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sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Professor Manuel Sobrinho Simões em entrevista Entrevista por Alfredo Maia


 


Professor
Manuel Sobrinho Simões em entrevista
Entrevista por Alfredo Maia
e fotografia de Egídio Santos

<<Manuel Sobrinho Simões, 73 anos professor jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, reputado investigador em patologia e biologia molecular e especialista mundial em cancro da tiróide, continua a trabalhar diariamente no Serviço de Anatomia Patológica do Hospital de S. João e no Ipatimut/i3S -- Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto.
A.Maia
Se há entrevistas irremediavelmente datadas, esta é uma. Aqui estamos, com os rostos cobertos por máscaras, distantes... Há quem diga que é o "novo normal". O que faz para viver o velho normal?
M. Sobrinho Simões
Não faço. Não consigo. Não consegui ainda perceber a dificuldade que estou a ter. Sei que, quando são gestos profissionais, fazemos os mesmos: ver ao microscópio, fazer um diagnóstico, uma recomendação... É igual. Mas muito limitado: fazemos menos actividade, com mais dificuldade, menos rede, a comunicação diminuiu imenso. Estamos a ter muitos casos de consulta que chegam atrasados os diagnósticos.
A.Maia
Porquê?
M. Sobrinho Simões
Infelizmente, as pessoas têm medo de vir aos médicos, aos centros de saúde, aos hospitais. Diminuímos a actividade de rastreio e de diagnóstico precoce. Piorámos, é indiscutível.>>
A. Maia
Como caracteriza a resposta do Serviço Nacional de Saúde?
M. Sobrinho Simões
Excepcional e única. Eu bato-me pelo Serviço Nacional de Saúde, foi a coisa mais importante neste país, em termos sociais. Aguentou-se muitíssimo bem numa situação de pressão. Se tivesse de encontrar um exemplo da importância de ter um SNS para todos, é este.
Eu trabalho muito na América, onde o serviço é uma vergonha - caro e mau! Claro que os ricos têm sempre soluções, mas a maior parte das pessoas não é capaz de pagar os seguros. Tivemos uma resposta excepcional por parte de médicos, dos enfermeiros, dos assistentes operacionais, dos técnicos.
Construímos alguma coisa de que devíamos estar orgulhosos. Somos bons nas situações de aperto, na catástrofe, mas não somos bons na continuidade. É verdade que se tornou mais assimétrica a qualidade do SNS em relação a doenças não covid.
A. Maia
E se a mortalidade por outras patologias vai aumentar...
M Sobrinho Simões
E o sofrimento! Saúde é o bem estar e a doença é o mal estar. E as pessoas sofrem. Eu não tenho alternativa para o SNS e espero que esta gente tenha percebido. Têm todos a mania de que não sei quê, temos aí coisas privadas, algumas de muita qualidade... Não está em causa e o sistema tem de ter outras estruturas, mas são complementares.
Quando aperta mesmo, é o SNS. O que aconteceu com as grávidas: as estruturas privadas não responderam de forma adequada a um problema. Eu percebo a razão...
A. Maia
É mais economicista do que...
M. Sobrinho Simões
É economicista.
A. Maia
Não há nenhuma racionalidade técnica...
M. Sobrinho Simões
Não ! É economicista! Aquilo é para dar lucro aos stakeholders e aos accionistas.
A. Maia
Há grande ansiedade em relação a um tratamento eficaz e a uma vacina. A questão é quem vai ter acesso. No plano da geopolítica joga-se quem primeiro a desenvolve à escala industrial e quem vai ganhar dinheiro, o que leva ao problema de saber se está assegurado o acesso a todos.
M. Sobrinho Simões
O que diz é uma verdade cristalina. Sou cada vez mais sensível à ideia ---- e estou a pensar nos pólos da América e da China ---- de que há um problema de poder para além da saúde, até de poder bélico.>>
Como vamos dirimir este problema e quanto tempo ter de repetir a vacina, também não sabemos. Para a SIDA, ainda não encontramos uma vacina, para a malária também não. A malária já se sabe que é só para os pobres, mas a SIDA não, e nós não conseguimos desenvolver uma.
A incerteza sobre a eficácia da vacina e dos tratamentos vai aumentar ainda mais o problema que referiu: como vamos dirimir quando sabemos que há xis vacinas e dois ou três medicamentos? Quem é que vai (escolher)? Não devia ser só o poder económico, mas pode ser o político mesmo. O meu medo é que cada vez mais é política. Trump continua a referir-se ao "vírus chinês"...
A. Maia
E não usa essa expressão por acaso.
M. Sobrinho Simões
Está a mostrar que a saúde é política, um instrumento do poder e é um instrumento associado ao poder bélico, não são só os aspectos comerciais. Não sei como se resolve. Sei que vai ser cada vez mais utilização de mecanismos de grandes filantropos. Mas não vamos conseguir intervir e eles vão cada vez ficar mais ricos e poucos.
A. Maia
A filantropia está nos bastidores do poder...
M. Sobrinho Simões
Exactamente. E não é neutra. Mas eu sou muito a favor... Não sei se o capitalismo vai "dar o eco" ou não, mas qualquer dia rebenta.
Você não pode crescer, crescer, crescer...>>

Extractos da entrevista publicados na
Revista <<Diagonal>> do Sector Intelectual do Porto do Partido Comunista Português.
Dezembro 2020. N.° 5, III Série.
Foto do Professor Manuel Sobrinho Simões.

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