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Na noite de 4 de outubro de 2015 em que Jerónimo de Sousa abriu a possibilidade de o PCP, após negociação, apoiar no Parlamento os orçamentos de Estado que um governo formado pelo PS viesse a apresentar, tirou o tapete à direita política do país e afastou-a do poder executivo.
Depois desse dia já houve outra eleição para a Assembleia da República, em 2019. Em quatro anos a CDU, a coligação onde o PCP concorre, perdeu 113 mil votos, mais de 25% do eleitorado que tinha.
Depois desse dia já houve uma eleição europeia. Em relação ao sufrágio anterior, de 2014, a CDU perdeu 188 mil votos, uma enorme queda de 45% do total de votantes.
Depois desse dia já houve duas autárquicas. Em 2017 a CDU perdeu 63 mil votos, uma queda de 11,5% em relação a 2013. Em 2021 perdeu mais 78 mil votos, 16% em relação a 2017.
Não me parece ser necessário dizer muito mais para assegurar factualmente que, do ponto de vista eleitoral, a declaração histórica do líder do PCP, que permitiu a António Costa ser primeiro-ministro, foi uma desgraça para o partido - até porque este ciclo de quedas eleitorais se segue a outro de subidas: 13 mil votos mais das autárquicas de 2009 para 2012, quatro mil votos das legislativas de 2011 para 2015 e 36 mil votos das europeias de 2009 para 2014.
O que é que ganhou o PCP em 2015? Algo muito relevante para o partido e para a democracia portuguesa: Jerónimo de Sousa, numa frase, acabou com o conceito de "arco da governação" onde, 40 anos antes, desde 25 de novembro de 1975, só cabiam PS, PSD e CDS. Até o Bloco de Esquerda beneficiou desse tiro ao preconceito ideológico.
O PCP também ganhou capacidade para impor medidas orçamentais que favoreceram os mais desprotegidos da sociedade e foi decisivo em muitos momentos legislativos na Assembleia da República onde, de longe, venceu o campeonato da sensatez, da visão humanitária da vida, da defesa da liberdade individual ou coletiva e da coragem política.
Os ganhos para o país do aumento de influência política do PCP parecem-me evidentes, mas os castigos sistemáticos e repetidos do eleitorado demonstram que boa parte desse país que encarava a CDU como uma opção séria de voto deixou de o fazer - e a tendência estatística desse abandono acentua-se, de eleição para eleição.
Perda de deputados, perda de presidentes de câmara, perda de eleitos autárquicos significa perda de poder na alta política, significa perda de influência no poder mais próximo das populações mas, também, perda de capacidade de liderança em outros setores da sociedade: por exemplo, no mundo sindical é inevitável que estes maus resultados sistemáticos não tenham reflexos indiretos sérios.
A emigração, a pandemia, o voto útil anticomunista, a abstenção, as mudanças socio-demográficas, o tratamento discriminatório por parte da comunicação social, a "campanha negra" contra o PCP estão muito longe de explicar esta erosão.
Quando um autarca de excelência como Bernardino Soares perde em Loures para um candidato do PS, repetindo o fenómeno ocorrido com Joaquim Judas em Almada em 2017, há certamente alguma coisa que estas explicações habituais não estão a contemplar.
Quando vejo um dirigente de topo do PCP, na noite eleitoral de domingo, a acusar uma jovem repórter da SIC de ter - ela, individualmente - uma "agenda política" escondida por detrás de uma pergunta banal sobre os maus resultados eleitorais da CDU, leio uma desorientação comunicacional e um descontrolo emocional preocupantes e, receio, significativos.
Quando olho para a propaganda CDU, analógica ou digital, nas várias eleições, quase sempre fria, rotineira, sem calor humano, sem foco, sem mensagem política, sem risco, sem rasgo, com muito passado glorioso mas sem mostrar futuro, com as mesmas palavras de ordem de há 40 anos - "Trabalho, Honestidade e Competência" ou "Com Toda a Confiança" - espanto-me por já ninguém no PCP ler os textos de Lenine sobre propaganda.
Quando vejo protestos institucionais do PCP, aparentemente inconsequentes, sobre o incumprimento por parte do PS dos acordos orçamentais em vigor, da degradação de quadros e meios técnicos no Serviço Nacional de Saúde, ou sobre as normas mais lesivas do novo Código do Trabalho, verifico uma ineficácia nesses protestos que é claramente autodestruidora, suicida - se o PCP não ganha ou, pelo menos, não "rasga as vestes" em batalhas destas, serve para quê?
Desde a primeira hora que no PCP se tinha a noção que o apoio a um governo minoritário do PS teria graves custos eleitorais - mas a medida desse custo começa a ser, parece-me evidente, demasiado alto para as possibilidades políticas do partido.
É preciso, pensa este militante do PCP, sensatamente, revolucionar isto.
Jornalista