Alentejo, anos 50. Memórias - 1º parte.
Naquela altura (anos 50), apenas a minha mãe e o meu padrasto, já sabiam ler, logo quando alguém queria escrever uma carta, ou ler alguma notícia, deslocavam-se até à nossa casa. Para além disso éramos os únicos com telefonia, e por vezes a casa enchia-se de gente ávida por ouvir a rádio. Recordo-me do episódio, ocorrido nos anos 60, em que o Henrique Galvão, roubou o barco “Santa Maria”, e da enchente de gente que chegou para ouvir a notícia.
(…)
Perto da Herdade da Terça, junto à estrada de acesso a Alcácer do Sal, existiam duas tabernas e uma mercearia, local onde nos íamos abastecer de todos os bens necessários. Este local era conhecido por “Estalagem de Alberges”, e era ai onde se realizavam as festas, bailes, e até mesmo circos, frequentados por todos os habitantes dos montes vizinhos.
(…)
A Herdade era também povoada, no período de Inverno, por gente vinda do norte do país, para efectuarem trabalhos de cava das lamas. Estes trabalhadores chegavam em Outubro, e partiam para as suas terras em Junho. A maioria chegava sozinho, apenas quem trazia a família, era o homem que os chefiava, denominado de “moiral”. Tinham hábitos diferentes dos nossos, e tomavam as refeições ao ar livre, através da utilização de grande caldeira de cobre, suspensa por um ferro, onde por baixo da mesma era efectuado lume, para a cozedura dos alimentos. Também faziam o seu próprio pão de milho, pois não gostavam do nosso que era elaborado à base de trigo.
D. Maria Edviges, assistente operacional
Naquela altura (anos 50), apenas a minha mãe e o meu padrasto, já sabiam ler, logo quando alguém queria escrever uma carta, ou ler alguma notícia, deslocavam-se até à nossa casa. Para além disso éramos os únicos com telefonia, e por vezes a casa enchia-se de gente ávida por ouvir a rádio. Recordo-me do episódio, ocorrido nos anos 60, em que o Henrique Galvão, roubou o barco “Santa Maria”, e da enchente de gente que chegou para ouvir a notícia.
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Perto da Herdade da Terça, junto à estrada de acesso a Alcácer do Sal, existiam duas tabernas e uma mercearia, local onde nos íamos abastecer de todos os bens necessários. Este local era conhecido por “Estalagem de Alberges”, e era ai onde se realizavam as festas, bailes, e até mesmo circos, frequentados por todos os habitantes dos montes vizinhos.
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A Herdade era também povoada, no período de Inverno, por gente vinda do norte do país, para efectuarem trabalhos de cava das lamas. Estes trabalhadores chegavam em Outubro, e partiam para as suas terras em Junho. A maioria chegava sozinho, apenas quem trazia a família, era o homem que os chefiava, denominado de “moiral”. Tinham hábitos diferentes dos nossos, e tomavam as refeições ao ar livre, através da utilização de grande caldeira de cobre, suspensa por um ferro, onde por baixo da mesma era efectuado lume, para a cozedura dos alimentos. Também faziam o seu próprio pão de milho, pois não gostavam do nosso que era elaborado à base de trigo.
D. Maria Edviges, assistente operacional
Alentejo, anos 60. Memórias - 2º parte.
"Da zona do Algarve, mas propriamente de Odeceixe, Rogil, Aljezur, Maria Vinagre, também chegavam mulheres, que permaneciam na Herdade entre Maio e Junho, mas neste caso para trabalharem apenas na apanha do arroz e na monda. Ao contrário do povo do norte, estas trabalhadoras, instalavam-se em grandes casarões, e dividiam o espaço entre elas.
Também tinham por hábito efectuarem as refeições ao lar livre, e por vezes chegavam a ser perto de uma centena de fogueiras a arder, pois cada uma delas confeccionava individualmente os seus alimentos.
No mês de Agosto, para o final das mondas e início das ceifas, chegavam mais ranchos de gente, oriundos de Grândola e Santo André. Também estes se instalavam em grandes casarões, mas a sua forma de estar em comunidade era diferente dos restantes. O dormitório era dividido por biombos, e para a confecção dos alimentos recorriam a uma única fogueira em que cada um deles, colocava a cozinhar os alimentos numa panela de barro.
Toda esta diversidade de culturas trazia uma grande animação á Herdade, e apesar do trabalho duro, aos sábados e domingos à noite, havia sempre baile, no qual todos participavam.
As sementeiras dos viveiros começavam em Março, e em Junho começavam as plantações em grandes canteiros com muros de 100 em 100 metros. As condições de trabalho eram muito difíceis, pois trabalhava-se com água e lama por cima dos joelhos, e na água, para além de conchas, existia uma grande variedade de bichos, desde cobras a saltérios, que por vezes provocam mordeduras dolorosas. Ainda me recordo de uma espécie de liquido, em pequenas garrafas, que utilizávamos para pôr nas pernas, ás vezes já em ferida."
D. Maria Edviges, assistente operacional
D. Maria Edviges, assistente operacional
"Em Agosto começavam as mondas do arroz, pois já este estava grande, e era necessário proceder à apanha do milhão e de esgalracho, conhecidas por serem ervas “inimigas” do arroz.
No mês de Outubro iniciava-se o período da ceifa, já o arroz estava maduro, mas como era época da chuvas, era um trabalho difícil de realizar, ainda para mais sendo o horário de trabalho estipulado de “sol a sol”, pois estávamos em 1962.
De Dezembro até Março, o trabalho consistia em cavar nos sapais ou no montado, na apanha da azeitona e da bolota, servindo esta última para alimento para o gado, após ser transformada em farinha.
Em 13 de Abril de 1963, as mulheres estiveram na linha da frente de uma enorme revolta, pois recusaram-se a trabalhar enquanto o horário de trabalho não fosse reduzido para as 8 horas, deixando de ser de “sol a sol”. A partir dai todas os trabalhadores começaram a sair ás 17.00h, o que foi uma grande conquista naquela zona do Alentejo, e conseguida unicamente com a força de um movimento de mulheres.
No entanto os patrões demonstraram o seu desagrado com tal situação, e logo trataram de tornar as condições de trabalho ainda mais difíceis, principalmente na altura dos viveiros do arroz, no mês de Março, altura em que exigiam que os trabalhadores descalçassem as botas de borracha, que usavam para se protegerem do frio, de modo a não prejudicarem as sementeiras.
Procederam então à implementação de uma nova técnica de plantação, baseada na experiência de um outro pais, também produtor de arroz. No processo passou então a ser utilizado um cabo de aço, distribuído por cerca de 30 mulheres, sendo a plantação efectuada à carreira. No final do referido cabo estava um trabalhador com a função de o mudar de posição, assim que todo o rancho estivesse junto deste, o que se revelava por vezes muito difícil de conseguir, exigindo um grande esforço, principalmente por parte das trabalhadoras mais velhas.
Existia na altura a figura do “Capataz”, cuja função era de coordenar todo o trabalho. Este tocava uma corneta, de meia em meia hora, altura em que todas as trabalhadoras se levantavam, e lhes era dado 3 minutos de descanso. O tempo por vezes nem era suficiente para as pessoas se deslocarem até às “valas reais”, onde haviam sido colocadas umas caixas em chapa, tipo “paviola”, que funcionavam como casas de banho."
D. Maria Edviges, assistente operacional na escola E-B 2e3 de Azeitão
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