Na semana que passou vimos duas mulheres na política expressarem publicamente as suas emoções a propósito da pandemia: a nossa ministra da Saúde chorou na cerimónia do aniversário do INSA e a chanceler alemã apelou de forma emocionada para que os mais novos não venham a infetar os seus avós durante o Natal. Sabemos bem que a política é, por vezes, racional, pode exibir cinismo e é, frequentemente, espetáculo, mas mais raramente deixará transparecer alguma emoção. E isto porque as emoções são tidas, para muitos, como uma manifestação de fraqueza e evidência de descontrolo.
Mas as emoções não pervertem necessariamente a razão, constituem a razão do coração. Por isso, são genuínas e devem ser tomadas de forma séria, exprimindo a razão e afirmando politicamente essa mesma razão.
Não me refiro ao uso da emoção como ferramenta para a manipulação de audiências pelos políticos, como sugeriu Aristóteles na sua Retórica, refiro-me às emoções como reveladas a todos nós por António Damásio, na sua ligação com os nossos sentimentos mais profundos, ligando a mente e o corpo. Por isso, as emoções, na vida, na profissão, na política, não serão obrigatoriamente más, antes são humanas e autênticas. Quando estas duas mulheres, em funções políticas, expressam publicamente as suas emoções, estão somente a dar à política alguma humanidade e à humanidade autenticidade.
A política, na ancestral asserção grega, é a tomada de decisões para o governo das cidades, logo, é feita por um número limitado de pessoas para um grupo alargado de cidadãos – é uma eminente expressão de humanidade. Assim, a emoção, às lágrimas, de uma ministra que discursa em Lisboa na cerimónia de uma instituição que tem sido de enorme utilidade na luta pandémica é genuína pela gratidão que expressa e adequada no contexto de grande desafio e adversidade em que temos vivido. Não é uma fraqueza, antes uma força, a força da afirmação de humanidade e a expressão de um dos mais justos sentimentos dessa mesma humanidade – a gratidão.
Também o discurso emocionado, mas pragmático, da chanceler alemã sobre o Natal e os cuidados que as famílias devem ter para não agravarem o risco pandémico de contágios nas festividades da quadra, discurso que desafiou largamente a tradicional frieza alemã e a habitual postura de Estado, constitui uma genuína prova de amor para com o seu povo, que se infecta à razão de mais de vinte mil casos e morre à razão de 350 óbitos por dia.
Ambos os discursos, ambas as personalidades, nas sua extremas diferenças, têm algo em comum: o uso autêntico das emoções para exprimir a razão que têm. Este será um sinal de força, não de fraqueza, sinal de verdade, não de manifestação de cinismo, um sinal da sua mais profunda humanidade, humanidade de quem, em funções governativas, está grata e se preocupa com os cidadãos da sua polis.
Estamos habituados a ouvir dos políticos o que mais gostamos, seja para mantermos uma sentida tranquilidade, seja para votarmos melhor, ou para usufruirmos do oásis da felicidade. Diferente, por mais autêntica, será a verdade que as emoções incontidas traduzem: a verdade publicamente expressa por Marta Temido no reconhecimento ao INSA, num momento em que tantos nunca foram tão poucos para travar esta enorme luta, e a verdade de Angela Merkel no apelo de consciência que faz aos seus cidadãos para se protegerem e protegerem os seus avós nesta quadra natalícia.
É da maior importância que, com verdade, sem medo ou vieses políticos, mesmo caritativos, se diga aos cidadãos que esta quadra natalícia deverá ser vivida com a maior precaução, para que este Natal não seja, para muitos, o último. A política deveria, bem mais do que atender à satisfação das nossas melhores expetativas, veicular verdades, ser realista. Por isso, estas recentes manifestações de emoção por parte de políticos revestem um papel tão importante, o de expressarem saudavelmente sentimentos, de mera gratidão, ou de apelo, para nos mantermos seguros. Para que haja muitos e muitos mais Natais.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
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