicos, em grande medida como reacção ao sentimento de humilhação sentido, face à colonização de vários povos árabes, no Médio Oriente e Norte de África, por alguns países europeus, até à Segunda Guerra Mundial, designadamente, a Inglaterra.
No âmbito do conceito da Ummah, não pode haver igualdade entre todos os sujeitos, sejam quais forem – o que marca, desde logo, a discriminação, em relação a todas as outras confissões religiosas, numa mesma base de direitos iguais –, visto que a igualdade só pode existir entre os crentes do Islão.
Qualquer empréstimo de uma outra civilização é proibido, dado que a perfeição não pode contactar com a imperfeição sem se danificar a si própria.
Os muçulmanos – nesta visão autista, denunciada pelos que defendem que o brilhantismo a que chegou a Civilização Islâmica, no seu auge, não se deveu a eles próprios, mas ao que copiaram dos povos mais evoluídos que invadiram –, estão, por conseguinte, empenhados num proselitismo extremista e numa campanha de destruição das culturas, das comunidades alheias e de todas as identidades e ideias que não sejam as suas, como demonstram, à saciedade, os exemplos das destruições das estátuas budistas no Afeganistão ou dos belos vestígios arqueológicos da cidade de Palmira, na Síria, pelo Daesh.
Este é um modelo de comportamento que se reproduziu, infatigavelmente, desde o nascimento do Islão, há 1400 anos, que é descrito amplamente nas fontes históricas, que tem estado adormecido, desde há alguns séculos, mas que actualmente readquiriu, de novo, a sua expressão mais agressiva, como temos visto, através de uma cruzada de terror.
Sustentam os que defendem esta tese, que parece ter bases credíveis, que ‘a Civilização Arábigo-Islâmica não é uma força progressiva, mas uma força regressiva’.
Quando os Árabes e o Islão invadiram o Médio Oriente, em 630, encontraram 600 anos de Civilização Cristã, que tinha assimilado os ensinamentos dos Assírios, uma herança e uma cultura muito ricas e fortemente desenvolvidas, dispondo de estabelecimentos de ensino avançados.
Foi esta civilização que se tornou a base da Civilização Árabe.
Quando esta comunidade diminuiu abaixo do limiar crítico, cessou a produção da força intelectual motriz da Civilização Islâmica.
Foi assim que a pretendida ‘idade de ouro do Islão’ terminou.
A Civilização Islâmica, cuja reputação não deve ser buscada nos Árabes ou nos próprios muçulmanos, não é, senão, obra deixada pela supina cultura dos Assírios, de cujos conhecimentos e criações os Árabes se apropriaram e que, mais tarde, perderam, quando esgotaram a fonte de vitalidade intelectual que os havia propulsado, pela conversão obrigatória dos povos de cultura assíria ao Islão.
Uma esmagadora maioria de sábios do mundo antigo era da Assíria, os quais, a partir do século I, começaram a tradução dos conhecimentos Gregos.
Interessaram-se pela ciência, filosofia, astronomia e medicina.
Sócrates, Platão, Aristóteles, e vários outros expoentes gregos foram traduzidos para Assírio, e, deste idioma, mais tarde, vertidos para o Árabe.
Foram estas traduções que os Mouros trouxeram para a Península Ibérica, onde foram traduzidas para Latim.
Um dos grandes feitos assírios do século I foi a construção da primeira universidade do mundo, a Escola de Nisibis, que se tornou um centro de desenvolvimento intelectual no Médio Oriente e serviu de modelo à primeira universidade italiana.
No domínio da filosofia, a assíria Edessa, na actual Turquia, cidade fundada, no século III, sob a égide da cultura grega, desenvolveu uma teoria de física que rivalizou com a de Aristóteles.
Como a roda da História não pára, séculos mais tarde, os Turcos, tribos originárias da Ásia Central e também seguidoras do Islamismo, haveriam de conquistar, no século XIV, grande parte dos domínios muçulmanos, a que juntariam, depois de várias tentativas, o Império Bizantino, com a queda de Constantinopla, em 1453, formando o que se designaria como Império Otomano, realidade política que se manteve até à Primeira Guerra Mundial.
Desde há 1300 anos e, ainda, actualmente, existem minorias e populações, que lutam pela sua sobrevivência, num mundo muçulmano, que lhes roubou a identidade e procura destruir a matriz, no Médio Oriente (Assírios, Arménios, Judeus, Cristãos), em África (Coptas, judeus, Sudaneses cristãos, Etíopes cristãos, Nigerianos cristãos…), na Ásia (Paquistão) assim como na Indonésia.
Estas populações batem-se contra o Imperialismo Árabe e o totalitarismo islâmico, que procuram eliminar todas as culturas, religiões e civilizações.
Na frente da desinformação actual, importa que cada um faça o seu próprio trabalho de investigação e mantenha o espírito crítico.
Aqui fica, para reflexão, uma outra visão, que reproduzo, daquilo que verdadeiramente é o Islão e busca, no âmbito de um fanatismo que não se justifica, de todo, visto que é um direito universal o que assiste a cada um de escolher o seu caminho para chegar à Divindade.
Porém, paralelamente, aos que tecem loas à grandeza da Civilização islâmica, sem passar à fieira da crítica os verdadeiros factores que estiveram na sua origem, co-existe a teoria de que o que mostraram como criações suas, o usurparam aos povos que invadiram.
Na sua caminhada imparável, a primeira vaga de conquista islâmica absorveu as terras cristãs até ao Nordeste da Arménia, África do Norte, Península Ibérica, até Poitiers e a Itália, até aos Alpes.
Ultrapassaram a Pérsia e chegaram à Índia.
Deste modo, os muçulmanos estiveram em contacto com as civilizações mais prestigiosas.
Contudo, o sentimento de superioridade das tribos beduínas conquistadoras e uma certa arrogância narcísica foram postos a dura prova quando as suas conquistas se depararam com civilizações brilhantes, submetidas pela força, tendo como consequência uma humilhação constante imposta pelos Árabes aos dhimmis (pessoas não muçulmanas, vivendo numa sociedade muçulmana e tributadas para poderem manter a sua liberdade de culto e tradições).
Um dos princípios básicos do Islão está enraizado no dogma da perfeição da Ummah, conceito que o vincula à aspiração consagrada de vir a dirigir o mundo inteiro com a sua fé como lei.
Ummah é a comunidade dos muçulmanos, independentemente de sua nacionalidade, laços de sangue e poderes políticos que os governam.
O termo é sinónimo de ummat islamiyya, ‘a nação islâmica’.
O conceito é muito diferente do de ‘Igreja’ (do lat. ecclesia, assembleia dos fiéis, entre os cristãos) porque a Igreja é o Corpo de Cristo Jesus, o Filho de Deus, para os cristãos.
Aqui, a Ummah é, ao mesmo tempo, um conteúdo humano (os fiéis), político (a nação islâmica) e espiritual (comunidade de muçulmanos).
Desde o início do século XX, esse termo foi adoptado pelos diversos nacionalismos do mundo árabe para designar ‘a nação islâmica’.
A esta visão religiosa sectária de sociedade não é alheia a formação dos chamados Estados religiosos árabes, em que a xária (do ar. xarî ‘ a, fonte, bebedouro) é a verdadeira Constituição, que rege o dia-a-dia dos cidadãos, até nos seus mais pequenos actos, num controlo mental permanente e total, que para um cristão poderia tornar-se insuportável.
Hoje em dia, o termo renasceu e passou a ser amplamente usado por movimentos político-religiosos pan-islâmicos, em grande medida como reacção ao sentimento de humilhação sentido, face à colonização de vários povos árabes, no Médio Oriente e Norte de África, por alguns países europeus, até à Segunda Guerra Mundial, designadamente, a Inglaterra.
No âmbito do conceito da Ummah, não pode haver igualdade entre todos os sujeitos, sejam quais forem – o que marca, desde logo, a discriminação, em relação a todas as outras confissões religiosas, numa mesma base de direitos iguais –, visto que a igualdade só pode existir entre os crentes do Islão.
Qualquer empréstimo de uma outra civilização é proibido, dado que a perfeição não pode contactar com a imperfeição sem se danificar a si própria.
Os muçulmanos – nesta visão autista, denunciada pelos que defendem que o brilhantismo a que chegou a Civilização Islâmica, no seu auge, não se deveu a eles próprios, mas ao que copiaram dos povos mais evoluídos que invadiram –, estão, por conseguinte, empenhados num proselitismo extremista e numa campanha de destruição das culturas, das comunidades alheias e de todas as identidades e ideias que não sejam as suas, como demonstram, à saciedade, os exemplos das destruições das estátuas budistas no Afeganistão ou dos belos vestígios arqueológicos da cidade de Palmira, na Síria, pelo Daesh.
Este é um modelo de comportamento que se reproduziu, infatigavelmente, desde o nascimento do Islão, há 1400 anos, que é descrito amplamente nas fontes históricas, que tem estado adormecido, desde há alguns séculos, mas que actualmente readquiriu, de novo, a sua expressão mais agressiva, como temos visto, através de uma cruzada de terror.
Sustentam os que defendem esta tese, que parece ter bases credíveis, que ‘a Civilização Arábigo-Islâmica não é uma força progressiva, mas uma força regressiva’.
Quando os Árabes e o Islão invadiram o Médio Oriente, em 630, encontraram 600 anos de Civilização Cristã, que tinha assimilado os ensinamentos dos Assírios, uma herança e uma cultura muito ricas e fortemente desenvolvidas, dispondo de estabelecimentos de ensino avançados.
Foi esta civilização que se tornou a base da Civilização Árabe.
Quando esta comunidade diminuiu abaixo do limiar crítico, cessou a produção da força intelectual motriz da Civilização Islâmica.
Foi assim que a pretendida ‘idade de ouro do Islão’ terminou.
A Civilização Islâmica, cuja reputação não deve ser buscada nos Árabes ou nos próprios muçulmanos, não é, senão, obra deixada pela supina cultura dos Assírios, de cujos conhecimentos e criações os Árabes se apropriaram e que, mais tarde, perderam, quando esgotaram a fonte de vitalidade intelectual que os havia propulsado, pela conversão obrigatória dos povos de cultura assíria ao Islão.
Uma esmagadora maioria de sábios do mundo antigo era da Assíria, os quais, a partir do século I, começaram a tradução dos conhecimentos Gregos.
Interessaram-se pela ciência, filosofia, astronomia e medicina.
Sócrates, Platão, Aristóteles, e vários outros expoentes gregos foram traduzidos para Assírio, e, deste idioma, mais tarde, vertidos para o Árabe.
Foram estas traduções que os Mouros trouxeram para a Península Ibérica, onde foram traduzidas para Latim.
Um dos grandes feitos assírios do século I foi a construção da primeira universidade do mundo, a Escola de Nisibis, que se tornou um centro de desenvolvimento intelectual no Médio Oriente e serviu de modelo à primeira universidade italiana.
No domínio da filosofia, a assíria Edessa, na actual Turquia, cidade fundada, no século III, sob a égide da cultura grega, desenvolveu uma teoria de física que rivalizou com a de Aristóteles.
Como a roda da História não pára, séculos mais tarde, os Turcos, tribos originárias da Ásia Central e também seguidoras do Islamismo, haveriam de conquistar, no século XIV, grande parte dos domínios muçulmanos, a que juntariam, depois de várias tentativas, o Império Bizantino, com a queda de Constantinopla, em 1453, formando o que se designaria como Império Otomano, realidade política que se manteve até à Primeira Guerra Mundial.
Desde há 1300 anos e, ainda, actualmente, existem minorias e populações, que lutam pela sua sobrevivência, num mundo muçulmano, que lhes roubou a identidade e procura destruir a matriz, no Médio Oriente (Assírios, Arménios, Judeus, Cristãos), em África (Coptas, judeus, Sudaneses cristãos, Etíopes cristãos, Nigerianos cristãos…), na Ásia (Paquistão) assim como na Indonésia.
Estas populações batem-se contra o Imperialismo Árabe e o totalitarismo islâmico, que procuram eliminar todas as culturas, religiões e civilizações.
Na frente da desinformação actual, importa que cada um faça o seu próprio trabalho de investigação e mantenha o espírito crítico.
Aqui fica, para reflexão, uma outra visão, que reproduzo, daquilo que verdadeiramente é o Islão e busca, no âmbito de um fanatismo que não se justifica, de todo, visto que é um direito universal o que assiste a cada um de escolher o seu caminho para chegar à Divindade.
Foi no caldo de cultura da minha terra, que inicialmente descrevi, que formatei o espírito, numa idade, em que ele absorve, como uma esponja, toda a envolvência.
Toda a minha vida tem ocorrido longe, tendo deixado de estar em contacto, há mais de sessenta anos, com os termos vernáculos ouvidos na adolescência (muitos deles de ancestral origem árabe), sendo que alguns são verdadeiros fósseis linguísticos, que ali cristalizaram.
Porém, quando, esporadicamente, lá me desloco, desço do comboio e mergulho naquele micromundo, quase parado no tempo, reconheço-o, de imediato, como meu, como um retorno às origens, assim como aquela como a minha gente e outras as leis culturais, por que me passo a reger, enquanto lá permaneço.
Logo que ponho o pé na gare da Estação de Caminho de Ferro de Messines, lamentavelmente encerrada, notável pela beleza encantatória policroma do rendilhado geométrico dos seus azulejos de inspiração islâmica ‘mudéjar’, os meus ouvidos passam a ser ‘feridos’ por uma familiar sonoridade: a acentuada pronúncia que trouxe comigo, quando sai, há muitos anos, em busca de novas oportunidades de vida.
Uma dessas características, para mim inexplicável, é o súbito aumento tonal agudo, no final de cada frase.
Outra, bem vincada, é a sistemática truncagem das vogais, designadamente nos mais idosos, com menos instrução, assim como a sistemática troca do ‘- o’ final por ‘- e’ mudo, característica curiosamente também presente na fala do general Ramalho Eanes (natural de Alcains, zona interior, no distrito de Castelo Branco).
Socorri-me, para o efeito, de algumas frases respigadas do ‘Dicionário algarvio de termos e dizeres do Algarve’, verdadeiras preciosidades, que tendem a apagar-se no tempo, reunidas numa excelente compilação efectuada por Vítor Madeira:
– ‘É na sei ‘. (Eu não sei)
– ‘Q ’ande é que lá va ‘ s ? ‘ (Quando é que lá vais ?)
– ‘É na posse’ (Eu não posso)
– ‘Temes c’acêfar o trigue’ (Temos de ceifar o trigo)
– “É tamém quer ‘ isse” (Eu também quero isso)
– “Ah, marafade môce!” (Ah, marafado moço!“)
– ‘Vames andande p’ra mod’ir más céde’ (Vamos andando para irmos mais cedo); este ‘p’ra mod’ir ’…, traduz-se, mais ou menos, como ‘por causa de irmos …’
– ‘Moce, na dás uma prá cáxa…’ (Não acertas uma …)
– ‘Zé, tás tode cagade’ (Zé, estás todo sujo)
– ‘Adés óme, pr’ónd’ é que vás?’ (Adeus! Para onde é que vais?)
– ‘Moces, andem todes daí e vames debulhar o trigue’ (Moços, vamos todos daí e vamos debulhar o trigo)
– ‘O qé q’ria ? O mé óme na tá’ (O que é que queria ? O meu marido não está)
– ‘Ah mon, tá tude bem?’ (Então, moço, está tudo bem?)
– ‘Eh moce, até parece que tou almariade’ (Eh, moço, até parece que estou tonto)
– ‘Atã na t’ assentas Jaquim?’ (Então não te sentas, Joaquim?)
– ‘Béqme qu’ ria parecer… É sabia!’ (Bem me queria parecer … Eu sabia !)
– ‘Ó Antóine, tu na m’ouves é bradar per ti?’ (Oh António, não me ouves chamar por ti ?); no ‘é bradar’ ocorre a apócope do ‘eu’, que passa a ‘é’.
– ‘De nôte, tenh’uma cagufa, mas de dia na tenhe’ (De noite, tenho um medo…, mas de dia não tenho.
– ‘Q ‘andé ser grande, face o q ‘é q ‘rer’ (Quando eu for grande, faço o que eu quiser), de notar a troca da forma verbal do infinitivo pessoal pelo futuro do conjuntivo: ‘ser’ por ‘for’ e ‘q ‘rer’ por ‘quiser’)
– ‘O Antóine vai sempre dermir a sesta debáxe da árve, despôs do jantar’ (De notar que ‘jantar’ era o almoço actual e tomado ao meio-dia; de referir ainda que ‘sesta’ deve ser entendida como a ‘sexta-hora’, visto que os trabalhos nos campos tinham início às 6 da manhã, sendo que até ao meio-dia – altura em que o calor já apertava e apetecia dormir um pouco – decorriam 6 horas)
– ‘Carles, da dêxes o fogue s’apagar! Abana isse c’u capache’ (Carlos, não deixes apagar o fogo! Abana isso com o capacho)
– ‘C’ oras som iste?’ (Que horas são ?)
– ‘O Marceline é même desgroviade.’ (O Marcelino é mesmo desnorteado)
– ‘Aqui tem a sua desmazia, Ti Maria.’ (Aqui tem o troco do dinheiro, Ti Maria)
– ‘É fui à praça, despôs vim’embora.’ (Fui à praça, depois, vim-me embora)
– ‘Eh deb, há munte tempe que já nã te via!’ (Há muito tempo que já não te via!); a partícula ‘deb’ é uma forma sincopada de ‘diabo’.
– ‘Manel, ósdepôs vem cá’ (Manuel, e depois, vem cá); de notar a curiosa prótese de ‘depois’, que passa a ‘ósdepôs’.
– ‘É na sê quem foi, más iste chêra-ma’esturre.’ (Não sei quem foi, mas estou desconfiado)
– ‘Ah moce, atã má que jête?’ (Então porquê ?)
– ‘O Manel anda a láriar a pevide’ (O Manuel anda a vadiar)
– ‘O Humberte é mème maline’ (O Humberto é mesmo mau)
– ‘Manel, atã tu partiste o cope? – Eu? Má que jête?’ (Manuel, então partiste o copo? – Eu ? Eu não fui!)
– ‘Mechas, que já dexê cair os oves’ (Merda! Já deixei cair os ovos); como dá para ver, ‘mechas’ é um eufemismo de ‘merda’.
– ‘Miga, passa-mu pão.’ (‘Passa-me o pão’); é tratamento familiar, versão reduzida de amigo ou amiga e dirigido a ambos os géneros.
– ‘É na dou iste fête!’ (Não consigo fazer isto)
– ‘A ‘nha mãe é que sabe, n’é a tua!’ (A minha mãe é que sabe, não é a tua)
– ‘Ó óme, na faças isse!’ (Oh homem, não faças isso!‘)
– ‘Ontre-dias, passou por aqui o Zeferine’ (O outro dia passou aqui o Zeferino)
– ‘O mé pai foi s’ embora. Má que jête, mó?’ (‘O meu pai foi-se embora. Mas porquê?’); este ‘mó’ é a abreviatura de ‘moço’ ou ‘môce’, que não têm tradução, sendo apenas partículas enfáticas.
– ‘Que jête o mé cão ter pulgas?’ (Não. O meu cão não tem pulgas)
– ‘Sai daí, Jaquim, tu na véz que tás-ma patiar u chã tode?’ (Sai daí, Joaquim. Não vês que me estás a sujar o chão todo?)
– ‘Té dieb, na’te zangues, moce!’ (‘Não te zangues!‘); a partícula ‘Té dieb’ ou ‘Té deb’ apenas enfatizam a frase.
– ‘Jaquim, já tem avonde de vinhe!’ (Joaquim, já chega de vinho); este ‘avonde’ tem origem no verbo ‘abundar’.
– ‘Comadre, agora na posse falar ca’meceia, porque tenhe que tender o pão’ (Comadre, agora não posso falar consigo, porque tenho de tender o pão); a expressão ‘ca’meceia’ é um vernáculo local de ‘com você’.
Aventa-se a hipótese de que a corruptela da designação latina Sinus para a árabe Sines, em que o ‘u’ latino foi modificado para o ‘e’ actual (‘u’ latino, que transitou das palavras latinas para o Português, como ‘o’), seja uma influência remota da língua árabe, na qualidade de língua-superstracto, durante os vários séculos do seu domínio, na Península Ibérica, facto que explicará tal fenómeno linguístico nalguns exemplos vernáculos acima.
A designação Sinus, “baia”, que foi atribuída pelos Romanos, deve-se ao seu “golfo” (ou “ baia”), frente ao qual a cidade se situa.
De notar que os Romanos foram o primeiro povo a fazer da sua “Sinus” um centro portuário e industrial para servir a cidade de Miróbriga, junto a Santiago do Cacém.
Estas evidências da influência da língua árabe, na zona mais meridional do nosso país, explicam, pois, a profunda e continuada herança, no vernáculo actual da minha Messines natal, a partir da ancestral Mussiene, influência que se manteve, praticamente intacta, com poucas intromissões exteriores, até meados do século passado, motivo por que ainda subsiste em tantas expressões.
Porquê até aos anos cinquenta do século XX?
Como é do conhecimento comum, a segunda metade do século anterior marcou, com especial ênfase, mais do que qualquer outra época anterior, o começo das deslocações e migrações das populações para os grandes centros, tendo como consequência, no retorno, o início de uma certa aculturação, devido a influências exógenas, com a ‘contaminação’ de algumas expressões linguísticas vernáculas locais, que se foram perdendo, realidade, a que se junta e em que pesa, igualmente, o aprofundamento da escolarização das últimas décadas.
(continua)
José Domingos
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