O sentimento anti-China espalha-se e é tão irracional e tão perigoso como o sentimento anti-EUA. Confunde-se tudo, a conspiração com a explicação, a ignorância com o conhecimento, o pensamento crítico com o preconceito, a parte com o todo, as especulações com os factos. Sem dúvida, esta resposta tem a ver com uma certa impotência sentida perante as dificuldades da realidade que enfrentamos. Tal sentimento conduz à procura de um “bode expiatório”, concentrando violentamente nele a frustração e a ira. É um mecanismo antropológico conhecido, exposto e subvertido pela Paixão de Cristo, como explica René Girard. A humanidade tarda em aprender esta lição. Neste caso, tem também um fundo de desconfiança e temor, e um subtexto de superioridade, que é profundamente xenófobo. A designação do SARS-CoV-2 por algumas pessoas, incluindo algumas personalidades da televisão e figuras de estado, como o “vírus chinês” é uma instância do discurso agressivo que foi contribuindo para estado de coisas. A pertússis é um “doença bacteriana americana”? O zika é um “vírus brasileiro”? Estes agentes infecciosos não têm nacionalidade, como as pessoas. Saibamos nós rejeitar esta tentação, neste tempo que expõe as feridas abertas das desigualdades sociais, do desinvestimento e da desvalorização nos serviços públicos, e que nos exige uma política da solidariedade, da cooperação, da igualdade, na resposta à emergência gerada pela pandemia. Essa violência que podemos rejeitar é um vírus com efeitos bem mais duradouros.
[fot. Duncan Andison]