Carta de Maria Lamas a Salazar
Lembrar as conquistas políticas, sociais e económicas das mulheres em todo o mundo. Num percurso marcado por enormes sacrifícios e lutas. De que resultaram a prisão e, em casos extremos, a morte das irreverentes vozes femininas.
Portugal não fugiu à regra de tentar amordaçar as vozes que clamavam por um mundo mais justo e livre.
Pelas prisões do antigo regime passaram incontornáveis nomes da resistência feminina.
A escritora Maria Lamas (1893-1983) foi um caso emblemático na amarga experiência dos horrores das prisões políticas do Estado Novo.
A primeira ordem de detenção da torrejana ilustre aconteceu a 17 de Dezembro de 1949. Numa altura em que Maria Lamas integrava os quadros do Movimento Nacional Democrático. Esta organização antifascista constituiu-se após a extinção do MUD (Movimento de Unidade Democrática).
Sendo a maior parte dos membros da comissão central executiva provenientes dos quadros do MUD.
Nos seus primeiros meses de existência (o manifesto inicial data do mês de Abril desse ano), o Movimento Nacional Democrático desenvolveria uma notável actividade na luta pelos direitos e liberdades fundamentais do povo português.
Era a principal voz contra as injustiças e repressões do Estado Novo. O incómodo causado pela intervenção do movimento junto do povo, levou a que o regime ditasse a ordem de prisão dos componentes
principais do MND. Com Maria Lamas foram presos, entre outros, Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura… Pouco tempo depois a torrejana ilustre e os seus colegas do Movimento Nacional Democrático eram postos em liberdade, através do pagamento da respectiva caução. Maria Lamas sairia do estabelecimento prisional a 24 de Dezembro de 1949. Esta primeira prisão não intimidou a torrejana ilustre na sua clara oposição ao regime fascista.
Em 1950, Maria Lamas desenvolveria diversas actividades que aos olhos do Estado Novo eram vistas como subversivas: foi neste ano que a escritora ultimou os trabalhos finais da sua colossal obra, publicada em fascículos,
“As Mulheres do meu País” (1948-1950).
Em Maio, Maria Lamas participaria, na comemoração do 15º aniversário da “Associação Feminina Portuguesa para a Paz”, com a conferência
“A Paz e a Vida”. Nesse mesmo ano a torrejana ilustre dava o seu contributo ao Movimento Nacional Democrático nas acções de resistência e denúncia dos crimes perpetrados pelo regime.
A conjugação destes três factores ditaria a segunda prisão de Maria Lamas. Como se encontrava doente, a torrejana ilustre não foi levada para os calabouços da PIDE.
Ficou durante algum tempo em prisão domiciliária. Perante a iminência do inevitável encarceramento, Maria Lamas não se coibiu de escrever, a 12 de Julho, um texto acutilante e desassombrado ao Presidente do Conselho, Dr. Oliveira Salazar.
Onde é visível a sua arrojada frontalidade na denúncia da repressão e prepotência do regime fascista.
Na carta, Maria Lamas vai ao ponto de afirmar que
“sejam quais forem os obstáculos, riscos e provações [ela e os seus companheiros, presos pela PIDE], manter-se-ão “unidos e inabaláveis na luta pelas liberdades fundamentais e pelos direitos do Povo Português”.
(O neto de Maria Lamas, José Gabriel Bastos, na sua obra “Maria Lamas, Mulher de Causas” (2017), equivocou-se ao associar a doença de Maria Lamas e a carta pública a Salazar à primeira detenção da sua ilustre avó. Também a missiva ao ditador foi no mês de Julho e não em Junho).
O Presidente do Conselho achou bastante inconveniente a audácia da torrejana ilustre. Aquando da sua prisão, a 18 de Julho de 1950, Maria Lamas foi para o Depósito de Presos de Caxias, onde ficou isolada durante três meses.
As condições deploráveis e o isolamento minaram a sua frágil saúde. Ao corrente da situação, o advogado da escritora torrejana envidaria todos os esforços para que fosse hospitalizada no Hospital de São José. De regresso a Caxias, para comunicar com os outros presos, Maria Lamas socorria-se do autoclismo. A escritora chegou a afirmar que “deu lições de Francês por meio desse veículo, a algumas amigas”.
Só mais tarde é que colocaram na sua cela uma rapariga analfabeta. A quem a torrejana ilustre, passado pouco tempo, escrevia as cartas apaixonadas endereçadas pela rapariga ao seu namorado, que as copiava religiosamente.
A libertação da escritora torrejana deu-se a 19 de Janeiro de 1951. Mais uma vez a sua firme convicção em lutar pela justiça e pela emancipação feminina dão-lhe forças para não baixar os braços. Nos anos seguintes
Maria Lamas vai dedicar-se a escrever a outra obra de grande fôlego sobre a condição feminina: “A Mulher no Mundo” (1952-1954). A par da sua actividade escrita, Maria Lamas participaria em Congressos da Paz e no Congresso Internacional de Mulheres, em Copenhaga.
Em 1953 é novamente presa. Sai em liberdade no dia 8 de Janeiro de 1954. Ao primeiro exílio no estrangeiro, ocorrido no ano de 1953, seguem-se mais dois exílios: de 1956 a 1957 e de 1961 a 1969. Os sacrifícios e as privações nunca a fizeram perder o ânimo e a convicção que abraçou nos seus primeiros anos de luta contra a tirania e a opressão.~´oalmonda.net
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