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sábado, 8 de outubro de 2022

ISABEL CAMARINHA “OE de 2021 deve 600 milhões de euros à Segurança Social”


A secretária-geral da CGTP, Isabel Camarinha, defende a valorização dos salários e considera “um logro” a preocupação manifestada pelo governo com a sustentabilidade da Segurança Social: “Todos sabemos que a sustentabilidade da Segurança Social se faz com o aumento dos salários de todos os trabalhadores”. E acrescenta: “Em 2021, o Governo não transferiu verbas de apoio, nomeadamente as Medidas Covid. Foram mais de 600 milhões de euros que era o Orçamento do Estado (OE) que deveria assegurar, que foi a Segurança Social a adiantar, e que, entretanto, o OE não repôs”.

A secretária-geral da CGTP, Isabel Camarinha defende a valorização dos salários porque em Portugal empobrece-se a trabalhar. Considera “um logro” a preocupação manifestada pelo governo com a sustentabilidade da S. Social: “Todos sabemos que a sustentabilidade da segurança social se faz com o aumento dos salários de todos os trabalhadores”. E acrescenta: “Em 2021, o Governo não transferiu verbas de apoio, nomeadamente as chamadas medidas covid. Foram mais de 600 milhões de euros que era o OE que deveria assegurar, que foi a Segurança Social a adiantar, e que, entretanto, o OE não repôs”.

A CGTP-IN considera razoável a proposta apresentada pelo Governo na Concertação Social?

A proposta segue a linha do que têm sido as suas opções do Governo: não resolvem os problemas estruturais, nomeadamente no que toca aos trabalhadores, ao mercado de trabalho, à valorização imprescindível desses trabalhadores. Na proposta, o Governo estabelece como objetivo um salário mínimo nacional (SMN) de 900 euros em 2026, e ter um aumento de 4,8% nestes quatro anos, até lá. Depois em simultâneo, coloca uma fasquia relativamente aos aumentos salariais para os trabalhadores da administração pública que parte de uma base de 2%. Não joga uma coisa com a outra. 

Vive-se uma enormíssima degradação das condições de vida e de trabalho no nosso país, de aumento da exploração, de desvalorização ainda maior dos salários dos trabalhadores. Não falamos de um ponto de partida de boas condições para os trabalhadores. Os salários já eram todos muito baixos. O SMN não era suficiente para as necessidades do trabalhador e das suas famílias, mas os restantes salários também não. Não há valorização das carreiras e das profissões, não há uma contratação coletiva que garanta o progresso nos vários sectores — devido à legislação laboral que temos, desde o código do trabalho às alterações que foram sendo introduzidas no período da troika a piorar. O Partido Socialista, quando foi maioria, nunca repôs os direitos dos trabalhadores, nomeadamente esse direito fundamental, que a Constituição consagra, de negociação da contratação coletiva, no sentido do progresso e da justiça social. 

O Governo fala muito, e nesta proposta que apresenta até coloca a questão da redução do IRC para as empresas com contratação coletiva dinâmica, que promovam o aumento dos salários. Mas mesmo que houvesse um acordo em concertação social neste, não estando garantida a livre negociação da contratação coletiva, isso depois não vai acontecer: É aí que os salários são revistos no sector privado.

Há ou não uma contradição entre o braço de ferro relativamente ao SMN, na altura da queda do antigo Governo, e a proposta que é feita agora até 2026? O aumento salarial para atingir a meta dos 900€ é substancialmente maior que aquele que era proposto na altura.

A CGTP sempre considerou que eram muito insuficientes as medidas e políticas que o Governo foi desenvolvendo ao longo do tempo, nomeadamente em matéria salarial. Neste momento de brutal aumento do custo de vida, de inflação galopante, o Governo coloca a meta que o Banco Central Europeu (BCE) definiu, de 2% nos próximos anos. Em abril, o primeiro-ministro, dizia que este aumento da inflação era conjuntural. Agora já não o diz isso – vai atrás da meta que o BCE estabeleceu de 2%, quando o que estamos a verificar é que os preços estão a aumentar. Em agosto foi de 8,9% face à inflação homóloga. Só em 2022, os trabalhadores, os reformados e os pensionistas já perderam poder de compra numa dimensão enormíssima que precisava de ser reposta. E sobretudo precisava de ser melhorada, e isso só se faz através do aumento dos salários e das pensões. Não é com outro tipo de medidas, que colocam outras formas de aumentar o rendimento líquido dos trabalhadores. Não somos contra o aumento líquido dos rendimentos dos trabalhadores. Agora o que temos como questão central é que é o salário que tem de garantir a vida digna de um trabalhador, as suas necessidades e a compensação pelo seu trabalho, pela sua experiência, pelas competências que adquiriu pelos anos de trabalho que já tem, valorizando a sua carreira. Não está a acontecer, nem no sector público, nem no sector privado. Na administração pública, o Governo não valoriza os trabalhadores, mantém a perda de poder de compra, que vem de há 13 anos a esta parte. Vamos ver que proposta que vai apresentar aos sindicatos, havendo os tais 2% já anunciados pelo primeiro-ministro e que balizaram o início da conversa. Esta proposta que o Governo apresenta, diz que é para negociação. Mas do quê? Relativamente aos salários, o Ministro das Finanças, na reunião da Concertação Social, não deu qualquer indicador que de que poderia haver intenção de ainda negociar acima do que ali está. O que prometeu foi às confederações patronais, relativamente às suas exigências de redução dos impostos para as empresas: que se este acordo for estabelecido, isso seria incluído no Orçamento do Estado. Sabemos bem quais as opções políticas deste Governo e do Partido Socialista. Mantêm intocados os lucros brutais que os grupos económicos e financeiros têm tido no nosso país e que, nesta situação, aumentaram ainda mais. Num levantamento que a CGTP fez, apenas de 21 grandes empresas e grupos económicos e financeiros, no primeiro semestre de 2022, tiveram mais 4 mil e 200 milhões de euros de lucros, muito superior ao que tinham tido em 2021, em que já tinha havido um crescimento enorme dos lucros.

Há uma transferência para o capital?

O que tem acontecido é um ainda maior desequilíbrio na distribuição da riqueza a favor do capital, e nisso o Governo não toca. Não taxa este aumento de lucros das grandes empresas, não acaba com a especulação, não regula os preços de maneira a conter este aumento que faz com que salários e pensões não chegam para o mês todo, na maioria dos casos. Depois as propostas apresentadas são muito insuficientes. Não garantem a reposição, quanto mais a melhoria.

Há uma proposta que prevê descer o IRC às empresas que aproximem os salários mais baixos dos mais altos.

Acho que isso é uma falácia. Não se percebe bem o que significa. Falam na redução do leque salarial, mas o leque salarial tem sido reduzido pela compressão das tabelas. Boa parte das tabelas são engolidas pelo SMN, que tem tido algum aumento, embora insuficiente, e que tem levado a que um grupo grande de categorias das tabelas salariais, que deveriam ter diferenciação entre si, não a tenha. Há hoje um milhão de trabalhadores a receber o salário mínimo nacional, 58% dos trabalhadores com salários até 800€ e mais de 72% até aos 1000€. 

E empobrece-se a trabalhar? 

É um empobrecimento de quem trabalha. 11,2% dos trabalhadores portugueses a tempo inteiro são pobres, mesmo pelos padrões de pobreza que temos. No Governo e no Partido Socialista — que tem maioria absoluta na Assembleia da República e todas as condições para alterar as opções que tem tomado — não há vontade de alterar estas opções e perpetua-se um modelo de baixos salários.

Pobres e precários.

A isto associam-se opções da legislação, do combate à precariedade, dos horários longos e desregulados, que não permitem que os trabalhadores conciliem a vida pessoal com a profissional. Em Portugal, trabalhamos uma média de 41 horas semanais, um período de tempo de trabalho dos mais longos da União Europeia. Grande parte desses horários não têm um pagamento que compense o trabalho para além do horário normal. Muitas decorrem do pagamento do trabalho extraordinário – com a redução feita pelo PSD e CDS no período da Tróica – bancos de horas, adaptabilidade. 

Nesta matéria não houve alterações nos últimos anos?

Neste âmbito, a proposta governamental para o acordo de rendimentos e competitividades é muito insuficiente. Repõe valores do pagamento do trabalho extraordinário do período pré-tróica, mas só a partir das 120 horas de trabalho extraordinário. Só a partir das 120 horas de trabalho extraordinário é reposto o valor anteriormente definido que compensa minimamente. Depois há a contratação coletiva, que estabelece valores superiores. É preciso garantir condições concretas de trabalho e salariais diferenciadas, tendo em conta as especificidades das funções, do sector, da empresa.

Tem havido abertura do Governo para reforçar a contratação coletiva?

Só na propaganda. Em termos de declaração de intenções, fala-se sempre da dinamização da contratação coletiva, na necessidade de aumentar o número de trabalhadores abrangidos pela renovação dos contratos coletivos de trabalho. No concreto e nas medidas aprovadas não dá essa garantia. Ao manter a caducidade das contratações coletivas no código de trabalho, permite-se ao patronato ter uma ferramenta de chantagem aos sindicatos na negociação. Podem ameaçar com o falhanço de uma negociação que retire direitos, que leva à não renovação da convenção que assim caduca. Ora, para garantir o direito constitucional da negociação da contratação coletiva é preciso que acabe essa arma que a direita deu aos patrões e o Partido Socialista nunca retirou.

Que arma é essa que o PS recusa retirar?

Ora, o Partido Socialista, ao não repor o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, permite que no quadro da contratação coletiva se negoceiem condições abaixo da lei. O trabalhador está numa posição mais frágil na relação de trabalho. Precisa do posto de trabalho. O patrão tem a faca e o queijo na mão nesse equilíbrio. Se não há formas legais de reequilibrar essa relação, o trabalhador fica mais fragilizado, É o que acontece com a contratação coletiva, mas também na legislação laboral relativamente aos vínculos precários, à falta de fiscalização e à ação da Autoridade para as Condições de Trabalho. Não se consegue garantir que a um posto de trabalho permanente corresponda um vínculo de trabalho efetivo. Ora, os trabalhadores com vínculos precários têm um salário em média 40% inferior ao dos trabalhadores efetivos. 

O Governo diz que quer rejuvenescer o mercado de trabalho. 

O Governo, na reunião da Concertação Social, onde fez a proposta de acordo, diz que quer aumentar o emprego, manter e reter os jovens qualificados, e melhorar as suas condições no mercado de trabalho. Como? se 72% do emprego criado em 2021 e no primeiro trimestre de 2022 é com vínculo precário e os trabalhadores com vínculos precários têm piores condições do que os com vínculo efetivo, e é utilizado o vínculo precário para postos de trabalho permanentes, situação que a lei devia impedir. Há opções que se mantêm. 

E é isto que respondemos ao Governo e que os trabalhadores têm colocado nas suas reivindicações e na intensa luta que têm vindo a desenvolver, com mais intensidade nos últimos meses. A exigir que, neste quadro de degradação das condições de vida, haja alterações, que haja o aumento geral dos salários. Temos, nas nossas propostas, medidas para o imediato. Não podemos esperar por janeiro do próximo ano para assegurar dignidade de vida aos trabalhadores. Precisamos que elas aconteçam já, e temos para 2022 ainda, reivindicações no quadro do aumento geral dos salários, que garantam o aumento de 90€ para todos os trabalhadores, que haja, no imediato, o aumento do salário mínimo nacional para 800€ e que, no próximo ano, haja também a continuação desta reposição do poder de compra. 

Quais são as propostas da CGTP-IN?

Temos 6 propostas que queremos negociar, quer com o Governo, quer com as associações patronais e empresas no sector privado: que garanta 10% de aumento com o mínimo de 100€ para todos os trabalhadores em 2023 e que garanta de facto as condições mais gerais, no sentido de os trabalhadores terem um emprego de qualidade, com direitos e não o que tem vindo a acontecer, que é o aumento da exploração e a tentativa de retirada de direitos. O que temos, e ainda falando sobre a contratação coletiva, é a apresentação, por parte do patronato, de propostas que são completamente inegociáveis. Muitas vezes, a troco de nada, porque nem sequer o aumento salarial é significativo, apresentam a retirada de um conjunto de direitos que estão consagrados na contratação coletiva e o que vão fazer é baixar ainda mais as condições de trabalho. Não é para isto que a contratação coletiva existe, pelo contrário. É para garantir a melhoria das condições de trabalho. 

Vemos as opções do Partido Socialista e do Governo, no que respeita aos horários de trabalho. Estamos num quadro em que a evolução da ciência e da técnica, dos métodos de produção, da própria possibilidade de produzir mais com menos trabalhadores, que em vez de garantir a possibilidade de os trabalhadores terem mais tempo para a sua vida pessoal, não. O que faz é intensificar os ritmos de trabalho, aumentar horários de trabalho com bancos de horas, adaptabilidades ou torná-los ainda mais penosos com o trabalho por turnos, o trabalho noturno em empresas que não têm a mínima justificação para terem este tipo de funcionamento, e que exploram mais os trabalhadores, não garantindo sequer a compensação digna para esse trabalho. Temos uma reivindicação de redução do horário de trabalho para as 35 horas semanais, que já existe e bem na administração pública, e que deve ser alargada a todos os trabalhadores em Portugal. Isso é possível e será, não só um fator de progresso, até civilizacional, porque a redução do horário de trabalho tem sido, ao longo da nossa história, um factor de progresso civilizacional, mas também uma forma de criar mais postos de trabalho e de garantir condições de trabalho completamente diferentes aos trabalhadores. O aumento do horário de trabalho é o aumento de exploração.

Há a proposta da semana de 4 dias…

Essa proposta nunca foi concretizada. A CGTP não tem nada contra uma redução para 4 dias de trabalho. A questão prende-se com a sua concretização. É possível e necessário reduzir o horário de trabalho semanal, e as 35 horas são uma possibilidade e uma necessidade para garantir horários de trabalho que proporcionem a melhoria das condições de vida das pessoas. Não se responde a isto e depois vem-se com outras propostas, que fogem do centro da questão: a redução efetiva do horário de trabalho. Sem perda de retribuição, como é óbvio. Nunca percebemos se na proposta dos 4 dias, se distribuem as 40 horas pelos 40 dias. Nunca o aceitaríamos. Com a luta dos trabalhadores, já atingimos na administração pública e em muitas empresas do sector privado estes horários de trabalho, ou o início da redução do horário de trabalho. Temos empresas onde os trabalhadores garantiram a redução de uma hora por ano, até chegarem às 35. Ou que reduziram das 40 para as 38. Isto é necessário, também para o desenvolvimento do país. Com este modelo de baixos salários, o que temos é uma produção de baixo valor, que não garante a sacrossanta competitividade e o aumento da produtividade. 

Estamos submissos à UE e suas imposições e condicionalidades. Lá vem o aumento das taxas de juro, com todas as consequências para milhares e milhares de pessoas que tiveram que recorrer ao crédito para ter a sua habitação. Foram empurrados para isso e agora terão aumentos enormíssimos na sua prestação mensal. Isto acresce ao aumento do custo de vida que estamos a sentir. Naturalmente, os trabalhadores terão que, nas empresas, nos locais de trabalho, intensificar a sua luta. É o que estamos a fazer. Temos um mês de mobilização e luta até 15 de outubro, em que já tivemos dezenas de acção nos locais de trabalho. Luta que já vem de trás da jornada de luta nacional que fizemos em junho, que culminou com aquela grande manifestação nacional no dia 7 de julho com as reivindicações de resposta aos seus problemas concretos e imediatos aos trabalhadores. Este mês estão realizar-se centenas de plenários em todos os setores, com a continuação e início de novos de processos de luta. Exigem-se, por exemplo, aumentos extraordinários, mesmo para quem já teve algum aumento este ano, para recuperar o poder de compra. E, nos casos em que não houve aumento salarial, exigir os 90€ de aumento. 

Qual é o plano de lutas?

No dia 15 de outubro faremos uma ação nacional de convergência de todas estas lutas, para os trabalhadores trazerem para a rua, em Lisboa e no Porto, as suas reivindicações. Não só os trabalhadores, como outras camadas que estão a ser atingidas. 

Os reformados e pensionistas têm sido atingidos. Sofreram ao longo de anos as consequências de uma lei e de uma fórmula de cálculo que, não havendo inflação, não permitia aumentos. Não permitia, ou seja, os Governos não quiseram, porque os Governos sempre puderam aumentar para além da fórmula de cálculo, mas não quiseram. Fizeram aqueles aumentos pressionados pela luta e pela negociação com os partidos à sua esquerda, mas a verdade é que utilizaram aquela fórmula de cálculo para o aumento das pensões, para não garantir a dignidade no envelhecimento de quem trabalhou e descontou uma vida inteira e agora tem uma pensão muitas vezes miserável. Num momento em que a inflação está aos níveis em que está, e quando se perspetivava alguma reposição do poder de compra perdido ao longo de anos por aplicação daquela fórmula, o Governo vem mudar as regras do jogo e aprova uma lei em que estabelece um aumento das pensões para 2023 que reduz o valor da pensão, relativamente àquilo que iria ser o aumento que iam ter. Aquilo que agora entrega em outubro é justo que entregue, mas não pode reduzir o valor que a pensão tem de ter em janeiro de 2023. Também os reformados e pensionistas têm todas as razões para trazerem para a rua a sua rejeição às opções que têm sido tomadas.

E a sustentabilidade da segurança social?

O Governo vem com a teoria de que esta alteração que faz é necessária para garantir a sustentabilidade da segurança social. Isto é um logro, é uma falácia. Todos sabemos que a sustentabilidade da segurança social se faz com o aumento dos salários de todos os trabalhadores. É a principal base para sustentar a segurança social, deste nosso sistema de segurança social, público, universal e solidário. E quando se fala de solidariedade intergeracional é precisamente isto: garantir que os que estão agora no ativo garantem não só as suas pensões, mas as dos que já estão reformados ou aposentados. Mas para isso é preciso que os salários sejam dignos e aumentem. Não sei se o Governo está a partir do princípio que vai manter para sempre este modelo de baixos salários, quando diz que a segurança social não é sustentável se houvesse o aumento que devia haver das pensões. Mas também continua a não querer apostar noutras formas de financiamento da segurança social. Por exemplo, através dos lucros líquidos que as empresas têm. É uma proposta que a CGTP tem há muitos anos, que seja taxado o valor líquido do produto das empresas, com uma taxa que deveria reforçar o fundo de financiamento da segurança social, bem como fazer as transferências do orçamento do estado que tem de fazer para a segurança social. Em 2021 o Governo não transferiu verbas de apoio, nomeadamente as chamadas medidas covid. Foram mais de 600 milhões de euros que era o OE que deveria assegurar, que foi a Segurança Social a adiantar, e que, entretanto, o OE não repôs, fazendo com que o saldo seja inferior àquele que deveria ser. O OE de 2021 deve mais de 600 milhões de euros à S. Social. Também há a questão da fuga e da evasão que existe no pagamento à segurança social. Há aqui um conjunto de medidas que deviam ser tomadas e não são.

Esta questão pode também prender-se com o rejuvenescimento do mercado de trabalho e as longas carreiras contributivas. Como conciliar o prolongamento do tempo de contribuição com a abertura do mercado de trabalho à gente mais nova.

Ao longo das décadas em que foi sendo alterada a lei de bases da segurança social, a idade da reforma, e se colocadas aquelas normas para a alegada sustentabilidade da segurança social, que penalizam as pensões de reforma, a CGTP e a Inter-reformados têm exigido sempre a reposição da idade de reforma nos 65 anos e que o trabalhador com 40 anos de descontos possa reformar-se, se assim o entender.  Precisamos de renovar o mercado de trabalho e garantir que quem trabalhou uma vida inteira tenha direito a realizar um conjunto de coisas que enquanto trabalhou não conseguiu, tendo ainda saúde, e uma idade que lho permita. As pensões têm de dar essas condições. 

A política que se tem seguido empurra os jovens para a emigração, com as consequências demográficas que isso tem. Apregoa e faz-se propaganda da necessidade de atrair os jovens, só que a política praticada não é nesse sentido. Não é possível garantir a atração dos jovens mantendo a precariedade, os baixos salários, condições de serviços públicos, e preços altíssimos na habitação.

As entidades patronais falam da necessidade da imigração para o mercado de trabalho.

Sim, depois querem resolver o problema com imigrantes. Portugal foi sempre um país de emigrantes. Respeitamos ao máximo quem sente necessidade de sair do seu país para trabalhar — o que gostaríamos era que só acontecesse quando vêm por escolha e não porque são empurrados, pela falta de condições que têm no seu país. Mas, seja para trabalhadores portugueses ou para trabalhadores que vêm de outros países, há que garantir salários dignos, carreiras profissionais valorizadas, progressão dos trabalhadores, compensação pelas suas competências e pelo trabalho que realizam e condições de trabalho que permitam a todos ter uma condição de vida digna. Não se resolve o problema da natalidade com a vinda de imigrantes. O que estamos a ver é a desertificação. Até a coesão territorial é afetada por estas opções. Não há investimento nos serviços públicos, nas acessibilidades, na indústria e produção nacional, e isto faz com que haja migração interna do interior para o litoral.

Depois da pandemia a concertação social e o Governo têm apresentado alteração nas condições do novo modelo de teletrabalho?

Desde muito antes da pandemia, já a CGTP tinha uma posição sobre o teletrabalho. Defende que as pessoas que aceitem trabalhar a partir da sua residência têm de ter a garantia dos seus direitos, em acordo entre as duas partes. Não pode ser imposto ao trabalhador. Até pode haver profissões em que o trabalhador sinta que pode realizar melhor a sua atividade profissional em casa, mas na esmagadora maioria dos casos o trabalhador fica isolado, tanto em termos laborais como sindicais. O trabalhador é prejudicado pelo aumento de despesas, com a transferência de custos com o fornecimento de serviços vários da empresa para o trabalhador, e em termos de horários de trabalho, com uma maior possibilidade de não respeito pelos horários. Com a pandemia houve um alargamento do número de trabalhadores em teletrabalho, que foi bastante pontual, muito localizada naquele período mais crítico da pandemia. 

Mesmo nessa altura, sempre exigimos que fossem garantidos os direitos dos trabalhadores. Houve uma alteração legislativa promovida pelo PS, que a CGTP considerou insuficiente. Vinha ao encontro de algumas das nossas reivindicações, mas que não garantiu todos os direitos que têm de ser garantidos aos trabalhadores em teletrabalho. 

Neste momento já se fala outra vez em haver mais trabalhadores em teletrabalho por causa da redução dos custos de energia. Como é que isso baixa o consumo energético? Seja em casa ou na empresa o trabalhador gasta energia.

De acordo com dados do INE verifica-se que baixou substancialmente o número de trabalhadores em teletrabalho desde o fim da pandemia. O aumento verificado é relativo ao período pré-pandemia, pois antes era residual. Houve muitas empresas que aproveitaram para reduzir os seus custos, prejudicando os trabalhadores. Na maior parte das situações o que a lei estabelece de compensação aos trabalhadores pelo aumento que têm de despesas não é suficiente e é difícil de conseguir levar à prática. Consideramos insuficiente aquilo que ficou estabelecido na lei.

No período pandémico houve alguns elogios rasgados a trabalhadores indispensáveis e que agora no plano salarial foram esquecidos.

Isso pode-se colocar a todos os trabalhadores da administração pública, a todos os trabalhadores do sector social, comércio e muitos da indústria, que continuaram a trabalhar mesmo no período de maior confinamento. Não foram minimamente valorizados, nem nos salários, nem nas carreiras. Pelo contrário houve ainda um aumento maior da sua exploração. Veja-se na administração pública, os trabalhadores da saúde, da escola pública, da administração local, os dos transportes, mas também de outros sectores privados, nomeadamente da indústria alimentar. Não tiveram uma compensação. O Governo tem a faca e o queijo na mão relativamente aos trabalhadores da administração pública, que precisamos que sejam valorizados e também que haja reforço nos serviços públicos, para garantir as necessidades de todos. Para isso é preciso investimento que o Governo não faz. Por exemplo, em matéria salarial e no combate à falta de profissionais em sectores na administração pública que depois acabam a dar uma resposta deficiente. A situação vai ao encontro dos interesses dos grandes grupos económicos de sectores como a saúde e da educação. É também um incentivo para recorrer aos seguros privados para garantir uma pensão digna. Faz-se precisamente o inverso do que devia ser feito. 

No plano da Saúde, por exemplo, a CGTP tem em curso uma campanha nacional pela defesa e reforço do SNS, precisamos de facto que haja um investimento no Serviço Nacional de Saúde, que é diferente do sistema de saúde que alguns preconizam e que põe o público e o privado à mistura.

Já é essa a semântica…

Exatamente, já é esse o léxico que está a ser usado. Quando não é isso o que é necessário. Necessário é reforçar o SNS com equipamentos, meios, profissionais, e profissionais valorizados, para garantir que é o SNS que presta os serviços que são necessários para toda a população. 

Porém, o que verificamos, no OE 2022, é que há aumento das verbas em relação aos anos anteriores, mas continua a haver subfinanciamento. O aumento é canalizado em grande parte para o pagamento de serviços aos privados. Isto não garante o serviço nacional público e gratuito que defendemos, que é uma conquista do 25 de Abril plasmada na nossa Constituição, e que precisamos de garantir que continue. De contrário, o que vamos ter é que quem quer saúde, paga-a – como, infelizmente, muitos no nosso país defendem. Os partidos da direita, PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal, o que querem é isto: acabar com as funções sociais do Estado tal como vêm na Constituição. Querem reduzir a um regime de assistencialismo, de quase de caridade, aquilo que são as funções do Estado, as suas obrigações de garantia das necessidades das populações. Não podemos aceitar isto no plano da saúde, da educação, da proteção social. 

Nem em nenhum plano. Por exemplo, consideramos que deve haver um serviço público de transporte, nomeadamente no sector rodoviário, que é privado há muitos anos. Por isso consideramos; no serviço postal, defendemos a renacionalização dos CTT, porque é uma garantia de um serviço público que tem de ser prestado e assegurado pelo Estado. Agora ficaram visíveis as consequências para o nosso país da privatização da EDP, da Galp, de outras empresas fundamentais para o desenvolvimento da economia portuguesa. São ferramentas essenciais para garantir a nossa autonomia e soberania. Agora vemos a especulação em torno dos preços dos combustíveis e da energia, com todas as consequências que isso tem para os trabalhadores e populações e para o desenvolvimento do país.


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