Gustavo Carneiro
O desinteresse
Depois do ataque, a desvalorização.
Foi esta, salvo raras (e honrosas) excepções, a tónica geral do tratamento noticioso do XXI Congresso do PCP nos dias que se seguiram à sua realização. Após semanas de cerrada crítica, exigindo a sua proibição ou cancelamento, e perante a evidência de que as medidas de protecção sanitária foram ali rigorosamente cumpridas, o tom mudou.
De uma penada, o Congresso polémico (ilegítimo, até) deu lugar ao Congresso morno, sem motivos de interesse, desprovido de entusiasmo.
O Público chegou ao ponto de questionar: «Foi para isto que lutaram pelo Congresso?» A generalidade dos jornais, impressos ou digitais, e estações de rádio e televisão alinhou pela mesma bitola.
Esta apreciação, porém, diz bem mais sobre a comunicação social dominante do que sobre o PCP e o seu Congresso.
Na verdade, como poderiam aqueles para quem política é sinónimo de guerras intestinas, lutas pelo poder, traições, dramatizações e soundbytes encontrar qualquer relevância no Congresso do PCP, onde tudo isto esteve, como sempre, ausente? Como esperar que quem nunca dedicou nem uma linha ou minuto de emissão a mostrar como a epidemia está a servir de pretexto para despedir, retirar direitos e desregular horários fosse dar algum realce ao operário que, da tribuna do Congresso, denunciou os mais de 10 mil trabalhadores que foram despedidos na Península de Setúbal, só entre Março e Junho?
Improvável seria que quem tão fielmente gaba a astúcia empresarial e a generosidade caridosa das famílias Azevedo e Soares dos Santos desse algum destaque ao militante que acusou a «ditadura da grande distribuição» de esmagar os preços pagos aos agricultores pela produção. E como citar a jovem que deu conta dos obstáculos colocados pelas direcções de escolas e universidades à organização e intervenção dos estudantes se tal nega, por completo, a narrativa tão esforçadamente construída de que os mais novosnão participam nem querem saber de política?
Seria sensato contar que os mesmos que amplificam preconceitos e estigmas racistas e xenófobos publicassem uma linha que fosse de um discurso onde se valorizava a contribuição dos imigrantes para a Segurança Social, superior a 650 milhões de euros? Ou que os mais denodados propagandistas da União Europeia e do euro dessem voz a quem, por A mais B, comprova que a presença de Portugal em ambos explica em parte o seu atraso?
O problema do Congresso não foi o seu desinteresse, como antes não era a sua legalidade ou moralidade. O problema é que naqueles três dias se derrubou um por um os mitos e os dogmas em que nos querem encerrar os que se julgam donos do País. E que são, na verdade, quem manda nas televisões, nas rádios e nos jornais.
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