Nenhum português gostaria de ter de estar a gerir a questão TAP.
E muito menos o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos (PNS), que tem sido a voz à esquerda no PS, partido que tem aplicado, desde 1976, uma agenda laboral alavancada pelas instituições como o FMI, a OCDE ou a Comissão Europeia, responsável por grande parte do que está a alimentar a extrema-direita na Europa e em Portugal - precariedade, baixos salários, desigualdade social.
Apesar disso, PNS tem sido um ministro corajoso, frontal, claro, assertivo, conhecedor dos dossiers, eficaz na sua argumentação, arcando sozinho - no PS - com a responsabilidade de desbaratar opositores à direita (sem coragem de assumir a sua vontade de fechar a transportadora nacional) ou os comentadores enviesados. Foi inigualável a pancada dada na entrevista à SIC notícias aos jornalistas José Gomes Ferreira e João Vieira Pereira, jornalistas que aplaudiram a troica em 2011 (ver caderno nº7), obrigados a resguardar-se alegando: "Isto não é um debate”.
Fica, contudo, por debater uma questão (perigosa) para a esquerda que é a de se assumir um conjunto de argumentos que presupõe certos conceitos teóricos, os quais se sobrepõem ou colam aos usados pelo patronato para justificar a desvalorização salarial e a fragilização das relações laborais.
A solução oficial para a TAP é apresentada no quadro de uma crise pandémica, sem que por isso disponha de apoios próprios e adequados, antes sujeitando-se - por contrapartida da injecção de capitais públicos - a uma vistoria da Direcção-Geral de Concorrência. A DGC vai querer cortar na capacidade instalada, alegadamente para não desvirtuar a concorrência europeia, mas que na realidade servirá uma concentração europeia no sector.
Ao mesmo tempo, o Governo - pela voz de PNS - alega que a TAP tem “um conjunto de ineficiências” que a tornam “menos competitiva face aos seus concorrentes directos (as companhias de bandeira)", que decorrem dos acordos colectivos de empresa que - apesar de terem sido “vitórias dos trabalhadores da TAP” – “tornam mais difícil o ajustamento que temos de fazer agora”. Apesar de ser assumido que a responsabilidade da situação da TAP não é dos trabalhadores, “os custos laborais que a empresa enfrenta são um peso na TAP que tornam difícil a sua recuperação e a sua capacidade de competição, de concorrência no resto da Europa”, porque “tornam a TAP menos produtiva". Isto é, a TAP usa "mais trabalhadores e mais pilotos para produzir o mesmo trabalho que os nossos concorrentes”. Face à redução da actividade e face a esses custos acrescidos, a TAP tem de fazer aquilo que vão fazer as companhias concorrentes – cortar fortemente a massa salarial, seja por cortes salariais ou despedimentos.
Ao reduzir de 108 para 88 aviões, a TAP terá de reduzir 2 mil postos de trabalho (que "não são necessários"), reduzir salários para não despedir mais mil trabalhadores, suspender os acordos colectivos de empresa – “a suspensão dos acordos de empresa é uma ferramenta fundamental para que possamos proceder a redução da massa salarial” - de forma a aumentar horas de voo e reduzir tempos de descanso, para que se consiga um novo “patamar de maior competitividade para que possa crescer e voltar a recuperar algum emprego que neste momento infelizmente não é possível manter”, o qual, quando voltar entrar, será com salários mais baixos.
Esta reestruturação permite a "flexibilidade necessária" para a empresa poder aproveitar a recuperação do mercado e, assim, salvar a empresa.
Estas medidas irão gerar uma "poupança" acumulada de 1,4 mil milhões de euros até 2025. E, ou se obtém estes "ganhos de competitividade" ou então "todos os portugueses" terão de injectar esses 1,4 mil milhões dinheiro na TAP, além dos 3,7 mil milhões já previstos até 2024. Por outras palavras, ou há reestruturação ou pagam os contribuintes.
A acumulação destes argumentos/conceitos é particularmente flagrante quando PNS tem sido o militante socialista que tem feito uma pedagogia ideológica. Há quase 10 anos, lembrava como o PS tinha escorregado para uma deriva de direita ao aceitar todos os seus conceitos. Em Junho passado, PNS dizia: “Há um combate que temos ainda de travar e que está longe de estar ganho: é o combate da linguagem, das palavras que foram tomadas pela direita” (1'15).
Ouvir Pedro Nuno Santos – como se ouviu na passada 6ª feira em conferência de imprensa - causa, por isso, duplamente um arrepio na coluna, ao imaginar como a direita poderá capturar o discurso daquele que é a esperança laboral do PS, para subverter esse mesmo discurso, em todas as situações relacionadas com o tecido empresarial ou - como foi já tentado na entrevista à SIC Notícias por parte dos jornalistas - em toda a economia.
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