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quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Os 11 milhões de euros que, em tempos de fome, voaram para uma Web Summit totalmente virtual


 


www.publico.pt 




Na primeira edição da Web Summit em Lisboa, em 2016, Fernando Medina emprestou as chaves de honra da cidade a Paddy Cosgrove – CEO do evento. As chaves da cidade são “um galardão destinado a distinguir personalidades, instituições ou organizações nacionais ou estrangeiras que, pelo seu prestígio, cargo, acção ou relacionamento com Lisboa, sejam considerados dignos dessa distinção”.

Em 2018, este namoro consolidava-se através de um contrato assinado entre a Web Summit e a Câmara Municipal de Lisboa para vincular a cimeira por mais dez anos à capital. 

Em contrapartida, 11 milhões de euros de dinheiros públicos por ano seriam entregues à organização (110 milhões no total) e os pavilhões da FIL seriam expandidos de forma a aumentar o número de participantes. Outros compromissos implicavam: “assegurar a participação do primeiro-ministro de Portugal e de outras figuras públicas relevantes na Web Summit” ou ainda garantir “descontos nos meios de transporte da cidade durante todos os dias do evento para todos os participantes.

Paddy Cosgrove elogiava o contrato e considerava a sua decisão como a “mais doida da sua vida”; isto porque outras cidades que se candidataram tinham proposto valores superiores e espaços mais amplos. 

É o exemplo de Londres, Berlim ou Valencia. Este modelo em que o dinheiro dos contribuintes é canalizado para cobrir os custos de uma empresa privada cujos retornos serão elevados a avaliar pela inacessibilidade dos preços dos bilhetes já é de si criticável. Contudo, do seu lado, Paddy Cosgrove tinha dados capazes de defender uma posição: um retorno de 300 milhões de euros por ano para a cidade e a passagem de investidores cujo volume de negócios valeria o triplo do PIB português.

Com a pandemia de covid-19, este argumento desvaneceu-se. Em 2020, a Web Summit será totalmente virtual e, portanto, os 300 milhões de euros de retorno a que a cidade teria direito simplesmente desapareceram. Isso não impediu Paddy Cosgrove de exigir à mesma os 11 milhões de euros que lhe eram devidos à Câmara Municipal de Lisboa, afirmando: “Poderíamos ter recebido 25 milhões de euros e ir embora” ou “Devíamos, talvez, ter feito o mesmo que o World Mobile Congress de Barcelona ou o South by Southwest em Austin [eventos cancelados], tínhamos direito [a cancelar]”.

Num momento em que inúmeras pessoas no sector da cultura e da restauração (entre outros) passam por enormes dificuldades (falamos de fome), tudo isto me parece obsceno. Pergunto-me a importância que esta verba teria no apoio a situações de urgência social. Paddy Cosgrove, pelo contrário, acha que está no seu direito (e está, contratualmente). O suposto líder inspirador da tecnologia, inovação e empreendedorismo é, afinal, um mero empresário burocrata. 

A falta de ética e de dignidade que demonstra tem pelo menos o benefício de desconstruir a plasticidade destas figuras globais e de nos alertar para os “amanhãs digitais e radiosos" que nos querem vender.

Aos responsáveis políticos, fica a lição de que não devem emprestar chaves de honra da cidade a quem não as merece e ainda que a política estratégica em que continuam a insistir, a de uma cidade entendida exclusivamente como um produto exportável, lesa o interesse público.

Para finalizar, uma pergunta no valor de 340 milhões de euros: no contrato de 2018 não ficou estabelecido que caso a Web Summit decidisse abandonar Lisboa antes do fim do contrato este era este o valor pelo qual o município deveria ser recompensado anualmente? Que pena não desistirem.





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